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27 de dezembro, 2020

Resgates da história e esperanças renovadas   Presidente cancelado Faz tempo reclamo aqui da má vontade dos colegas jornalistas com Itamar Franco, justo o presidente […]

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Resgates da história e esperanças renovadas

 

Presidente cancelado

Faz tempo reclamo aqui da má vontade dos colegas jornalistas com Itamar Franco, justo o presidente que maior legado deixou-nos desde Juscelino. Trato adiante das razões do ‘cancelamento’, como hoje se diz; por enquanto quero registrar o protesto confluente do amigo – de Itamar e meu – e um de seus mais importantes ministros.

Murílio Hingel refere-se à “omissão da chamada grande imprensa […], como se não tivessem acontecido 27 meses [de governo Itamar] e seu ordenamento, moralidade, conciliação nacional […] e o Plano Real”.

Mais que o Plano

Murílio sabe que Itamar foi muito além da estabilização da moeda com o Real, cujos duradouros efeitos “ainda nos trazem um o mínimo de segurança em tempos de pandemia e pandemônio”.

Por isso refere-se ao resgate a ordem institucional destroçada em sucessivos governos desde o início da ditadura, em 1964; à moralidade na conduta pessoal e à ética na ação política, impostas até pela simples presença do inatacável presidente; à busca de pontos de contato entre posicionamentos diversos, de compromisso entre contrários para atender à emergência nacional – que conseguiu, apesar da infeliz e isolada recusa de Lula e seu Pt em apoiar o Plano Real.

Reforma infeliz

– Fala-se de Tancredo e Sarney – prossegue o amigo e mestre – e mesmo de Collor […]. Onde fica Itamar?, que se opôs claramente à infeliz reforma constitucional [aquela que instituiu a reeleição, com todos os males decorrentes]. Em seu último mandato de senador Itamar voltou ao assunto [a tentar reverter a anomalia].

A repulsa do então presidente Itamar Franco às repetidas propostas de instituir reeleição, a começar pela própria, sugere-me interessante paralelo histórico – da história que aprendi com Murílio.

Conto com o bardo

A história em pauta é a de um decisivo ponto de inflexão da civilização romana, quando a experiência republicana aprendida com os gregos foi abandonada em favor da instituição do Império (Murílio haverá de relevar se simplifico, em favor da síntese).

Júlio César, eminente chefe militar e tribuno, retornava com seus exércitos após gloriosa campanha e era recebido em Roma com apoteóticas manifestações.

(Daqui pra frente conto os feitos conforme interpretou-os Shakespeare na peça Júlio César, que li na admirável tradução do literato português Onestaldo Penaforte. Se não restrita à frieza dos fatos documentados, certo a versão do bardo será mais interessante.)

 

Conspiração pretextada

Aclamado pela plebe e bajulado pelos patrícios – povo e nobreza de Roma – Júlio César presidia os Lupercais, grande festa popular quando três vezes lhe ofereceram a coroa imperial e três vezes recusou-a.

Em outro ato público, pouco depois seria assassinado em pretensa defesa do estado e da república, sob pretexto de que conspiraria para obter a mesma coroa que repelira. Não sem antes capitular aos encantos da bela e industriosa rainha do Egito, cujo reino conquistara – tudo conforme Shakespeare.

Cleópatra recusada

Itamar viveu seus lupercais nos meses finais de governo, julho a dezembro de 1994, sob efeito imediato do espetacular sucesso (de público e crítica…) do Real. Foi então que em várias ocasiões ofereceram-lhe a coroa – quer dizer, propostas de reeleição – e recusou-as, todas.

Aplaudido quase unanimemente vivia lua-de-mel com a opinião pública, ela assim uma Cleópatra à qual no entanto não se rendeu.

Correlacionados, ceteris paribus, critérios de pesquisa mutantes ao longo do tempo, os índices de aprovação de Itamar foram bem maiores que os de Lula, dito pela mídia – essa desatenta – o presidente mais popular da República.

Equívoco misterioso

Murílio Hingel aponta exemplo concreto das ‘desatenções’ da imprensa:

– Para meu estupor a revista piauí 171 [seção do periódico dedicada a estelionatos do poder], no texto sobre um ‘cronista misterioso’ do Itamaraty […] menciona Rubens Ricupero como embaixador aposentado e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso.

– Ora – corrige Hingel –, Rubens Ricupero foi embaixador de Itamar em Washington e sucessivamente ministro do Meio Ambiente e Amazônia Legal e da Fazenda: a Itamar e a Ricupero devemos o sucesso da implantação do Plano Real.

Benvindo desabafo

– Desculpe o desabafo – conclui o ex-ministro, que acompanhou a formulação e participou da implementação do Plano Real; desnecessárias, as escusas se ele resgata fatos e corrige distorções.

Elegante, Murílio não revela que Fernando Henrique, ex-colega de Ministério foi, no mínimo, beneficiário de deliberadas omissões e distorções da imprensa quanto ao protagonismo de Ricupero no decisivo processo que desembocou no dia ‘D’, hora ‘H’ do Real: era ele o ministro da Fazenda no 1º de julho de 1994 em que o Brasil amanheceu com nova moeda, hígida e forte.

Expectativa feliz…

Murílio talvez se lembre de que na noite-madrugada de 30.06–01.07 de 1994, recém chegados de alguma das habituais peregrinações por rincões de Brasil, aguardávamos em feliz expectativa as repercussões do advento do Real.

Junto chegaram meu amigo Mauro Durante, como ele figura de proa do governo; o jornalista Géraux, então assessor de Itamar, como antes e sempre de Murílio; a querida Lucy Brandão, integrante destacada da equipe de Hingel; Gilson Rebelo, brilhante jornalista que dirigia a comunicação social do Mec.

 

…logo confirmada

Já esperávamos, mas foi bom confirmar nos primeiros noticiários da madrugada e nos seguintes – horas, dias, semanas e meses adiante – que o povo abraçara o Real: a moeda e o Plano que a gestara.

Só não sabíamos que manobras políticas já se aprestavam a usurpar a autoria e láureas da bem sucedida empreitada. Cúmplice, se não coautora do esbulho, a grande imprensa adrede encantada pelo charme (inegável) e eficiência técnica (duvidosa) do “príncipe dos sociólogos brasileiros” (aposto conquistado com méritos, na sociologia e no marketing pessoal), não esperou muito para atribuir a Fernando Henrique proeminência que não teve na vitória sobre a hiperinflação.

Soluções heterodoxas

Vale recordar o acontecido a quem não se lembra daqueles tempos ou, jovem, deles não encontra notícia certa na historiografia recente, ainda não sedimentada em história.

Logo ao assumir o governo, Itamar Franco chamou de volta os economistas (ditos ‘heterodoxos’) que haviam ensaiado no governo Sarney soluções inovadoras para a velha inflação, contrapondo-se à ortodoxia dominante que só fazia mais do mesmo que não dera certo e provocara a hiperinflação; a mesma ortodoxia que recrudesceu nos governos seguintes e hoje, impenitente, soma proverbial incompetência na práxis aos equívocos teóricos conhecidos.

Atropelo e sabotagem

Para liderar o grupo de jovens pensadores, num tempo de efervescência política e candentes controvérsias econômicas, Itamar convocou sucessivos ministros da Fazenda – Gustavo Krause, Paulo Haddad, Fernando Henrique, Eliseu Resende, Rubens Ricupero, Ciro Gomes –, que desempenharam cada qual seu papel, todos atropelados pela urgência da hora e sabotados pelas velhas e más práticas políticas.

Quem foi o quê

Trocavam-se ministros mas os formuladores faziam seu trabalho.

Fernando Henrique, senador feito ministro das Relações Exteriores e em seguida da Fazenda deixara o cargo para candidatar-se à Presidência – com apoio de Itamar –, cumprido o importante papel de convencer congressistas e formadores de opinião da importância do plano em gestação.

Mas é preciso resgatar a real contribuição de cada integrante do governo e Fernando de modo algum foi o formulador da proposta, nem mesmo o líder da equipe que a implementou, como depois deixou transparecer: a liderança foi exercida, eficazmente, pelo ministro Ricupero.

 

Disparates… e esperanças

Eu sei!, leitores; está quebrando o pau entre Bolsonaro e a ciência, a razão, a liberdade e a decência. Certo terei tempo de comentar depois os mais recentes erros do governo e as duras derrotas de seu chefe nas últimas semanas; ele acusou o golpe e anda pianinho, pianinho…

É tudo tão disparatado, mesquinho, triste!…

Por enquanto este velho e sempre esperançado escriba prefere registrar que o obscurantismo perde espaço, donde um renovar de esperanças com a chegada das vacinas que vencerão, estejamos certos, o SarsCov-2.

Assim fico mais à vontade para desejar-lhes

Feliz Natal!

 

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Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])