Brasília Agora


ESPORTES

‘Não estou aqui para ser simpática, mas para fazer o Palmeiras campeão’, diz Leila Pereira

9 de fevereiro, 2024 / Por: Agência O Globo

Mandatária do Verdão, empresária já foi eleita a quinta mulher mais rica do Brasil e é a única à frente de um dos melhores clubes do mundo

‘Não estou aqui para ser simpática, mas para fazer o Palmeiras campeão’, diz Leila Pereira
Leila Pereira, presidente do Palmeiras — Foto: Divulgação

Leila Pereira, 59 anos, nascida em Cambuci, no Rio de Janeiro. Nunca levantou a bandeira feminista, mas decidiu manter o nome de solteira em vez de se tornar Dona Lamacchia. Ao longo dos anos, ela assumiu as rédeas do grupo empresarial que seu marido fundou e construíram juntos. Com essas credenciais e um companheiro palmeirense desde criança, sua empresa, a Crefisa, passou a patrocinar este clube, fundado em 1914 por imigrantes italianos em São Paulo. Ela chegou à presidência em 2021. Só então, ao se tornar a única mulher à frente de um dos maiores clubes de futebol do mundo, sentiu a investida machista, como disse em entrevista na academia do clube.

Pereira e seu talão de cheques — ela é uma das brasileiras mais ricas — levaram o time a um dos momentos mais doces de sua história. Em entrevista ao jornal El País, ela falou sobre o momento de sucesso do time, o machismo que sofre, sua trajetória como empresária e sua vida.

Você se lembra do seu primeiro jogo em um estádio?

Quando éramos crianças, meu pai nos levava para ver o Vasco [da Gama], mas eu nunca fui fã. Fiquei interessada quando comecei a namorar meu marido, aos 18 anos. Nossa primeira partida juntos foi Vasco x Palmeiras, no São Januário, no Rio de Janeiro. Trabalhei como jornalista de televisão, no esporte. Com ele fui para o Palmeiras.

A equipe está vivendo uma era de ouro. Seis títulos masculinos em dois anos: a Taça das Copas Sul-Americanas (2022), uma Supercopa do Brasil (2023), dois Campeonatos Brasileiros e dois do Estado de São Paulo. E a Libertadores feminina (a masculina foi conquistada um ano antes de sua chegada à presidência). Seria uma questão de dinheiro? É verdade que num sábado, durante o café da manhã, você propôs apadrinhamento ao seu marido?

Exatamente. Em 2015 apareceu outro time e eu falei para meu marido: “Beto, o São Paulo quer que a gente patrocine, mas por que não patrocinamos o Palmeiras?” O ano anterior tinha sido muito difícil – ele quase foi rebaixado [na categoria] e meu marido teve linfoma – mas acabou bem, com Beto e Palmeiras entrando na Série A. Naquela tarde o presidente nos recebeu e eu pensei: “Meu marido e o Palmeiras merecem”.

Estava decidida.

Sim, sempre. Eu gosto de decidir. Começou aí a história do maior patrocínio da história do futebol brasileiro. Tudo começou com investimentos, é claro. Mas depois vem a gestão. Não faz sentido investir dinheiro e administrar de forma irresponsável.

Como convenceu o técnico Abel Ferreira a ficar mais um ano, até dezembro de 2025?

A permanência de Abel e da maioria dos nossos jogadores faz parte do segredo dessa trajetória vitoriosa. Quando Abel chegou, encontrou no Palmeiras uma estrutura que não tem nada a invejar a nenhum clube. Ele sabe que fazemos todo o possível e impossível para que ele trabalhe da melhor forma. As pessoas me falam: ‘Leila, ele é muito bem pago’. Claro, tem que ser! De vez em quando Abel recebe ofertas milionárias de fora do Brasil e decide ficar.

Você começou o ano com uma coletiva de imprensa apenas para jornalistas mulheres. Vai repetir?

Espero que não seja necessário. Tenho fé que vão mandar dezenas de mulheres para a próxima. Em nenhuma circunstância estou dizendo que os homens deveriam ser excluídos. Não queremos privilégios, queremos oportunidades.

O mundo do futebol sempre foi muito masculino. Como o machismo se traduz no dia a dia do presidente de um grande clube?

Cresci rodeada de homens e sempre me comportei bem em ambientes masculinos. Disseram que era um clube muito machista, de origem italiana… mas votaram esmagadoramente em mim para o Conselho, fui a único candidata à presidência e me tornei a primeiro presidente mulher. E eu falei: “Aqui não tem machismo”. Mas aí começam as provocações que eu acho que se eu não fosse mulher, não teria recebido. Por exemplo, quando o Palmeiras perde, Leila é a responsável; quando ele vence, é “apesar de Leila”.

Você sentiu machismo quando assumiu o poder…

Talvez seja porque quando você luta tanto para chegar a esse espaço, fica tão focada em seu objetivo que não presta atenção. Mas, quando já é presidente, fica complicado. Acho que estão tentando me intimidar porque sou mulher, mas não deixo isso me desanimar. Sofro ameaças. E me sinto muito sozinha, na CBF [Confederação Brasileira de Futebol], na Federação Paulista… não tem mais mulher na Série A, B ou C. E isso não pode ser tratado como normal porque não é. Precisa ser muito mais equilibrado. Existem mulheres extremamente capazes. E temos que lutar porque isso não caiu do céu. Não estou aqui por uma cota ou porque sou mulher. Eu lutei muito, muito.

E como é ser carioca e dirigir um dos grandes clubes da rival São Paulo?

Costumo dizer que o Palmeiras é um clube de vanguarda. Ele escolheu uma mulher que não tem nome italiano e fala com sotaque carioca. Digo Palmeiraxxxxx. Estou muito orgulhosa. Isso mostra que nosso clube é para todos. Muitos fãs me param e me parabenizam. Dizem: “Sou do Corinthians, do São Paulo, do Flamengo… mas gosto de você. Eu gostaria que meu clube tivesse alguém como você”. Me faz feliz. O futebol brasileiro precisa de gente com credibilidade.

O Canarinho joga no exterior. Existe uma maneira de o Brasil reter seus talentos?

O futebol brasileiro precisa de mais organização, queremos que os clubes organizem o campeonato. Isso o tornaria mais atraente e mais competitivo. Enquanto isto não for alcançado, continuaremos a perder jogadores de futebol maravilhosos. O Palmeiras tem um dos melhores times juvenis do mundo. Revelamos alguns caras fantásticos que não conseguimos manter aqui. Vários. Mas propostas como a de Endrick chegam…

O que você sentirá em julho, quando ele completar 18 anos e for para o Real Madrid?

Em primeiro lugar, vou ficar muito feliz, porque foi uma oferta inalienável para o menino [o Real Madrid pagou 72 milhões de euros quando Endrick tinha 16 anos]. E o clube não pode evitar. É espetacular para sua carreira. Mas gostaria de poder fazer uma proposta para ele ficar. Temos jovens cobiçados no exterior e vários que nos ajudaram a conquistar títulos.

O que você acha da reação do mundo do futebol ao beijo não consensual de Luis Rubiales , presidente da federação espanhola, na jogadora de futebol Jennifer Hermoso?

Eu vi e fiquei apavorada. Isso não pode acontecer em hipótese alguma. A decisão de removê-lo foi extremamente acertada.

Você é uma empresária veterana e bem-sucedida.

Exatamente. Não sou do futebol, estou no futebol. Sou empresária, banqueira. Trabalhei muito com meu marido e nossas empresas têm muita credibilidade. Trouxe toda a minha experiência. O Palmeiras não é uma empresa, mas o futebol é administrado como se fosse uma empresa, com certas particularidades, claro. Temos fãs que são movidos pela paixão. Por isso, cuidamos muito bem deles.

Seu estilo direto é considerado novidade no futebol brasileiro. Os seus defensores elogiam porque diz as coisas com clareza, levanta os problemas abertamente e confronta. Nada de bastidores.

Eu sou a mesma com você, com nossos funcionários e com os jogadores. Gerenciar um clube grande como o Palmeiras é fácil, o mais difícil é aguentar a pressão. É muito violento… pressão por contratações, um corporativismo que protege quem não merece estar aqui… Não estou aqui para ser simpática, estou aqui para fazer o Palmeiras ser campeão e dar segurança no emprego aos nossos funcionários. Estamos no caminho certo. Vencer sempre é impossível, mas o Palmeiras continuará sendo protagonista enquanto eu for presidente.

Para os seus críticos, patrocinar o clube que você mesma preside é um grande conflito de interesses.

Não existe isso. O atual contrato de patrocínio, válido até dezembro, foi assinado pelo presidente anterior. Vou fazer um concurso. Obviamente, só vou aceitar propostas credíveis porque em época de eleições, caro amigo, há muitos aventureiros que querem se associar à marca Palmeiras. Ninguém é bobo aqui. Se a Crefisa [sua empresa] quiser fazer uma oferta, obviamente não sou eu quem vai decidir. Vou submeter as propostas ao Conselho Orientador e Fiscalizador do clube, que conta com cerca de 15 associados. E, se a Crefisa não participar, quem decide é a presidente.

Sua relação com os ultras é muito delicada. Três foram condenados a ficar longe de você.

Já disse tudo o que tinha a dizer sobre este assunto. Concordei comigo mesmo que não falo mais sobre ultras.

Dupla pergunta para finalizar: Você se sente feminista? E qual é a sua posição política?

Nunca levantei uma bandeira feminista. Mas, com a visibilidade que o cargo me dá, acredito que posso lutar por melhores condições para as mulheres. Sempre respeitando seus desejos. Minha mãe ficou em casa e fez um trabalho maravilhoso cuidando de nós.

As donas de casa são especialistas em logística, economia, saúde… Verdadeiras profissionais multitarefas.

A mulher tem que escolher o que quer, seguir e ser feliz. Isso é tudo.

E politicamente, onde você está localizada?

Meu partido é a Sociedade Esportiva Palmeiras.

BS20240209070108.1
https://oglobo.globo.com/esportes/noticia/2024/02/09/nao-estou-aqui-para-ser-simpatica-mas-para-fazer-o-palmeiras-campeao-diz-leila-pereira-primeira-presidente-mulher-do-clube-paulista.ghtml