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A vertigem

15 de março, 2021

Mainha tem crises horríveis de labirintite. Desde que me lembro. Eu escutava as suas descrições como quem assiste a um filme de terror. Apavorada com […]

A vertigem

Mainha tem crises horríveis de labirintite. Desde que me lembro. Eu escutava as suas descrições como quem assiste a um filme de terror. Apavorada com o futuro encontro com a minha crise. Crise que, eu não tinha dúvida, estava à espreita. 

Tenho a sensação de que meus enjoos nas viagens de carro, os mareados que senti só de olhar para as ondas, o horror de barco, carrossel, montanha-russa são todos consequências desse medo. Passei dos quarenta e, se brincar, chegarei ao fim da vida sem um único episódio do “não dar pé” da labirintite de minha mãe.

Hoje, entendo – embora entender não mude o que sinto – que a questão está na palavra. Labirintite é produção do labirinto. Saber-se dona de um labirinto interno, próprio,  físico, dentro do ouvido é informação perturbadora demais da conta. Dentre todos os sintomas da doença – ou seria melhor dizer, da condição – o que me parece mais impactante é a vertigem. Vertigem é perda de equilíbrio. Há algo em nós, algo que pode ser tocado, capaz de provocar perda do equilíbrio.

Sim, eu sei que há algo em nós capaz de provocar um tanto. Há incontáveis algos. É o concreto da coisa que me pega. 

Talvez seja essa a razão de minha chateação quase divertida com os analisandos que insistem em movimentar o telefone enquanto falam, alguns discretamente, outros com gosto. Para além de colocar esse desassossego na perspectiva da própria análise de cada um, gosto de ficar tonta  pela ação de um outro. Não fui a responsável pela perda de meu equilíbrio e, portanto, dona de mim, os peço para apoiar o telefone em um lugar fixo. Fulano, você vai acabar atacando a minha labirintite. Assim é com o carro, a onda, o barco, o carrossel e a montanha-russa, está nas minhas mãos entrar ou sair da vertigem. Risos.

Um dos trechos que mais me mobiliza na literatura é o de Milan Kundera, em a Insustentável Leveza do Ser. “A vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio embaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual logo nos defendemos aterrorizados.”

A minha labirintite. O meu desejo de não dar pé. Credo, que delícia! Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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