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29 de junho, 2021

Paradigma Watergate – as precondições estão aí   Pecado maior Richard Nixon foi acuado até a renúncia não por que seus beleguins invadissem a sede do […]

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Paradigma Watergate – as precondições estão aí

 

Pecado maior

Richard Nixon foi acuado até a renúncia não por que seus beleguins invadissem a sede do partido adversário em Washington, no desde então célebre edifício Watergate em busca de pecados que não vieram à luz, se é que existiram.

Tampouco foram as suspeitas de trampolinagens ao longo de toda a carreira que alimentaram o processo de impeachment que estava prestes a completar-se quando se interrompeu pela renúncia do presidente.

Richard Nixon foi defenestrado do lugar mais poderoso do mundo porque mentiu para acobertar crimes – seus ou dos asseclas.

Corrupção à vista

A Comissão Parlamentar de Inquérito que examina o comportamento do governo federal ante a pandemia encontrou indícios fortíssimos de corrupção no processo de aquisição de vacinas de uma farmacêutica indiana, com intermediação de empresa brasileira sobre a qual pesam suspeitas e interveniência de outro ente, surgido assim feito Pilatos no Credo, que indica como sede um endereço em Singapura que abriga centenas de outras empresas supostamente ‘de fachada’.

Bolsonaro sabia

Ouvido na Cpi juntamente com o irmão, o deputado federal Luís Cláudio Miranda, o funcionário graduado (de carreira) do Ministério da Saúde Luís Fernando Miranda declarou – sob juramento de dizer a verdade, toda a verdade etc. – que esteve com o presidente da República no Alvorada em companhia do irmão parlamentar, entregou-lhe documentos indiciadores de fraudes e relatou sofrer pressões de seus superiores para aprovar ações ilegais na importação da vacina indiana.

Queriam, os dirigentes que denunciou, forçar o pagamento antecipado de imunizante cuja entrega sequer tinha data marcada, e pagar a empresa estranha ao contrato firmado.

Ex-aliado, e temeroso

As tentativas de forçar irregularidades, as pressões sobre o funcionário e o encontro no Palácio da Alvorada ocorreram em torno do dia 20 de março.

Ainda conforme o depoimento à Cpi, o presidente dissera aos interlocutores que mandaria a Polícia Federal investigar o imbróglio e acrescentara que “…isso é coisa do Ricardo Barros” – ex-ministro da Saúde de Temer e hoje, ainda deputado, líder do governo na Câmara.

(Só a custo, sob cerrada insistência dos membros da Comissão, Luís Miranda revelou o nome; parecia temer represálias; ele é, ou era aliado dedicado de Bolsonaro, por isso teve acesso à residência presidencial numa tarde de sábado.)

Sabotagem

O senador Randolfe Rodrigues, que propôs a instalação da Cpi e é seu vice-presidente, arrolou após a conturbada sessão de sexta-feira as conclusões a que já chegaram seus integrantes, aliás fatos também estabelecidos pelas investigações da imprensa e corroborados por médicos e pesquisadores:

(1) o governo sabotou as medidas preventivas que poderiam reduzir a disseminação do vírus;

(2) apostou numa tal ‘imunidade de rebanho’, que se obteria mediante infecção de grandes massas, a custo de milhões de vidas – e estava, está errado; imunidade coletiva só se consegue com vacinação;

(3) duvidou da eficácia das vacinas, estabelecida pela ciência e recusou-se adquiri-las, negação ainda presente em manifestações recentes de Bolsonaro a considerá-las “experimentais” e pouco confiáveis.

Escândalo maior

A partir dessas constatações o presidente Omar Aziz, o relator Renan Calheiros, o próprio Rodrigues e outros integrantes da Cpi revelaram que ao tentar aprofundá-las depararam-se com outro escândalo, agora de corrupção e não deixaram por menos: seria “o maior de nosso tempo”, entre mais razões pelo volume das transações – o total comprometido (‘empenhado’) supera US$ 300 milhões, dos quais US$ 45 milhões por pouco não se pagaram a empresa inabilitada e sem mínima garantia de contraparte, em troca de produto cuja eficácia é duvidosa e a preço sobrevalorizado.

E o correspondente ‘empenho’ – reserva de recursos para futuro pagamento – continua lá, bloqueado e inútil, no orçamento do Ministério da Saúde.

Passe de mágica

Descontado eventual exagero – petrolão, mensalão e antes os ‘anões’ do orçamento, as maracutaias da dupla Collor & Pc estiveram e estão aí, a competir –, de fato é escândalo pra populista nenhum botar defeito.

Há no caso uma, digamos, curiosa contradição: Bolsonaro e sua turma não queriam saber de vacinas, desdenharam ofertas diversas por longos meses mas de repente, num passe de mágica, seus prepostos no Ministério da Saúde quiseram porque quiseram apressar uma certa aquisição, e só ela. Isso apesar do preço 50% mais caro e das duvidosas credenciais do imunizante quanto à eficácia e, sobretudo, segurança.

Desculpas esfarrapadas

Recapitulemos: o presidente dissera ao funcionário e a seu irmão deputado, no encontro em sua residência, que mandaria a Polícia Federal investigar mas até hoje, passados três meses, a Pf não tem registro do feito.

Na semana que ora se encerra preferiu outra versão: disse ter repassado a denúncia ao então ministro Pazuello, que lhe assegurara nada haver de errado.

Muito menos se sustenta a nova e esfarrapada desculpa: os Miranda estiveram no Alvorada no sábado, 20 de março e o infeliz general improvisado ministro da Saúde seria demitido na terça-feira seguinte; como? num fim de semana conseguiria, ademais ao finalizar-se a própria ‘fritura’, investigar a denúncia e garantir-lhe a improcedência?

Conforme o paradigma

E onde entra Richard Nixon nesta história? – perguntaria o leitor.

Sugeriria que Watergate e suas consequências estabeleceram um paradigma a parametrar o que ocorreu mundo afora desde então e acontece no Brasil 47 anos depois.

Assim como Nixon, Bolsonaro não responde a perguntas sobre acusações contra si e os filhos. Ignora, quando não agride quem aborda o tema, tanto as mais gerais como ligações com milícias, estímulo a atos antidemocráticos quanto as específicas: ‘rachadinhas’ do filho Flávio na Assembleia fluminense, suas nebulosas transações imobiliárias, o financiamento do ‘gabinete do ódio’ de 02 por empresários amigos…

…e afinal por quê? dinheiro do Queiroz foi parar na conta de Michele Bolsonaro?

Mentiras… e Wassef

Em estrita conformidade com o paradigma, Bolsonaro mente ao alegar ignorância dos malfeitos de sua gente e tenta encobrir ou proteger os amigos ‘enrolados’ como Queiroz, Pazuello…

E ainda na sexta-feira (25.06) o advogado da família, o tal Wassef que escondeu Queiroz, velho parceiro de Jair Messias, esteve a rondar a Cpi, a intimidar os senadores que investigam as suspeitas de corrupção.

Omissão e ação

É ainda mais evidente a proteção do presidente a seu líder na Câmara federal, o agora notório Ricardo Barros. Ao citá-lo possível autor das maracutaias com a vacina indiana e nada fazer nos três meses transcorridos desde a fatídica conversa no Alvorada, Bolsonaro peca não só por omissão: pouco depois nomeou a mulher do enrolado Barros para cobiçada posição no Conselho da Hidrelétrica de Itaipu e seguiu a prestigiá-lo na liderança do governo na Câmara.

Tristes cardeais

Ricardo Barros é um dos ‘cardeais’ do centrão – tristes tempos!, antes usávamos a analogia eclesiástica para nomear líderes como Ulysses Guimarães, Marco Maciel, Tancredo Neves, Petrônio Portela, Teotônio Vilela; agora contentamo-nos com personagens enlameados que, se merecessem a investidura, seriam quando muito párocos de aldeia.

Ainda assim Barros é poderoso no atual esquema de sustentação do presidente e sua queda, provável, provocará sismos com potencial de abalar o instável equilíbrio de forças no Congresso.

Líder em apuros

Parece difícil que o ainda líder sustente-se na posição ou outra função de destaque, quiçá no mandato, dados as complicações em que se enredou.

Por exemplo, foi dele um ‘jaboti’ inserido na lei que viabilizou ações emergenciais contra a covid-19, para oferecer condições especiais à aquisição de uma vacina específica, e só a ela; adivinharam?, leitores; sim, a tal Covaxim, indiana.

Também foi Ricardo Barros, quando ministro da Saúde de Temer, quem contratou em cargo de confiança a assessora que tentou autorizar o pagamento antecipado, irregular, negado pelo funcionário que levou a denúncia a Bolsonaro.

Fatura do ‘paraíso’

Há uma circunstância lateral neste contencioso, entretanto decisiva em contextos paralelos: a substituição da Barat Biotech, produtora indiana da vacina, por empresa que não aparece no contrato, sediada em ‘paraíso fiscal’ e emissora da fatura apresentada ao Ministério da Saúde.

O vício formal foi um dos motivos da recusa de pagamento seguida de pressões em favor da empresa, conforme as denúncias de Luís Fernando Miranda e seu irmão deputado.

Artifício fiscal

Soube-se depois que se trata de subsidiária da Barat cuja localização, fictícia, em Singapura é artifício habitual de um certo ‘planejamento fiscal’, eufemismo para camuflar sonegação de tributos – e, de quebra, dificultar eventuais investigações quanto à lisura dos negócios.

É prática habitual de transnacionais, de outros conglomerados e não é ilegal, como suspeitaram integrantes da Cpi. Resvala entretanto na imoralidade e também por isso está na mira da União Europeia e do G-7; discuti o assunto na semana passada, a partir de excelente artigo de Everardo Maciel.

Gostava mais

– Quero que conheça minha opinião, que é contra a sua – escreve-me, muito brava, Laura Carvalho Lima. Ela diz que me lê “no Jornal da Comunidade e na internet tem muito tempo, e antes gostei muito mais do que hoje”. Explica por quê:

– Antes eu apoiava porque denunciava os crimes do PT, não sei porque parou de denunciar. E o senhor não quer entender o grande trabalho do nosso Presidente para tirar essa corja de corruptos e subversivos do Brasil.

Fora da bolha

Sim, Laura, quero conhecer sua opinião, ainda mais se é contra a minha. Não pretendo proteger-me numa ‘bolha’ em que só penetrem pensamentos coincidentes com os meus: é justo isso que condeno nos ‘bolsomínions’. Sei que não é esse o seu caso, acredito no que me diz:

– Não vou parar de ler seus artigos porque o senhor é educado e responde com educação as pessoas que não concordam.

Mesmo que acentue o louvor a personagem que abomino, cara leitora, creio firmemente no seu direito de dizer o que pensa – ainda que me pareça equivocada sua avaliação, inclusive a que transcrevo a seguir sobre a imprensa.

Coisas no lugar

– Eu queria que o senhor compreendesse que é difícil […], o Presidente Bolsonaro está quase sozinho para salvar o Brasil desta imprensa comunista que só quer é atrapalhar e o senhor parece compactuar […].

Laura radicaliza e oferece-me oportunidade de colocar as coisas em seu lugar, conforme as vejo. Costumo criticar (não raro acremente) a imprensa, afinal minha coluna tem tal escopo. Observo, entretanto, que imprensa e jornalistas temos sido alvo do poder, indiferentemente de como o poder posicione-se ideologicamente: o Pt criou até uma sigla para atacar-nos (pig, ‘partido da imprensa golpista’) e Bolsonaro, em sua proverbial ‘elegância’(!), não perde oportunidade de acusar, ofender e agredir jornalistas (verbalmente, por enquanto…).

Missão cumprida

Se nos acham parciais ambos os extremos, devo concluir que não nos estamos saindo tão mal e no fim das contas, com acertos e erros, os jornalistas cumprimos nosso papel.

Que é, ensinou Millôr Fernandes, o de desconfiar de governos, quaisquer governos: “O resto é armazém de secos e molhados.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])