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Que tal carregar seu carro elétrico sem tomada? No futuro, vai bastar estacionar

21 de fevereiro, 2024 / Por: Agência O Globo

Empresas correm para desenvolver tecnologia de carregamento sem fio, via transferência indutiva de elétrons.

Que tal carregar seu carro elétrico sem tomada? No futuro, vai bastar estacionar
A WiTricity apresentou recentemente seu protótipo: carro estaciona sobre uma 'almofada' de recarregamento — Foto: Divulgação/WiTricity

Em breve, os carros plug-in talvez não precisem mais de uma tomada. Os motoristas de carros elétricos simplesmente parariam em uma vaga de estacionamento especializada quando precisassem recarregar as baterias, esperariam um sinal luminoso no painel, sairiam do carro e seguiriam com seu dia.

Essa é a promessa do carregamento de veículos elétricos sem fio, uma transferência indutiva de elétrons que eliminaria a necessidade de todos aqueles cabos incômodos.

Várias startups passaram anos trabalhando para criar um mundo em que o carregamento sem fio se tornasse popular e, à medida que uso de veículos elétricos se populariza, o ímpeto está crescendo para tornar esse sonho uma realidade.

As empresas estão se unindo em torno de uma tecnologia padronizada, os fabricantes de automóveis estão embarcando em experimentos sem fio e os municípios estão mapeando oportunidades de uso desta tecnologia. Até mesmo a Tesla, empresa de Elon MUsk, está interessada.

No entanto, ainda existem grandes obstáculos, entre os quais se destacam a baixa velocidade de recarga, o dinheiro e o interesse necessários para construir estações e conseguir a adesão de mais fabricantes de carros elétricos.

Embora o carregamento sem fio pareça ótimo no papel, a tecnologia enfrenta o mesmo paradoxo que está afetando a implantação de estações de carregamento públicas: uma demanda mais forte por parte dos consumidores poderia levar as montadoras a adotar o carregamento sem fio, mas o crescimento da demanda por veículos elétricos (VEs) é impedido, em parte, pelas preocupações sobre como carregar esses carros no dia a dia.

Ou seja, a tecnologia não ganha escala porque a venda de automóveis ainda não é suficientemente ampla. E a venda de carros não ganha escala porque os consumidores temem não terem acesso ao carregamento de baterias.

– Se eu fosse um fabricante de automóveis, provavelmente relutaria em adotar essa tecnologia nos meus veículos porque não há nenhum carregador sem fio por aí. É preciso que a infraestrutura e os veículos sejam implantados ao mesmo tempo para que isso faça sentido – disse Michael Weismiller, gerente de programa de P&D de eletrificação no Escritório de Tecnologias Veiculares do Departamento de Energia dos Estados Unidos.

O carregamento de EVs sem fio ou indutivo funciona usando ressonância magnética e uma almofada de carregamento para gerar um campo de transmissão de energia. Quando uma bobina em um receptor embaixo do carro se alinha com uma bobina na base de carregamento, o receptor capta essa energia e a envia para a bateria do carro.

Carregador sem fio fabricado pela WiTricity Corp. carrega um Ford Mustang Mach-E — Foto: Divulgação/WiTricity

A tecnologia é semelhante ao carregamento de telefones sem fio, que também requer um receptor e bobinas alinhadas, mas os sistemas EV podem funcionar com até 10 polegadas (25 centímetros) de separação.

No entanto, a velocidade é um problema. A maioria dos carregadores sem fio tem a mesma velocidade de um carregador de Nível 2 (o tipo que você usaria em casa) e não dos carregadores rápidos disponíveis em muitas estações públicas.

Os carros elétricos também precisam ser projetados com o carregamento sem fio em mente. Embora seja possível adaptar os EVs, na prática isso pode anular a garantia da bateria do carro, diz Amaiya Khardenavis, analista da Wood Mackenzie.

Para os fabricantes de automóveis, ainda é difícil justificar a habilitação do carregamento sem fio: é caro, e ainda não há estações de recarga para torná-lo uma vantagem atraente para os compradores de carros.

Alex Gruzen, CEO da WiTricity Corp., sediada em Massachusetts, diz que a capacidade de carregamento sem fio de sua empresa custará às montadoras várias centenas de dólares por carro e aos consumidores pelo menos US$ 2.500 só para começar – valores que ele vê diminuindo nos próximos cinco anos.

Projetos-pilotos

Esses obstáculos significam que, pelo menos por enquanto, o carregamento de veículos elétricos sem fio existe principalmente na forma de projetos-piloto. Algumas montadoras na China e na Coreia do Sul estão testando a tecnologia em novos carros de passeio, mas muitos testes de carregamento sem fio são voltados para veículos comerciais, que tendem a ter rotas consistentes e o luxo de se abastecerem durante a noite em vagas de estacionamento fixas.

– Você pode implantar os carregadores em locais específicos nas rotas ao longo do dia – diz Loren McDonald, fundador e CEO da EVAdoption, uma empresa de análise de veículos elétricos.

Neste verão nos EUA, a WiTricity planeja implantar seu sistema sem fio Halo nos carrinhos de golfe e veículos leves E-Z-GO e ICON EV, depois de apresentar a tecnologia em veículos adaptados, como o Mustang Mach-E, da Ford.

Os investidores da empresa incluem a Mitsubishi e a Siemens AG, e a WiTricity tem uma parceria para demonstrar o carregamento sem fio em carros fabricados pela KG Mobility, da Coreia do Sul. A WiTricity diz que os carros de passeio conseguem até 35 milhas (56 quilômetros) de carga por hora com sua tecnologia.

– O carregamento continua sendo um dos grandes pontos de ansiedade para os compradores de veículos elétricos, e nós o tornamos algo que acontece em segundo plano – disse Gruzen.

Ônibus elétricos já utilizam carregamento sem fio

No Condado de Los Angeles, a Antelope Valley Transit Authority usa sistemas indutivos fabricados pela WAVE Charging para ajudar a alimentar sua frota de ônibus elétricos. A agência tem 15 estações de carregamento sem fio da WAVE – uma em seus escritórios e 14 em suas rotas de ônibus – de acordo com o diretor de marketing da AVTA, James Royal.

Indianápolis também está usando o carregamento sem fio para seus ônibus elétricos, que são fabricados pela gigante chinesa BYD. Em 2019, a cidade fez uma parceria com a startup de carregamento InductEV, sediada na Pensilvânia (então chamada Momentum Dynamics Corp.).

A HEVO, startup de carregamento sem fio sediada no Brooklyn, está trabalhando com o Oak Ridge National Laboratory, do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE), e a Stellantis NV para testar um sistema sem fio de 50 quilowatts no híbrido Chrysler Pacifica, depois de concluir uma demonstração com um carregador sem fio de Nível 2 no ano passado. A HEVO também está desenvolvendo um carregador rápido sem fio de 300 quilowatts em parceria com a Oak Ridge, diz o CEO Jeremy McCool.

Talvez na evidência mais clara, até agora, do potencial do carregamento sem fio para carros de passeio, o chefe de design da Tesla, Franz von Holzhausen, confirmou em dezembro que a empresa está buscando sua própria versão da tecnologia:

— Estamos trabalhando no carregamento indutivo, para que você nem precise conectar algo, basta entrar na sua garagem, dirigir sobre a almofada e ela estará carregando — disse von Holzhausen durante uma aparição na série do YouTube “Jay Leno’s Garage”.

O voto de confiança da Tesla também está despertando o interesse de outras montadoras.

— Esse é o maior sinal. Até então, o carregamento sem fio ainda era considerado uma tecnologia marginal. Agora é uma tecnologia de tendência — ressaltou McCool, CEO da HEVO.

Carregador de veículos elétricos sem fio fabricado pela HEVO, sediada no Brooklyn — Foto: Divulgação/HEVO

A padronização também pode ajudar a impulsionar a adoção. Em 2022, a SAE International — uma associação de engenheiros e especialistas em transporte técnico — finalizou o primeiro padrão para carregamento sem fio estacionário para veículos leves, uma categoria que inclui carros de passeio. O padrão abrange tudo, desde a velocidade de carregamento segura (até 11 quilowatts) até a interoperabilidade e o desempenho.

Verbas federais

Por enquanto, a grande maioria dos investimentos ainda está sendo destinada aos carregadores tradicionais de veículos elétricos, embora os legisladores federais e estaduais dos EUA estejam pressionando por subsídios para expandir o carregamento sem fio.

Atualmente, os EUA têm mais de 9 mil estações públicas de carregamento rápido e mais de 53 mil estações de Nível 2, de acordo com o Departamento de Energia dos Estados Unidos (DOE). Espera-se que mais estações entrem em operação à medida que os estados começarem a aplicar US$ 5 bilhões em verbas federais.

Mas os especialistas dizem que os futuros desenvolvimentos na tecnologia automotiva – especialmente a direção autônoma – podem fortalecer o argumento a favor do carregamento sem fio. A Society of Automotive Engineers (SAE) está trabalhando atualmente em um método padrão para alinhar os veículos com as bases de recarga, o que se mostrará particularmente crítico quando os carros começarem a dirigir e estacionar sozinhos.

Carregamento bidirecional e com carro em movimento

Ligar um veículo elétrico em uma base também não é a última fronteira do carregamento. A SAE planeja atualizar seu padrão de veículos leves para incluir o carregamento bidirecional, que permite que um carro forneça energia de volta à rede. Gruzen diz que a próxima geração de componentes de carregamento sem fio da WiTricity será bidirecional, e ele espera começar a vendê-los para as montadoras ainda este ano.

A SAE também está desenvolvendo diretrizes técnicas para o que é conhecido como “carregamento indutivo dinâmico”, ou seja, carregar sem um plug quando um veículo está em movimento. Essa tecnologia, que poderia transformar as próprias ruas em pontos de recarga, ainda está em seus primórdios.

A Electreon, uma empresa israelense, testou o carregamento dinâmico em um trecho de 400 metros de uma estrada em Detroit no ano passado. No início deste mês, a Stellantis disse que seu Chrysler Halcyon Concept EV, previsto para produção em 2028, viria equipado com capacidade de carregamento dinâmico sem fio.



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