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Comunicação & Problemas

9 de agosto, 2021

A semana que não queria terminar sem impeachment   Tudo ou nada É uma aposta em tudo ou nada, o jogo de Bolsonaro ao comprar […]

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A semana que não queria terminar sem impeachment

 

Tudo ou nada

É uma aposta em tudo ou nada, o jogo de Bolsonaro ao comprar briga com o Tribunal Superior Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal e portanto todo o Judiciário – e eleger ‘inimigo n° 1’ o ministro Luís Roberto Barroso.

Ao manter a retórica agressiva, agrada e açula os bolsominions raiz; quando acusa diretamente o ministro Barroso de mancomunar-se com Lula (“um rouba votos dos eleitores, o outro dinheiro do contribuinte”, foi mais ou menos o que disse), ele quer colocar o presidente do Tse na defensiva.

Estratégia arriscada

É meio torto, como sempre, o raciocínio do presidente – se é possível atribuir-lhe o uso da razão. Mas pode funcionar, ele acredita: intimidado, o ministro Luís Roberto haveria de constranger-se de pesar a mão ao avaliar-lhe o comportamento; tudo o que fizesse, imagina Bolsonaro, seria debitado a vingança contra ‘adversário’ que o ofendeu.

Dando de barato que se trata de estratégia, e não compulsão de quem só sabe agredir, ela embute um risco formidável: e se? o presidente do Tse, em vez de intimidar-se, dobrar a aposta?

Elegante, mas incisivo

Pois foi exatamente o que aconteceu quando Luís Roberto Barroso reagiu incisivamente na sessão de reabertura dos trabalhos do Tribunal após o recesso. Mesmo resguardando-se a elegância ao não citar o presidente, condenou-lhe as manifestações antidemocráticas e deixou claro que ameaçar as eleições atenta contra as instituições – o que é crime.

A Justiça Eleitoral obteria ainda poderosa sustentação quando todos os ex-presidentes do Tse, inclusive nove atuais ministros do Stf, respaldaram-lhe a autoridade e atestaram a excelência da votação eletrônica.

Na política e no esporte

Na mesma linha pronunciou-se na segunda-feira o presidente do Supremo Tribunal Federal, que lembrou a quem interessar que a autonomia dos poderes da República não é salvo-conduto para desferir impropérios contra as instituições nem assegura impunidade a seus titulares.

E o ministro Tófoli deu-se ao luxo de comparar as lides políticas com as disputas nas Olimpíadas: ambas devem seguir as normas estabelecidas, no esporte submeter-se aos árbitros e aos magistrados no estado de direito.

Advertência revelada

Já na quinta-feira, como Bolsonaro insistisse no discurso golpista e agressões aos membros do Judiciário, Luís Fux mandou a elegância às favas e elevou o tom: acusou-o frontalmente de agir contra a democracia, alertou que ataques a quaisquer ministros do Supremo afrontam toda a Corte e excluiu o chefe do Executivo das tratativas entre os titulares dos poderes da República.

E acrescentou inconfidência à dureza ao revelar que já advertira o presidente quanto a seu comportamento inaceitável.

Presidente investigado

Tanto pior para Bolsonaro que desta vez as reações a suas diatribes não se limitem a contestações verbais, notas veementes mas com escassa possiblidade de obter resultados concretos.

À candente manifestação de seu presidente o Tse acrescentou concretude no pedido de investigação dos crimes de Bolsonaro contra as instituições eleitorais – pois ele não antecipa descaradamente a campanha por reeleição? e não prega supressão do pleito de 2022 a menos que a nação curve-se à sua exigência estapafúrdia de impressão do voto?

Ademais, o Tribunal Eleitoral solicitou ao Stf inclusão de Bolsonaro nas investigações sobre notícias falsas e ataques às instituições, no que foi atendido pelo ministro-relator.

Estratégia medíocre

Com tantas investigações a por-lhe em risco o cargo e a liberdade – acresce às mais recentes a de interferência ilegal nas ações da Polícia Federal, conforme denúncia do ex-ministro Sérgio Moro –, o presidente é alvo do Judiciário em circunstância aparentemente não prevista por seus estrategistas jurídicos e políticos, se é que os tem e difiram de sua mediocridade.

É que os novos inquéritos prescindem de iniciativa do procurador geral da República, um dócil aliado, na medida em que a Justiça Eleitoral é autônoma para caracterizar e julgar crimes contra as eleições.

Espada de Dâmocles

Esse erro estratégico pode ser fatal para as pretensões reeleitorais do presidente.

Ao contornar a Pgr e distender os fios em que se pendura a espada de Dâmocles sobre sua cabeça, uma possível condenação na Justiça Eleitoral tornaria Bolsonaro inelegível. Sem falar que um novo processo fragiliza ainda mais sua posição nas acusações de que é alvo, de maracutaias na campanha de 2018 com empresários aliados que teriam custeado ilegalmente a disseminação de falsidades contra seus adversários: a condenação anularia a vitória da chapa Bolsonaro–Mourão.

Solução final

Processo eleitoral para tornar presidente inelegível é bomba atômica, e reza a tradição inaugurada nos tempos da guerra fria que seus detentores adoram tê-la como ameaça de extermínio mas fazem tudo para não usá-la.

Talvez os cautelosos ministros escolham dosar a reação, conforme o grau de periculosidade dos impropérios desfechados por Bolsonaro e mantê-lo sob pressão, enquanto não mostre condições de concretizar as bravatas contra o estado de direito.

Mas não custa lembrar o precedente histórico: não uma, porém duas bombas nucleares destruíram Hiroshima e Nagasaki, sob pretexto de pôr fim à guerra e afinal, certo ou errado, a guerra acabou.

A analogia serve ao atual impasse: convirá, e quando?, a solução radical?

Barbas de molho

Outro efeito avassalador dessas marchas e contramarchas seria o comprometimento da aliança com o centrão, cujos líderes podem ter todos os defeitos do mundo mas não são bobos e já colocam barbas de molho ao constatar o contínuo desgaste de Bolsonaro.

Quando perceberem que a blindagem armada pelo presidente da Câmara, que ignora 123 pedidos de impeachment, pode ser ultrapassada pelos processos no Tse, e-ou (o que acontecer primeiro) que o suporte ao presidente impopular compromete-lhes a reeleição, terão escrúpulo nenhum em abandoná-lo.

Oportunismo

Por enquanto a decepção dos apoiadores do governo no Congresso é expectante, não induz ações radicais.

Bem a seu jeito, o centrão manobra para implementar mudanças que deixem tudo como está e aproveita o ensejo para engordar as verbas de campanha, garantir (re)eleições confortáveis de seus chefes nos parlamentos nacional e regionais e de quebra, pra não perder o costume, acrescentar algum ao próprio bolso da turma.

São dessa ordem os movimentos oportunistas para aprovar de afogadilho modificações que significariam, na prática, a edição um novo código eleitoral, a reverter avanços duramente conquistados e reeditar velhas práticas corruptas, à salvo do necessário controle da Justiça.

Sinfonia desandada

Bem sucedido ou não nessas manobras, o centrão parece ensaiar um canto de cisne em seu proveitoso (para ambos; desastre para a nação) concerto com Bolsonaro: reconhece-lhe o papel na direção da orquestra mas resguarda-se a partitura e incumbe ao spalla a condução dos músicos, para que a sinfonia soe conforme suas harmonizações. E quando o canhestro maestro atravessa o ritmo, desanda a afinação e produz cacofonias, prepara-se para destituí-lo e procurar em outros palcos, com novas formações, a peça que melhor agrade sua audiência.

Ampla aliança

Os apupos à liderança desastrada de Bolsonaro já ecoam nas ruas e repercutem nos acolchoados salões dos banqueiros e capi da indústria na Paulista e Faria Lima e nos postos de controle do agronegócio que substituem as casas-grandes na economia agropecuária, a retirar sustentação ao poder populista e reacionário.

Foi assim que o empresariado saiu de seu mutismo, associou-se a grandes nomes do pensamento econômico, da cultura e artes, das religiões e outros segmentos organizados para rechaçar ameaças, defender a democracia, as eleições e o formato eletrônico de votar, sob a égide da Justiça Eleitoral. O manifesto que compuseram já contava, ao encerrar-se a semana, com mais de 8 mil assinaturas.

Bom e mau sinal

É bom que o empresariado supere a longa letargia; vale como um mea culpa do apoio oportunista em 2018 e da irresponsabilidade em mantê-lo nesses dois anos e meio de governo incompetente e caótico, ademais sob óbvias demonstrações de que o ex-tenente mudaria nada em seu projeto reacionário e ditatorial.

Também é bom sinal a energia e coesão com que o Judiciário, especialmente Tse e Stf, enfrenta a escalada autoritária. Falta, porém, igual posicionamento do Congresso, ainda aparelhado pelo centrão cúmplice do presidente.

Semana inacabada

A semana que não queria terminar reservaria movimentos inusitados, noticiados nas últimas horas da sexta-feira, quando se soube que o presidente do Stf convocara a seu gabinete o procurador geral da República e o gesto, em si, valeu como admoestação, afora os vazamentos de cobranças ao procurador.

Quase simultaneamente um grupo de 29 subprocuradores (e contando; outros estão aderindo) – ou seja, quase todos os integrantes do topo da carreira no Ministério Público Federal – divulgaram incendiário manifesto a cobrar de Augusto Aras o cumprimento do dever: não é papel do pgr, reclamam, assistir inerme aos ataques do presidente às instituições.

Recados incômodos

Houve mais, a acentuar-lhe o isolamento. Três ex-presidentes da República (Sarney, Fernando Henrique e Temer) somaram-se às críticas e o Stf aproveitou um encontro de juristas para aprofundar os recados: aos ministros mais atacados por Bolsonaro, Barroso e Moraes, somou-se o decano Gilmar, que não raro se desentende com ambos – e a unidade de propósitos foi destacada no evento.

Até na arena parlamentar houve boas notícias, péssimas para Bolsonaro. O moderado presidente do Senado e Congresso foi dessa vez incisivo na condenação das agressões, enquanto seu correspondente na Câmara caprichava um discurso hermético porém recheado de recados algo incômodos e quase explícitos ao presidente.

Cortar pela raiz

Entretanto é preciso mais para sustar a marcha insana, o que não se fará sem reverter a correlação de forças no Congresso, sobretudo na Câmara.

Intensificar e aprofundar as manifestações sociais pode ser o caminho, desde que se concentrem no objetivo prioritário de cortar logo o mal pela raiz, se me permitem o lugar-comum.

É arriscado contar com a irreversibilidade do desgaste do presidente e esperar longuíssimos catorze meses para descartá-lo no voto; a caneta presidencial tem muita tinta e mesmo os garranchos de um escrevinhador inepto podem gerar fatos políticos que atenuem e até impeçam a derrocada.

O que o povo quer

Impeachment, já! tem de ser a palavra de ordem forte e uníssona, a evidenciar que a sociedade simplesmente se cansou deste presidente de opereta. Uma clara conjunção de propósitos haverá de dobrar os parlamentares que ainda apostam em respaldar Bolsonaro para usufruir as benesses do poder; como disse certa vez um presidente da Câmara dos Deputados, “esta Casa sempre acaba por fazer o que o povo quer”.

E talvez constranja até os generais agarrados a cargos no Executivo, para que demonstrem resistir aos arreganhos do chefe contra as instituições.

Fica pra depois

Importante medida profilática seria alertar alguns oponentes do autoritarismo bolsonário para a inconveniência de trazer a baila, neste delicado momento, velhas rixas entre Pt e Psdb, progressistas e conservadores de variados naipes.

Assustam a inoportunidade, a miopia política dessa gente. Definitivamente não é hora de cobrar ‘mensalões’ e ‘petrolões’ nem ‘golpes’ contra Dilma e Lula. Primeiro há que expelir Bolsonaro e sua turma, depois acertam-se as diferenças.

Sol poente

Do contrário os democratas perdemo-nos em mágoas e rancores, a descurar do adversário comum, dar-lhe raia livre para minar o estado de direito e suprimir passo a passo a democracia, com a paciência dos vilões de filmes de terror.

E de repente a gente acorda de uma noite sem sonhos, abre a janela e em vez de uma clara manhã percebe que o sol se pôs fora de hora pra tão cedo não voltar.

À deriva

– Então estaremos à deriva, no meio de tantos que nos querem sucumbir; vergonha nacional! – indigna-se Ana Maria Lobo, benvinda participação nesta semana olímpica da atleta da natação artística, hoje árbitra e estudiosa da modalidade antes chamada ‘balé aquático’.

Prefiro o nome original, ao lembrá-la deslizar sobre as piscinas como os cisnes no lago de Tchaikovsky.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])