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Casa do Cantador faz 35 anos e festeja exaltando o repente

27 de novembro, 2021

Gênero foi declarado patrimônio imaterial em 11/11. Feito será celebrado neste sábado (27) com show, que marca também aniversário da instituição “O repente é a […]

Casa do Cantador faz 35 anos e festeja exaltando o repente
Gabriela Berrogain/G1

Gênero foi declarado patrimônio imaterial em 11/11. Feito será celebrado neste sábado (27) com show, que marca também aniversário da instituição

“O repente é a cultura do cantador violeiro/ Saiu do anonimato que viveu o tempo inteiro/ Virou patrimônio agora para o povo brasileiro”. Como canta o artista paraibano Fenelon Dantas, o repente acaba de cruzar a fronteira que separa a prática popular de um povo da sua história oficial.

A Casa do Cantador foi inaugurada em 1986, a partir da reivindicação de representantes da cultura nordestina em Ceilândia, e recentemente passou por reforma que custou mais de R$ 282 mil | Foto: Arquivo Agência Brasília

Foi declarado patrimônio imaterial em 11 de novembro. Para celebrar o feito, a Casa do Cantador, em Ceilândia, promove um show neste sábado (27), às 20h. O evento é também uma comemoração aos 35 anos do espaço cultural, completados no último dia 9 de novembro.

Sobem ao palco, além de Fenelon, Geraldo Amâncio (CE) e dois artistas nordestinos radicados em São Paulo – Pardal da Saudade e Azulão da Mata. A entrada é franca para 250 pessoas, por ordem de chegada e com exigência do cartão de vacinação completo, com transmissão também pelo canal da Casa do Cantador no YouTube.

“A Casa do Cantador é uma joia que une mundos. Os cantos do Nordeste com os desse sertão profundo, cravado no meio do Brasil”Bartolomeu Rodrigues, secretário de Cultura e Economia Criativa

Equipamento da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), a Casa do Cantador volta a funcionar depois de uma reforma executada em 45 dias, com investimento de mais de R$ 282 mil. Toda a fachada foi restaurada, com impermeabilização contra chuvas e pintura.

“A Casa do Cantador é uma joia que une mundos. Os cantos do Nordeste com os desse sertão profundo, cravado no meio do Brasil”, aponta o secretário de Cultura e Economia Criativa, Bartolomeu Rodrigues.

Inaugurada em 9 de novembro de 1986, a partir da reivindicação de representantes da cultura nordestina em Ceilândia, a Casa do Cantador exibe na entrada a estátua Cantador Anônimo, do escultor cearense Alberto Porfírio. O espaço conta com a “cordelteca” João Melchiades Ferreira, dotada de acervo de 1.200 cordéis e livros, e disponibiliza para a comunidade salas multiuso e anfiteatro.

Frequentador típico da Casa do Cantador e “apoiador” do repente (contribui para pagar os artistas), Rafael Pereira do Amaral é do Piauí. Pôs os pés em Brasília quando a poeira mal tinha baixado, em 1963, com 23 anos. “Cheguei sozinho e estou aqui até agora. Tenho uma família com oito filhos. Graças a Deus, todos casados”, apresenta-se.

“Estamos fazendo a cantoria voltar para o lugar de onde ela veio. Se já teve muito mais aceitação no passado, andava um pouco esquecida”Geraldo Amâncio, cordelista

É sobrinho de Firmino Teixeira do Amaral (1896-1926), autor da estória de cordel Peleja de Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum (1916), um dos principais autores da outrora famosa Editora Guajarina, líder em sua época na região Norte. Rafael é uma pessoa que exemplifica o repente como prática que remonta ao passado distante e renova forças para seguir adiante com o registro pelo Iphan.

Repente é patrimônio

A inserção do repente pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Livro de Registro das Formas de Expressão de Bens Imateriais eleva essa arte ao nível de outras expressões populares – como cordel, capoeira e maracatu, por exemplo – que se tornam elegíveis para políticas públicas afirmativas.

“Estamos fazendo a cantoria voltar para o lugar de onde ela veio. Se já teve muito mais aceitação no passado, andava um pouco esquecida”, pontua Geraldo Amâncio, com 12 livros publicados e dezenas de cordéis e CDs.

João Santana, presidente da Acrespo: “Somos um povo que tem uma diversidade muito rica de manifestações artísticas populares, e o repente é uma delas”

“A recuperação do repente é visível. Existem jovens e mulheres cantando, uma coisa linda. Tenho como parceiro o poeta Guilherme Nobre, um jovem de 20 anos, uma das maiores revelações da cantoria”, testemunha Geraldo, para ilustrar os avanços de idade e de gênero numa forma de expressão que ainda tem maioria de homens.

Presidente da Associação dos Cantadores Repentistas e Escritores Populares do DF e Entorno (Acrespo), João Santana afirma que o registro “fortalece a nossa identidade cultural. Somos um povo que tem uma diversidade muito rica de manifestações artísticas populares, e o repente é uma delas”.

Sobre as oportunidades de trabalho acenadas pelo impulso de políticas públicas, ele espera que “os mecanismos de fomento cultural olhem com mais atenção para a gente”. João, repentista e músico há mais de 20 anos, entende que o repente historicamente tem sido ofuscado por manifestações culturais de maior apelo mercadológico, o que lhe reduz a visibilidade midiática.

“A gente precisa de um sindicato forte para que, no futuro, o repentista possa se aposentar na sua arte. Não sei se vou me beneficiar disso, mas se meus futuros colegas conseguirem, a luta terá valido”Zé do Cerrado, gerente da Casa do Cantador

Chico de Assis (Francisco de Assis Silva), ex-presidente da Acrespo e parceiro de João Santana, acredita que as políticas públicas vão ajudar na qualificação dos artistas do repente. “As oportunidades surgem mais para aqueles que se qualificam, que buscam cantoria com qualidade, que estudam”, acredita.

O gerente da Casa do Cantador, o artista Zé do Cerrado, comemora a notícia do registro com uma rima: “O repentista é o único artista no mundo que faz uma música num segundo”. “Muito bem-vinda essa novidade para o repente. [O registro] do forró também tá chegando. A gente precisa de um sindicato forte para que, no futuro, o repentista possa se aposentar na sua arte. Não sei se vou me beneficiar disso, mas se meus futuros colegas conseguirem, a luta terá valido”, afirma.

Pesquisa

Foi o professor do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) João Miguel Manzolillo Sautchuk que coordenou a construção do dossiê para obter no Iphan o reconhecimento documentado da arte.

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“Em 2009, cantadores reunidos aqui em Brasília, do Nordeste, de São Paulo, de vários lugares, começaram a conversar sobre isso. Houve um encontro com o pessoal do Iphan. O pedido foi feito, em 2013, pela Acrespo”, relata.

Ele explica que, na fundamentação do documento, foi importante mostrar a abrangência da arte, a antiguidade histórica, seus significados, os locais onde existe, suas principais práticas, a perspectiva de trabalho para quem vive dela.

Em 2020, houve a entrega do dossiê, incluindo sugestões de políticas de salvaguarda. O dossiê, além de textos e fotos, inclui o curta Canta, Poeta (nove minutos) e o longa De Repente, Cantoria (70 minutos).

Serviço
Aniversário de 35 anos da Casa do Cantador
Sábado, 27 de novembro, a partir das 20h
Entrada por ordem de chegada, limitada a 250 lugares
Endereço: QNN 32, área especial, Ceilândia Sul
Contatos: (61) 98473-7709 (Whatsapp) e (61) 3378-5067
E-mail: [email protected]