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CONTOS QUE TE CONTO
22 de novembro, 2024Com o cronista Luiz Cesár Fiuza
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Baterista Olímpico
Sempre gostei de esportes. Outro dia, vendo uma retrospectiva das olimpíadas, deparei-me com algumas cenas edificantes, outras heroicas, e muitos exemplos de superação. Impossível esquecer Usain Bolt, velocista jamaicano, ou Jesse Owens, ganhador de quatro ouros nos Jogos Olímpicos de 1936, em Berlim. Jesse, com suas vitórias, expulsou o tirano Adolf Hittler do estádio, pois o chefão do III Reich não suportou ver triunfar aquele atleta negro, que colocava em xeque a “superioridade ariana”. Também não passou despercebida a figura de Emil Zátopeck, a “Locomotiva de Praga” que, em 1952, tornou-se o único homem a vencer os 5.000 e 10.000 metros, além da maratona, numa mesma olimpíada.
Essas imagens evocaram alguns prodígios esportivos que tive a oportunidade de conhecer. Conversei com Marinho Chagas, imortalizado no Botafogo e que ancançou a Seleção Brasileira. “Brinquei” de boxe (apenas brinquei!), com Miguel de Oliveira – pois não seria louco de me arriscar num combate real. Tive até contato com Henrique Mecking, o Mequinho, maior enxadrista da história do Brasil, consagrado com o título de Grande Mestre Internacional.
Além dessas estrelas, lidei com pessoas comuns que, premidas pelas circunstâncias, protagonizaram grandes feitos. Foi o caso de uma idosa, que, vendo romper os cavaletes de sustentação do carro consertado pelo filho, escorou o veículo com as próprias costas, salvando o rapaz. De outra feita, presenciei Zequinha, um amigo de infância, esquecer-se da obesidade e letargia que o marcavam, para saltar uma cerca sem colocar as mãos. Ele fugia dos chifres de Mimoso, um bode rabugento que pastava nas imediações.
Nenhum desses, contudo, se aproximou de Pedrinho Calcão, conhecido baterista de Brasília que, numa noite, incorporou Hermes, criou asas nos pés e venceu uma corrida de obstáculos. Não o imaginávamos capaz de tanto, pois seu físico, nada atlético, não indicava tamanha capacidade. Vivíamos os anos oitenta e Pedrinho dividia casa com o inseparável e, também baterista, Jaime Barriga. A residência era palco de inesquecíveis festanças, reunindo os dois varões e suas convidadas. Um desses eventos foi a memorável “noite do balão”. Com o ambiente inundado por clássicos da música brega (apelidada de “romântica”), e as luzes apagadas, os casais dançavam “apaixonados”. Jaime e seu par ensaiavam alguns passos para trás, em direção à porta do quarto. Deu um passo, e mais outro. O leito se aproximava. E lá vinha outro passo… (segundo ele, “passo de ganso”). Até que, acreditando estar perto do ninho de amor, deu um balão na moça, mirando o colchão. Ouviu-se, então, um estrondo que lembrava uma jaca se estatelando”.
Ele havia errado o alvo”
– JAIME, FILHO DA P#@!
– Desculpa, me amorzinho, deixa eu te ajudar!
– VAI AJUDAR SUA MÃE, MISERÁVEL!
Tamanho erro balístico não teria perdão. A porta se abriu bruscamente, dando passagem a um vulto rastejante, que se esgueirou, entre dores e gemidos, para nunca mais voltar. Aquele sarau não teve desfecho feliz.
Feito esse comentário, apenas para situar o coadjuvante, voltemos ao artista principal. Pedrinho se apresentava em diversos palcos, dentre eles o “Fundo do Mar”, um muquifo feioso que, paradoxalmente, reunia o melhor do samba. Guardado por lonas verdes, a casa era ornamentada com conchas e bugigangas marítimas grudadas nas paredes, numa alusão a “fundo do mar”. Um conjunto de gosto duvidoso e estética trash.
As apresentações aconteciam toda sexta-feira, por volta das 21 horas. Um dia, para garantir mesa, resolvi chegar bem cedo. Pedi uma cerveja e acompanhei o acesso do público. Veio a eterna passagem de som e, pouco tempo depois os primeiros acordes. Em seguida, Pedrinho irrompeu no palco. Todo de branco, mais cheiroso que filho de barbeiro e com o indefectível olhar de gavião malvado!
Repimpou-se no trono (banquinho), tomou fôlego e deu início aos preparativos para brilhar, mais uma vez.
O pagode começou. As luzes foram reduzidas e, sob penumbra, Pedrinho arremeteu:
“Agora eu sei
Que o amor que você prometeu
Não foi igual ao que você ME DEU
Era mentira o que você jurou…”
Sua voz remetia ao Flautista de Hamelin, mas, ao invés de ratos, encantava as mulheres. E elas foram chegando. A primeira foi Mariza, a quem havia jurado amor eterno. Logo chegou Celinha, acompanhada dos irmãos, aos quais pretendia apresentar ao novo namorado, aquele charmoso baterista. Vieram Lúcia, Ângela, Cida e toda uma legião de senhoritas, a quem Pedrinho prometera amor e fidelidade, na alegria ou na dor.
E era dor o que antevia. As senhoras e moçoilas desfilavam triunfantes pelo exótico “Salão das Conchinhas”, enquanto Pedrinho suava frio e via a pressão subir. Transpirando, sentia a aproximação do intervalo, quando todas correriam para os seus braços generosos. A ideia da morte violenta tomava forma.
Acossado pelo resultado de seu amor indômito, apelou ao Criador: Senhor, mostre-me um caminho! E Deus atendeu às suas preces. Misericordioso, teve pena do incorrigível pecador, e trouxe Jaime Barriga até o estabelecimento.
Ei! Psiu! Jaime. Ô JAIME!
Ao ouvi-lo, o amigo correu por trás do palco e escutou o drama:
– Jaime, tem um monte de mulher aí, e eu tô com todas. Na hora do intervalo, vou morrer! Procura um orelhão e chama o táxi do Sandoval, ele está trabalhando essa noite! Pede para ele estacionar aqui, bem atrás do bar.
Jaime obedeceu e rapidamente trouxe a notícia:
– Pedrinho, Sandoval tá aí.
– Obrigado! Agora senta aqui. O Maurício (vocalista e dono da banda) nem vai notar.
– Mas Pedrinho, eu não vim trabalhar! Vim só curtir o pagode, e mal conheço seus amigos do grupo.
– Jaime, você não entendeu! Isso é caso de vida ou morte. MINHA MORTE!
Enquanto Jaime, contrariado, tomava o lugar, Pedrinho empreendeu fuga: e, com habilidade olímpica, saltou a janela, indo se aninhar no banco de trás.
– Sandoval, corre daqui antes que seja tarde!
Posteriormente, Pedrinho recebeu a conta: garrafas e copos quebrados, mesas caídas e uma bandeja de caranguejos aéreos, espalhados por toda parte. A despesa foi grande, mas a vida era uma só! Enquanto essa trama se desenrolava, Maurício soltava a voz, sem nada perceber. Até que virou para trás e se assustou. Em vez de Pedrinho, era Jaime quem segurava as baquetas.
– Boa noite, seu Maurício! Muito prazer. “O show não pode parar”!
A mulherada, por sua vez, estava desorientada: o que teria acontecido com o sultão Pedrinho? Longe dali, o Baterista-ternura estava refugiado no sacrossanto ambiente de seu lar. Dedicou aquele fim de noite a refletir sobre os perigos do amor. Havia escapado dessa vez. Como seria a próxima? Enquanto isso, a lenda se espalhou no mundo do samba e, até hoje, os mais velhos recordam a saga do “Baterista Olímpico”!