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30 de março, 2021

Bolsonaro bom é Bolsonaro acuado Concerto sem conserto Foi de ceticismo, quando não de aberto descrédito a reação da imprensa aos movimentos do governo para […]

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Bolsonaro bom é Bolsonaro acuado

Concerto sem conserto

Foi de ceticismo, quando não de aberto descrédito a reação da imprensa aos movimentos do governo para consertar – conforme promete – sua errática e errada administração da pandemia, mediante concertação a que chama ‘união nacional’: os três poderes contra o vírus, inimigo comum.

O Judiciário pulou fora; o presidente do Stf só esteve na primeira reunião pra dizer que seria também a última. Ao Legislativo foi impossível recusar, mas os presidentes das duas casas entraram, cada qual, com um pé atrás.

Não era pra menos, dadas as motivações óbvias de Bolsonaro e seu jeito pouco confiável já no anúncio do concerto.

 

Desta vez não dá

Dessa vez ele não pôde culpar o jornalismo ‘de esquerda’, se as pesquisas de opinião divulgadas ao longo das duas últimas semanas revelaram queda acentuada dos índices de aprovação do governo. O que fez foi recuar, como sempre faz quando se sente ameaçado; e nem foi original, este é seu enésimo ensaio de projeto comum para enfrentar emergências.

Mas enquanto o presidente colhia o milho os pretendidos parceiros já saiam do moinho com o fubá, se os leitores aceitam degustar o saboroso provérbio lá das minhas Minas.

 

Pecado mortal

Consta que o presidente do Senado, o articulado Rodrigo Pacheco, já duvidava das iniciativas do Planalto quando os parlamentares, principalmente os senadores sofreram o impacto da perda para o sarscov-2, que o presidente menospreza, do senador Major Olímpio, colega respeitado e querido.

Enquanto isso o ex-capitão atrapalhava-se (de novo!) na substituição de seu desastrado ministro-escudo da Saúde, objeto de quase unânime repúdio e cometia mais um pecado, esse mortal ao deixar que ‘fritassem’, os bolsominions açulados pelos filhos, a candidata apoiada publicamente pelo presidente da Câmara; e Artur Lira, hoje o principal líder do ‘centrão’, não costuma perdoar.

 

Escorpião de fábula

Faltava quase nada para colocar em seu devido lugar – a irrelevância – o tal concerto perseguido pelo presidente quando ele próprio atirou-lhe pá de cal. Bolsonaro é como o escorpião da fábula, o que mata o sapo que tentava salvar ambos na travessia da torrente enquanto declara o inevitável: “Não é lógico, mas é minha natureza.”

Não é de sua natureza engendrar acordos, quando acede que alguém construa-os por ele não os confirma, se eventualmente os firma é pra descumprir no primeiro ensejo. E foi justo o que fez, o previsível presidente: já no anúncio do concerto derrubou-o ao desdenhar da prevenção e reafirmar aposta em cloroquinas e quejandos – que aliás já estão matando os ‘pacientes’ do improvisado ‘doutor’.

 

Ganhando tempo

Ao mal camuflar as razões do recuo e reencetar a sabotagem à prevenção da covid-19 o presidente deixa claro que só pretende ganhar tempo, enquanto torce por que a reedição do auxílio emergencial (mesmo reduzido) aos mais pobres e a esperada aceleração da imunização detenham-lhe a derrocada, sem que precise abdicar dos acenos a suas bases.

Pareceria fazer sentido, conforme sua tosca avaliação da conjuntura, não fossem os sinais cada vez mais evidentes de que a estratégia vai mal das pernas.

Antes de conjeturar dessas fragilidades, abro espaço a intervenções de um assíduo frequentador desta coluna; têm tudo a ver com o tema.

 

Pra não esquecer

Registro, agradecido, três mensagens sucessivas de Célio Alves Costa, todas a comentar críticas ao presidente, sua família e ao governo que chefia.

A primeira, curta e direta, é de 24 de fevereiro e reafirma as motivações de muita gente votou no inexpressivo parlamentar de sete mandatos escondidos no baixo clero da Câmara – e quando apareceu foi pra defender ditadura, elogiar torturador e ameaçar deputada com estupro. Nestes tempos polarizados, a repulsa de Célio aos adversários de Bolsonaro significou decidido apoio ao ex-capitão:

– Só pra não esquecer, #PTnuncamais.

 

Deslumbrado, nouveau riche

A manifestação seguinte, de 06.03, refere-se ao atípico negócio imobiliário do senador Flávio Bolsonaro em Brasília:

– O filho pode comprar e ter a mansão que quiser. Se alguém pode arguir é o fisco e órgãos parafiscais como Coaf Célio afirma, ainda em favor da família presidencial. Entretanto dessa vez a defesa soa algo relutante:

– É uma total falta de senso de oportunidade, de senso comum, nesta hora de penúria da maioria do povo.

Num crescendo, Célio chega a adjetivar acremente o 01 de Bolsonaro, chama-o “deslumbrado, […] nouveau riche [que] sequer se dá conta do constrangimento que causa ao pai. E não quer “adentrar outras ilações, cabíveis ou não”.

 

Transição difícil, …

Na terceira mensagem (em 15 de março) o leitor dá claras mostras de desilusão – mas o processo não é fácil. Primeiro afasta qualquer arrependimento (“A eleição de Bolsonaro evitou a volta do Pt ao poder, em boa hora”) e não abandona o contraponto ao ensaiar crítica ainda suave ao atual desastre:

– Por mais que o governo venha tendo dificuldade de encontrar um rumo desde a eclosão da pandemia, é preciso nunca esquecer… – e haja pau em Lula, Dilma, Haddad. Já a conclusão de Célio é mais reveladora:

– Até 31 de dezembro de 2022 o Brasil vai seguir presidido por Bolsonaro. A partir daí o melhor é ficar livre dele, – mesmo que acrescente a inevitável ressalva – sem jamais cogitar da volta da quadrilha… etc.

 

… porém rápida

Ressalte ou não o objetivo maior – derrotar o Pt – que o levou a defender Bolsonaro e talvez à insanidade de votar nele, na sequência de mensagens o fiel leitor relata a passagem gradual do apoio enfático (mesmo condicionado) para o desejo de “ficar livre dele”.

Gradual mas drástica, a mudança, sendo de notar-se que aconteceu enquanto se agravavam as consequências da omissão do presidente ante o avanço da covid-19 e sua sabotagem às melhores tentativas de detê-lo. Mais: mesmo traumática, a transição consumou-se em menos de três semanas.

 

Paradigma

Imagino se poderia tomar por paradigma a transição vivida por meu pertinaz leitor-colaborador: quem sabe? represente e elucide percursos semelhantes de muitos, provável maioria entre os que votaram em Bolsonaro em 2018 porque lhes parecia a única maneira de derrotar o Pt.

Ressalve-se: Célio Alves Costa tem nada a ver com os incautos induzidos a demonizar Lula e sua turma, massa de manobra da direita que fingiu acreditar que o populismo petista teve (tem) algo a ver com socialismo, malgrado sua retórica esquerdizante.

 

Faz parte

A julgar pelo que me escreve Célio é arguto demais para cair em tal esparrela. Não obstante, formou entre os que se equivocaram ao ver no populismo canhestro do ex-capitão uma alternativa viável (e confiável) para resgatar a direita brasileira da semiclandestinidade a que se relegara desde o fim da ditatura civil-militar e subsequente afirmação do estado democrático de direito na Constituição de 1988.

E sempre convém destacar: tanto quanto seus antípodas no espectro ideológico, o pensamento conservador (radical ou não) é parte essencial do concerto democrático.

 

Opróbio

(O que não absolve a direita brasileira, em suas várias nuances, do opróbio de haver sustentado por 21 anos a ditadura que cerceou a liberdade de pensar e dizer o que se pensa, sufocou a cultura e as artes, manietou o exercício da política e excluiu divergências a ferro e fogo, legando às gerações seguintes um contencioso de prisões arbitrárias, maus tratos, torturas e assassinatos de oponentes nos porões da repressão, tudo ainda longe de saudavelmente purgar-se.)

 

Sintomas

Retomo o raciocínio, se os leitores perdoam-me o desabafo. Julgo perceber em segmentos do pensamento conservador um ritual de passagem similar à penosa transição de meu emblemático leitor.

As pesquisas de opinião recentemente divulgadas confirmam tendência de queda na popularidade, credibilidade e confiabilidade do governo, sobretudo quanto à administração da pandemia. E um exame mais acurado do comportamento dos líderes da direita – sobretudo dos que estão no proscênio – expõe possíveis (prováveis!) sintomas de solapamento das bases menos convictas (e radicais) do ex-capitão.

 

Espaços perdidos

Assim o relato da paradigmática trajetória de Célio conflui com o sentimento, cada vez mais presente na opinião pública de que o populismo de Bolsonaro, mal ajambrado em sua retórica de extrema direita, perde espaço em segmentos sociais que foram decisivos para sua ascensão, os que terminantemente recusavam (recusam) o Pt, Lula e por derivação a esquerda equivocadamente associada ao petismo e a seu chefe.

 

Contorno e ultimato

Os fatos, fenômenos e circunstâncias ora examinadas apontam progressiva fragilização dos suportes de Bolsonaro.

Resultado não previsto da mais recente iniciativa de concertação, os atores que convocou agem como se pretendessem contorná-lo, no processo mantê-lo sob pressão de modo a frear seus desatinos e assim ganhar espaço em que propor enredos alternativos de enfrentamento da pandemia.

Em tal contexto estaria a interlocução do presidente do Senado com os governadores e prefeitos – embora, por temperamento e-ou cálculo, Rodrigo Pacheco procure atenuar os conflitos. Menos sutil é seu homólogo da Câmara, que endereçou ao presidente um ultimato a que não faltou clara ameaça de impeachment.

 

Bolas da vez

Segue o jogo com a pressão que, tudo indica, resultará na defenestração do inacreditável titular do Itamaraty, a repetir a de Pasuelo e antes Weintraub, aquele idiota a quem esteve entregue o Ministério da Educação.

Removido Ernesto Araújo (seria substituído por Collor; sintomático, não?), que se preparem os demais ministros ‘ideológicos’: o próximo haverá de ser o que ‘passa a boiada’ sobre os ecossistemas que deveria proteger. Depois a ‘bola da vez’ haverá de ser o pastor reacionário que ora nos atrasa a educação, sem esquecer a inefável Damares (ah!, a Damares…).

 

Tragédia e farsa

A confirmar-se a tendência haverão de repetir-se – como farsa, ensinou Marx – episódios recentes da história do Brasil.

Em seu tragicômico interregno Fernando Collor de Melo teve que livrar-se dos auxiliares preferidos, até tentou um ‘ministério de notáveis’ mas foi derrubado assim mesmo.

No tristíssimo período em que o governo Lula foi flagrado a ‘alugar’ apoios no Congresso, o escândalo recomendava impedir o presidente mas os adversários preferiram ‘deixá-lo sangrar’ para derrotá-lo nas eleições seguintes. Erraram. Lula entregou Zé Dirceu e outros amigos, deu a volta por cima e reelegeu-se, depois ainda faria a sucessora.

 

Escorregões, pecados

Escolados, os oponentes da ‘presidenta’ (que bobagem!…) preferiram não esperar e aproveitaram escorregões veniais para punir-lhe os reais pecados: inapetência política, incompetência na administração e sobretudo incapacidade (ou omissão, dá no mesmo) de deter o assalto à Petrobrás e outros domínios do estado revelado pela Lava a Jato.

Diga-se a favor de Dilma Rousseff que não inventou os esquemas corruptos nem pareceu beneficiar-se pessoalmente deles; só os herdou e não soube (ou pôde) combatê-los.

 

Remédio fatal

Então a gente vai ter que esperar as eleições para varrer Bolsonaro e sua turma? – haveria de afligir-se um leitor mais ansioso. Infelizmente tudo indica que sim, quanto ao presidente, mas de parte da turma será possível livrarmo-nos, como aliás vem acontecendo. Assim vai-se mantendo acuada a fera, contendo-lhe ao menos os instintos mais perigosos.

Entretanto, é sempre possível que de repente ele não resista à própria natureza e cometa desatino mais grave, intragável até ao paladar pouco exigente do centrão. Aí poderá concretizar-lhe a ameaça do presidente da Câmara e o Parlamento haverá de ministrar-lhe os corretivos de sua farmacologia, inclusive o tal “remédio fatal”.

 

Temos vacina!

Ah!, sim, as vacinas brasileiras.

A gente sofre há meses a insuficiência e irregularidade no abastecimento, sobretudo por não tê-las nossas, produzidas internamente e portanto fornecidas contínua e confiavelmente; eu mesmo reclamei aqui de que faz tempo sucessivos governos sonegaram recursos a nossos competentes institutos de pesquisa e produção de imunizantes, universidades e outros entes capazes de garantir-nos autossuficiência no setor.

Eis que, inopinadamente, ficamos sabendo que há duas vacinas prestes a finalizar os testes, podendo iniciar a produção em poucos meses, além de outras quinze (!) em diferentes estágios de evolução.

 

Disputa mesquinha

Tudo se fez em segredo, longe dos olhos da opinião pública e a salvo da bisbilhotice dos jornalistas, na verdade para que os dois projetos que mais rapidamente avançaram – um estadual, em São Paulo e outro federal – resguardassem-se um do outro.

Quer dizer: algo vital como a criação e produção autóctone de proteção contra o sarscov-2 submeteu-se à lógica de interesses eleitorais, em detrimento da evolução das pesquisas: não seria de esperar-se que a cooperação, em vez de disputa mesquinha beneficiasse ambos os projetos e antecipasse-lhes o êxito?

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)

Marco Antônio Pontes

([email protected] ou [email protected])