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“Faz escuro mas eu canto”

20 de setembro, 2021

Já estou até vendo a coluna de segunda: “Faz dois anos que eu não vou a uma Bienal”. E virou a cabeça pra trás na […]

“Faz escuro mas eu canto”

Já estou até vendo a coluna de segunda: “Faz dois anos que eu não vou a uma Bienal”. E virou a cabeça pra trás na risada mais deliciosa do mundo. Uma risada daquelas em que, ao final,  um porquinho se faz ouvir e convida quem está por perto a rir também. Lola, minha filha mais velha, é a primeira leitora de todos os meus textos, e por isso, a intimidade com eles.

Há alguns anos escrevi sobre seu momentâneo desinteresse e ela ficou magoadíssima. Ofendeu-se com a minha queixa pública. De lá pra cá, passamos por um período de castigo (dela pra mim – não comentava, sequer lia nada do que saia desse teclado) a um retorno discreto tanto para os textos publicados aqui, quanto para as ficções. Um retorno com direito à leitura crítica de qualidade surpreendente.

O movimento dela é uma boa ilustração do ir e vir proposto pela adolescência. Dos abraços e beijinhos até os onze mais ou menos, passando pelas portas fechadas e os não me toques a partir dos doze, até as arrumadinhas que tem dado agora nos meus cabelos. Está voltando, ufa.

Mas e o meu movimento, o que será que ilustra? Eu que sei o que se dá nesse período, falo e escrevo sobre ele, parágrafos de bem-resolvimento ao redor do tema no texto-queixa sobre o qual me referi. Eu que fiz (e faço) as leituras de Freud e Beauvoir, “logo eu!”. Essa está fácil de responder. Meu movimento ilustra o abismo entre o saber e o sentir. Sei que para crescer, tornar-se inteiro, há de antes negar a parte, negar os seus. Mas não sinto, não quero que ela não me queira, não me escute, não siga a minha cartilha. Oh céus, oh vida, oh azar. 

E escrevo aqui, cheia de mim, caso encaminhado, sobre a Lola, 15 anos, que inicia, pouco a pouco, seu movimento de retorno. Mas Sofi, minha mais nova, tem 12; portas fechadas e não me toques, lembram? Ela e eu somos grudadas (abraços, carinhos e colinho) – sim, queridos: saber é diferente de sentir, no que depender dela, éramos – mas, de uns meses pra cá foi dada a largada para o “respeite o meu espaço”.  Respeito. E respeito com força. Porque embora sinta saudades do grudinho, também vejo grande beleza no apartar-se. Vejo mais beleza ainda na Sofi que está se desenhando diante dos meus olhinhos reclamões. 

Ontem, ambas me acompanharam à Bienal. Há três anos eu não ia ao pavilhão do Ibirapuera (toma essa, Lola). No portão de entrada, precisamos apresentar carteira de vacinação e RG. Me comoveu entregar para a segurança os documentos. Nas fotos, elas ainda tão novinhas, rindo com seus cabelos compridos, me deram a certeza de que daqui há dois anos estaremos de volta. Talvez não juntas fisicamente, decerto irão com os amigos. Mas irão, não tenho dúvidas. E se forem, e se as lembranças de ontem, de 2018, 2016, 14, 12, 10 e 8 estiverem com elas, eu também estarei. Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que… [email protected] https://www.facebook.com/roberta.dalbuquerque https://www.instagram.com/robertadalbuquerque/