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8 de novembro, 2021

O fracasso é nosso, mas Bolsonaro acabou. Dá pra recomeçar Fracasso, porém… A conferência das Nações Unidas em Glasgow, Escócia sobre a crise do clima já […]

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O fracasso é nosso, mas Bolsonaro acabou. Dá pra recomeçar

Fracasso, porém…

A conferência das Nações Unidas em Glasgow, Escócia sobre a crise do clima já é considerada “um fracasso” pela ativista sueca Greta Tumberg e os jovens que mobiliza em sua causa, mesmo uma semana antes de encerrar-se o encontro.

Terá razões em seu pessimismo, a adolescente-quase-adulta que amadurece à força, e à vista do mundo, desde que se engajou na defesa da natureza. Entretanto sua conclusão, se não for deliberado movimento tático para atrair mais atenções à causa, deve considerar-se com alguma reserva.

Talvez ainda caiba algum otimismo, afinal, e ele se apoie justo no que a admirável menina chama “fracasso”.

…capaz de reverter-se

De fato na Cop-26 os chefes de estado presentes na abertura estiveram muito aquém, em seus discursos, de demonstrar efetivo engajamento no combate à crise do clima. As ausências dos líderes de algumas nações decisivas no processo, seja por disputar com a China o campeonato da poluição (Índia, Rússia) ou possuir excepcionais condições de sustar a degradação dos ambientes naturais, como o Brasil, de fato prejudicam os propósitos de reafirmar e ir além do acertado na conferência de 2015 em Paris.

No entanto, a mera constatação dos insucessos e alegada disposição em revertê-los já é um avanço – antes tínhamos nem isso, com Trump presidente dos Estados Unidos e sua negação do aquecimento global.

Promessas e cobranças

A não participação do Brasil nos primeiros momentos do encontro de Glasgow, enfatizada na ausência do presidente da República e seu ministro de Meio Ambiente, só acrescenta algum opróbio à condição de pária ambiental (e em outros ambientes) que deliberadamente assumiram Bolsonaro e sua turma.

No entanto, puxado pelo nariz o governo brasileiro propôs-se medidas alinhadas ao esforço universal para salvar o planeta.

Seriam sinceras?, essas propostas?, haveria real intenção de implementá-las?

Certamente não, mas os ambientalistas obtiveram expressiva vitória com tantas e explícitas declarações pro desenvolvimento sustentável: agora é cobrar que baixem das etéreas esferas das promessas e efetivem-se no mundo real.

Bolsonaro acabou

Além do mais, governos são por definição transitórios e o de Bolsonaro praticamente já acabou. Na verdade nem haveria de começar, ou deveria ter sido impedido há muito tempo (ainda pode ser), desde os primeiros arreganhos autoritários do presidente, seus filhos e turma mais próxima, todos igualmente toscos e atrasados como o chefe – especialmente nos temas ambientais.

As ações pro sustentabilidade acertadas na Cop-26 são compromisso assumido pela estado brasileiro, e é bom que já sejam conhecidas quando a gente ficar livre desses infelizes – o que acontecerá o mais tardar no primeiro dia de 2023.

Mercado de emendas

Everardo Maciel acrescentou incomum adendo ao remeter artigo que escrevera para a edição de quinta-feira, 04.11 d’O Estado de S. Paulo sobre a famigerada ‘Pec dos precatórios’:

“Quando o encaminhei para publicação a Câmara dos Deputados ainda não votara [a proposta], o que de fato veio a ocorrer à noite. Trata-se de um monstrengo, fruto da arrogância, irresponsabilidade fiscal, espúrios objetivos eleitoreiros, fisiologismo e mercado de emendas. É a política brasileira em sua corrida acelerada para o fundo.”

Aumento previsível

Compreende-se melhor a indignação do geralmente comedido, morigerado ex-secretário da Receita Federal, certo a maior autoridade brasileira em política tributária, quando se lê o artigo citado.

“O expressivo aumento dos gastos com precatórios federais, previsto para 2022, só pode ter causado surpresa aos que se descuidaram de acompanhar sua constituição em exercícios passados” – denuncia e acrescenta que tudo será mero pretexto a encobrir a “pretensão de furar o teto de gastos, sob a alegação de que [sem a tal Pec] não haveria como promover aumento de transferências de renda aos vulneráveis.”

Impactos severos

Não que Everardo concorde com a instituição do controverso teto de gastos:

[…] Afora suas impropriedades formais, – argumenta – não foi uma solução tecnicamente primorosa, mesmo porque não enfrenta as causas de injustificadas expansões da despesa pública.”

Mesmo assim, acrescenta que “violar esse pacto […] pode ter severos impactos na formação de expectativas e, por consequência, sobre a inflação e os juros”.

Anarquia orçamentária

Por ironia, além de tudo é desnecessário o “monstrengo” gerado pelo presidente da Câmara dos Deputados e seus parceiros na equipe econômica do governo – agora é o colunista que interpreta o artigo de Everardo Maciel. Leiam-no:

“Em princípio o objetivo [liberar recursos para a ampliação do Bolsa Família] poderia ser alcançado mediante corte ou realocação de despesas, como as chamadas ‘emendas parlamentares’ – expressiva evidência da anarquia orçamentária vigente. Essa hipótese, ainda que razoável nas circunstâncias é, entretanto, politicamente inviável.”

Boa notícia

“Há, felizmente, outras formas de contingenciar despesas, mirando justamente os precatórios” – garante Maciel e aqui encerro, a me faltarem engenho e arte, as tentativas de interpretar as complexas questões que aborda e as soluções que aventa. Melhor ler o artigo todo, até por que ele termina com um alento:

“A boa notícia é que tudo pode ser feito por lei ordinária, sem furar o teto nem postergar o pagamento de precatórios.”

Orçamento secreto

Ignoro se a ministra Rosa Weber, dita a mais discreta e comedida entre os pares do Supremo Tribunal Federal, terá lido o artigo de Everardo Maciel antes de desferir o voto contendente contra as chamadas “emendas de relator”.

São elas um artifício recente, engendrado há uns quinze anos e ‘aperfeiçoado’ há três ou quatro (quer dizer, agravado, sob o ponto de vista da nação) por parlamentares que só pensam ‘naquilo’ – obter benesses com que se reeleger –, com o fito de abocanhar parcelas generosas do Orçamento e aplicá-las sem revelar exatamente onde, no que e para que, muito menos a quais deputados ou senadores interessa a alocação das verbas.

Disso resulta algo como um ‘orçamento paralelo’, ou ‘secreto’, aprovado nas sombras mediante acordos entre ‘cardeais’ do Congresso.

Acabou a farra

Na decisão a que deu à luz, bem a seu feitio, na tarde da última sexta-feira quando seu Tribunal não estava sob os holofotes da mídia, Weber concedeu liminar em que enfatiza a obrigatoriedade de plena informação e transparência no emprego dos recursos públicos e manda sustar quaisquer liberações de recursos sob a égide das tais ‘emendas de relator’.

Não sei, repito, se a ministra conhecia as argumentações de Maciel ou se por outras fontes e meios terá constatado, como ele, a existência “de anarquia orçamentária”; certo é que resolveu acabar com a farra.

Ultimato

A sexta-feira não terminaria sem que Rosa Weber enviasse um ultimato à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, dessa vez quanto à aprovação em primeiro turno, na madrugada de quinta-feira (05.11), da indigitada Pec dos precatórios.

A ministra por enquanto só (?) determinou que o presidente da Câmara defenda-se, em 24 horas, das acusações de transgredir normas que disciplinam os procedimentos legislativos, em especial seu próprio Regimento Interno.

A denúncia formalizou-se em duas iniciativas de partidos políticos: uma Adpf (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, se bem me lembro da sigla) e um Mandado de Segurança contra atos da Mesa da Câmara.

Perda de poder

Em ambos os casos é no mínimo improvável que o Tribunal pleno reverta as decisões da discreta e serena ministra.

Assim, a provável prevalência da liminar que susta a farra das ‘emendas de relator’ ferirá fundo as negociações do governo com os parlamentares para induzi-los a aprovar a tal Pec: Bolsonaro e Guedes perdem a principal moeda para conseguir votos favoráveis.

Pior (para eles e seu informal ‘primeiro ministro’ Artur Lira; melhor para nós, contribuintes), o jogo espúrio pode interromper-se ainda no primeiro tempo, caso a resposta do presidente da Câmara não satisfaça a ministra Weber e o Stf inviabilize definitivamente a manobra espúria.

Patrimonialismo resistente

Peço desculpas a Sérgio Alves se tardo em abordar sua dura e curta observação quanto ao funcionamento da Justiça, em especial um de seus protagonistas, que comentei aqui a quase mês:

[…] No poder Judiciário existem traços patrimonialistas resistentes a sua modernização estrutural. E fatos contemporâneos, como os apontados em seu texto, mostram a necessidade de critérios mais rigorosos para a seleção dos seus ‘onipotentes’ ministros […].

Perplexidades

Às escusas devo acrescentar agradecimento ao ilustre acadêmico, que se reitera meu “leitor semanal”; tal condição mais que me envaidece, pertence à categoria do que nos “eleva, honra e consola”.

Ainda mais quando suscita questões de largo alcance, a exemplo dos conceitos e critérios que devem presidir a formação dos quadros funcionais do Judiciário – assim como dos outros dois poderes da República. E aqui tenho mais perguntas, envoltas em perplexidades, do que tentativas de resposta.

‘Qi’s diferentes

Parece que encontramos razoável solução ao instituir carreiras para os servidores do estado, admitidos mediante concursos abertos a todos os que comprovem possuir níveis de escolaridade compatíveis com as funções a que se candidatam.

Desde a criação do Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), nos primeiros governos de Getúlio Vargas (1930–45), as condições de acesso ao serviço público mudaram de ‘qi’: no lugar do ‘quem indica’ vigente na ‘república dos coronéis’ pré 1930, a administração pública passou exigir mérito e habilitação, em parte a depender de outro ‘qi’: o ‘quociente intelectual’ do aspirante a funcionário.

Elites sabidas

Sei, leitor; nem tudo funciona como manda a lei – se há até leis que ‘não pegam’! As elites econômicas e políticas brasileiras sempre encontram um ‘jeitinho’ de interpretar a seu favor a letra da lei.

Não por acaso o mestre Darcy Ribeiro considerou-as sábias (sabidas) ou não manteriam por tanto tempo tamanhas desigualdade e injustiça.

Encontraram meios de burlar o processo, assegurar-se os privilégios enquanto fingiam respeitar o primado do mérito, mediante autorização de contratar protegidos não concursados para ‘cargos de confiança’, artifício que permeia a estrutura funcional dos três poderes da República e permite-lhes, àquelas elites, manter no serviço do estado a odienta e odiosa dominação.

Bendita incompetência!

Resultado disso é que os serviços públicos, quando existem, funcionam mal e não devolvem aos que pagamos impostos contrapartida minimamente compatível com o que o estado arrecada; e essa omissão e-ou ineficiência vitima sobretudo os mais pobres.

Várias tentativas de ‘reforma administrativa’ – quase um mantra, lugar comum de sucessivos governos – deram em nada ou pioraram o que já era ruim. A mais recente, supostamente em curso, começa pela concepção do ministro da Economia de que servidores públicos são “parasitas”.

Menos mal que tenha risco nenhum de efetivar-se – favorece-nos, a nação, a no caso bem vinda incompetência de Paulo Guedes e do governo a que pertence.

Problemas camuflados

Tudo isso estará na raiz dos problemas que o mestre Sérgio Alves detecta no Judiciário, especialmente em sua cúpula.

A este velho colunista parece que o estado encontrou sistemáticas aceitáveis para instituir a base funcional do serviço público, mas carece de soluções para as disfunções – quando não ilegalidades – nos escalões superiores. E o mais dramático desafio, o proposto por Alves, parece residir na indicação pelo chefe do poder Executivo e aprovação (ou não) pelo Senado Federal dos integrantes do Supremo Tribunal Federal.

Não tenho receita pronta, duvido de que a arrisque meu brilhante interlocutor; acredito é que a questão tem de ser discutida, em vez de se camuflar sob as escaramuças intra e inter poderes.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])