Brasília Agora


COLUNAS

A vida do outro

14 de outubro, 2020

Exatamente em frente ao apartamento novo – em frente assim, pouquíssimos metros, janela com janela – mora uma bailarina. Gente, que sorte! Ontem, a sala […]

A vida do outro

Exatamente em frente ao apartamento novo – em frente assim, pouquíssimos metros, janela com janela – mora uma bailarina. Gente, que sorte! Ontem, a sala passou o dia inteiro com as janelas abertas, parece que ela não tem cortinas. Sem tem, não as fecha. E dança, dança lindamente.  A princípio eu assisti, assim disfarçadinha, depois que ela agradeceu os aplausos, que saíram meio que acidentalmente, até esqueci o disfarce. Tomara que siga receptiva ao público que acaba de chegar.

Eu dou uma sorte danada com vizinhos. Quando cheguei a São Paulo, de mala e cuia, fui morar na Mourato Coelho. Um apartamento horroroso, barulhento, escuro. A janela do meu quarto, no segundo andar, dava para um estacionamento. E a Vila Madalena era, àquela altura, O lugar. Mas não tinha uma madrugada, isso de segunda a segunda, em que o estacionamento não ficasse lotadíssimo.

Minha gente! Na esquina tinha um pão de açúcar 24hs que fazia um sucesso medonho e em frente ao prédio, tinha um bar meio balada, meio bar. Eu trabalhava em redação, chegava de madrugada em casa com uma certa frequência. Bem, chegava de madrugada toda segunda e terça quando a revista fechava. E algumas quintas, sextas e sábados, porque eu era jovenzinha e também dava meus pulos. Mas voltando à reclamação principal, quando chegava do trabalho, o que tinha de gente bêbada no portão de casa, do outro lado da rua, na esquina do super. Olhe, era trash ali, viu?

Mas se a noite era assim infernal, as manhãs e tardes eram puro contentamento. No apartamento 12, exatamente abaixo do meu, moravam três amigos. Cruzei pouquíssimas vezes com os meninos na escadaria de prédio –  é que lá não tinha elevador –, mas sei que eram músicos da então recém criada  Orquesta Jovem Tom Jobim. Não havia um dia sequer em que a casa não fosse invadida pelos ensaios dos três. Quando as meninas começaram a tocar piano, lembrei tanto da Mourato Coelho e de como eu amava ouvir a mesma música ficando cada vez mais bonita e mais completa. Quanta vida cabe em uma construção vertical com casinhas empilhadas umas nas outras, não é? Que sejam cheias de dança e música. Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

[email protected]

https://www.facebook.com/roberta.dalbuquerque

https://www.instagram.com/robertadalbuquerque/