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Mais um retrocesso. “É muita miséria!”

17 de outubro, 2020

Comunicação & Problemas Tributo a Octavio Malta − (Última Hora, Rio, circa 1960) Marco Antônio Pontes ([email protected] ou [email protected])   CONFUSÃO SEM MINISTRO, … Em […]

Mais um retrocesso. “É muita miséria!”
Comunicação & Problemas
Tributo a Octavio Malta  (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])

 

CONFUSÃO SEM MINISTRO, …

Em ano e meio não tivemos ministro da Educação de verdade; primeiro veio o colombiano aloprado muito aquém da avançada, inquieta academia de sua nação (pior se aclimatado entre nós e logo na ‘minha’ Universidade, a Federal de Juiz de Fora…); em seguida houve o desqualificado ‘olavete’ e esqueçamos o que foi sem ter sido, aquele do currículo mentiroso.

… RETROCESSO COM MINISTRO

Eis então que a nova invenção de Bolsonaro, um professor ‘terrivelmente reacionário’, engendra retrocesso de décadas na inclusão de estudantes que discrepam da média. Refiro-me aos outrora chamados ‘idiotas’, ‘retardados’, ‘deficientes’, ‘excepcionais’ ou, suavizando a crueldade dos diagnósticos, ‘portadores de necessidades especiais’ e afinal ‘com deficiências’, já sem abranger os antes ditos ‘superdotados’, esses últimos agora ‘de altas habilidades’.

Melhor me parece chamá-los todos, e sem aspas, diferentes. Simples assim.

RECUSA À DIFERENÇA

O governo quer confinar crianças e jovens diferentes em escolas que chama especiais, em vez incluí-los nas frequentadas por seus pares menos distantes dos padrões da faixa etária ou nela (aparentemente) integrados.

Ignora que a convivência beneficia todos, diferentes ou não; mesmo leigo, um pouco aprendi em rica experiência no Ministério da Educação, de que fui secretário de Projetos Educacionais Especiais (anos 1990) e tive a felicidade de conviver com notáveis defensores da inclusão, destacadamente a querida doutora Rosita.

ÁGUA E ÓLEO

Não há controvérsia, especialistas são unânimes em que o modelo inclusivo é o que melhor serve aos educandos: os diferentes são estimulados pelo convívio, os demais beneficiam-se no contato com a diversidade e todos exercitam-se na tolerância.

Mas ciência e este peculiar, ultrarreacionário populismo bolsonário são como água e óleo, não se misturam nem sob o impacto de tsunâmicas ondas de realidade.

A ver se o Legislativo ou em última instância o Judiciário deterá mais esse indigente projeto de atraso.

PANDEMÔNIO NA PANDEMIA

– Não bastasse a pandemia, ainda temos o pandemônio que é este governo – constata Maria José Féres, companheira de muitas lutas em nossa Juiz de Fora, outros brasis e no Ministério da Educação com o mestre comum Murílio Hingel, governo Itamar. Mais de seu depoimento:

– Fiquei estarrecida quando vi a pesquisa de opinião [a da última semana de setembro, que atribuiu 40% de aprovação ao “pandemônio”]. Em meio a uma pandemia que ele insiste em negar, com todas as inverdades que tem dito, e ainda consegue crescer em popularidade!

MUITA MISÉIA

– Aí me pergunto: será o efeito dos 600,00? – prossegue Féres, indignada. – É muita miséria!, miséria material e espiritual. Como reverter esse quadro? Na educação a situação é cada vez pior. Damares é inqualificável. O fogo na Amazônia e no pantanal é de cortar o coração.

E o pior, amiga, é que a repetição dos absurdos, o de hoje a suplantar o horror de ontem e preparar algo pior amanhã, corre o risco de ‘naturalizar’ o desastre e fazer do “pandemônio” o ‘novo normal’ – seria este?, aqui, o trágico legado da pandemia ou só bolsonarice?

VITÓRIAS ATERRADORAS

Veja, Zezé, como prossegue assustadora a marcha para o atraso sob o ex-capitão e sua turma. A destruição da natureza acelera-se na Amazônia, Pantanal, Cerrado e outros biomas, propiciada pela desnaturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente, desmonte do Ibama e IcmBio, sistemáticas tentativas de desmoralizar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (o Inpe!).

SÓ PRA BAIXO

A condução da Economia está entregue a liberal-fundamentalista insensível aos problemas sociais, ambientais, até à catástrofe que desabou sobre nós: será que acha pouco cinco milhões de infectados, 150 mil mortos?

Acha pouco nem muito, para ele morte e moléstia são variáveis econômicas, encara-as com a mesma impiedade que a taxa de desemprego e a perda de renda dos trabalhadores informais.

O ‘posto Ipiranga’ de Bolsonaro, como bem sentenciou Fernando Gabeira, só sabe “olhar para baixo” na hora de procurar quem pague a conta das necessidades eleitorais do chefe. No momento ele se volta para o Imposto de Renda não para minimamente atenuar-lhe a regressividade – com o que poderia arrecadar mais, taxando de fato o capital e os ricos –, mas querendo suprimir os parcos benefícios dos estratos médio-baixos.

CORAGEM DE TOLO

O ministro da Economia revela-se também um tolo quando defende os mais ricos, garante-lhes privilégios e agrava o sofrimento dos pobres.

Não se apercebe de que deixará de ser útil quando não puder tirar mais de quem possui quase nada e o processo esgotar-se por inanição dos que já não terão o que perder, ou em revoltas e motins dos finalmente desesperados.

Então lhe serão inúteis ‘pajelanças’ como a promovida segunda-feira passada para reaproximá-lo do presidente da Câmara e demais ‘cardeais’ do Congresso, que se esmera em desfeitear:

Paulo Guedes é tão arrogante e inábil que criará atritos até ser finalmente descartado pelos atuais apoiadores – ainda, ao que parece, os donos do capital, inclusive na imprensa.

PASSANDO VERGONHA…

Enquanto promove horror ambiental e procura mascarar a tragédia social, Jair Bolsonaro desmente-nos os foros de nação civilizada e envergonha-nos com política externa de estratégia única: engajamento unilateral e incondicional aos projetos estadunidenses de poder; e não a quaisquer projetos, mas aos da pior presidência da história dos Estados Unidos, sob aquela avantesma prestes a ser retirada da Casa Branca que nunca deveria ter habitado.

…E GERANDO PREJUÍZOS

É vexame internacional em toda linha. Jair Messias sofre desfeitas pessoais como naquela ridícula declaração de amor feita na Onu, ano passado, que Donald nem parou para ouvir e descartou com um tapinha de desprezo na mão que esmolava agrados.

Azar o dele!, dir-se-ia mas os prejuízos atingem-nos todos.

Por exemplo os da siderurgia brasileira, cujos produtos foram pesadamente taxados no mercado estadunidense e o ex-capitão ofereceu a outra face (desgraçadamente a nossa): não tugiu nem mugiu e ainda recompensou o agravo com concessões à importação de etanol dos Eua – que só concorre com o nosso à força de subsídios.

RECADO AO BRASIL

A bajulação de Bolsonaro rende nada a seu governo, fere a economia brasileira e os danos não cessarão por aí. A mui provável derrota do candidato republicano, a sacramentar-se daqui a três semanas mais três dias, retirará a escada que o ex-paraquedista canhestramente escalou e o deixará pendurado na brocha.

Sinais foram passados naquele debate tornado grotesco por Trump e no qual seu discreto, aplicado adversário enviou um duro recado ao Brasil, inusitado figurante em campanha eleitoral nos Eua.

“PERDE-SE A CABEÇA!”

Clemente Rosas brinda-nos com informação adicional de episódio marcante do envolvimento dos militares na política brasileira: a marcha de jovens oficiais do Exército (os ‘18 do Forte’) e um civil que aderiu na undécima hora pelas areias de Copacabana para enfrentar centenas de soldados que os cercavam:

– Completo com detalhes da visita de Epitácio Pessoa, presidente, a três sobreviventes de 1922. Siqueira Campos voltou-lhe o rosto. Não há registro do encontro com Eduardo Gomes. Mas com Newton Prado houve o seguinte diálogo:

Presidente: ‘Por que tanta bravura por uma luta inglória?’.

Newton Prado: ‘Que quer, senhor presidente? Perde-se a cabeça, é a vida!’

EPISÓDIO MARCANTE

– Aproveito para convidar você e seus leitores – acrescenta – a uma visita à revista eletrônica Será? (www.revistasera.info). Na edição desta semana está uma crônica minha sobre episódio marcante da Revolução de 30: a tomada do quartel do 22º BC, em João Pessoa, por um grupo de civis comandados por Agildo Barata. Título: Noventa anos esta noite.

Eu já lera na revista, que frequento semanalmente e recomendo, a excelente crônica de Clemente Rosas, também testemunho (por herança) daquele conturbado e decisivo período da história do Brasil.

ERUDIÇÃO E INSPIRAÇÃO

De minha parte aproveito para fazer justiça ao atento cronista-historiógrafo e registrar-lhe a erudição: o título que escolheu ter-se-á inspirado no de um livro de Paulo Francis, Trinta anos esta noite, sobre o golpe de 1º de abril de 1964, por sua vez (o título, não o golpe…) citação do filme Le feu follet de Louis Malle, um dos grandes da Nouvelle vague, com igual tradução no Brasil: ‘Trinta anos…’.

Além-mar o filme de Malle batizara-se Fogo fátuo, na responsável literalidade portuguesa.

CONVIDAR NÃO OFENDE; …

O colunista Ruy Castro contou na Folha de S. Paulo, 05.10 (o título é o mesmo desta nota) como o revolucionário pianista Thelonious Monk, citado como um “monstro sagrado” do jazz (I agree!), foi convidado em 1968 a tocar (sem cachê) para estudantes de uma high school de Palo Alto, hoje expoente no ‘vale do silício’ mas então só uma pequena cidade nas vizinhanças de San Francisco – e aceitou.

Ao final, meio que desalentado, Ruy endereça um repto a jovens brasileiros em similar condição:

– Sabem por que muitos ‘monstros’ […] no Brasil nunca tocaram de graça para garotos de colégio? Porque não foram convidados.

… TAMPOUCO AQUI

Associo-me ao desafio de Ruy Castro: em circunstâncias análogas (Monk estava em San Francisco, a 35 quilômetros da tal escola, com um ‘buraco’ na agenda quando um atrevido líder de grêmio estudantil propôs-lhe a audição), convidem um de nossos ‘monstros sagrados’ – Milton, Gil, Nana, Chico, Caetano…; aposto em que serão atendidos.

E não falo em tese, já participei de empreitada análoga e deu tudo certo.

JAZZ BRASILEIRO

Foi em 1961, portanto bem antes do evento relatado por Ruy que este então jovem estudante de jornalismo na Faculdade de Filosofia e Letras de Juiz de Fora (depois integrada à Ufjf) organizou com os colegas do Diretório Acadêmico uma jam session, como chamávamos audições de jazz e mpb.

Ainda não tínhamos ‘sagrados’ nacionais mas participaram vários dos locais: Edmundo Villani Cortes e Miltinho, pianista e baterista que integrariam o famoso Quinteto do Jô, no Sbt e na Globo; os irmãos Afrânio, Sueli e Élcio Costa a iniciar carreiras que os consagrariam – sobretudo Sueli, sucesso nacional e internacional nas décadas seguintes.

NOITE MEMORÁVEL

Também aceitaram o convite Nazário Cordeiro, virtuose no violão e professor que formou gerações de músicos na culta, tradicionalmente musical Juiz de Fora; seu pupilo Damásio José, exímio pianista; Waldir de Barros, trompetista que integrou a Orquestra Tabajara, aquela do imortal Severino Araújo; Afrânio (assinava-se só assim), também notável pistonista, sargento de uma banda do Exército que se iniciava, com brilho, no jazz; Ministrinho, velho sambista sempre a renovar-se; Randall de Oliveira, versátil pianista da noite que conhecíamos da boate mais popular da cidade, o Raffa’s Club.

Foi noite memorável, na varanda e jardins da mansão que o venerando mecenas Joaquim Ribeiro de Oliveira, o diretor, cedia à Faculdade.

CARREGADORES DE PIANO

Memorável mas precedida de contratempo angustiante.

Obtida a autorização do diretor, descobrimos (?) em cima da hora que não tínhamos piano… Salvou-nos, oferecendo o de sua casa a colega Celina, uma das filhas do doutor Joaquim.

Era um meia-cauda, pesadíssimo; conseguimos uma caminhonete e improvisámo-nos carregadores de piano…

Mais difícil foi devolvê-lo na manhã seguinte, conforme prometido: todos a curtir a ressaca das peregrinações pelos bares em que comemoramos, com os músicos, o sucesso.