COLUNAS

Comunicação & Problemas

31 de janeiro, 2025

Ninguém a salvo A marcha batida da pandemia causa pânico mundial a cada mutação do SarsCov-2; suas ditas ‘variantes’ preocupam a ciência assim como as nações e as pessoas – assustam-nos, todos. Já se sabe que se valem, as transformações adaptativas do vírus, de ampla circulação em vastos territórios e entre numerosas populações, a acrescentar …

Ninguém a salvo

A marcha batida da pandemia causa pânico mundial a cada mutação do SarsCov-2; suas ditas ‘variantes’ preocupam a ciência assim como as nações e as pessoas – assustam-nos, todos.
Já se sabe que se valem, as transformações adaptativas do vírus, de ampla circulação em vastos territórios e entre numerosas populações, a acrescentar desafios aos sistemas de saúde das nações.
Sabe-se também que nesta guerra não há cidadelas a salvo das incursões do coronavírus nem defesas nacionais suficientes para isolar seus territórios, muito menos recursos individuais com que se protejam os ricos do mundo, mais ricos sejam.

Caos anunciado

Há aspectos dessa evolução equivocadamente abordados nos noticiários embora os cientistas unanimemente os considerem decisivos, não necessariamente nos mesmos termos:

(I) a vacinação é a defesa mais eficaz para deter ou pelo menos refrear a disseminação do vírus e portanto conter a expansão de casos graves, mortes e sequelas;

(II) tem que ser ampla, geral e irrestrita a imunização em cada país, sem desequilíbrios inter-regionais;

(III) as vacinas precisam vulgarizar-se mundialmente ou as nações defasadas no processo serão palco da progressão do vírus e o remeterão (ou devolverão) àquelas que puderam proteger-se;

(IV) quanto mais gente o SarsCov-2 infecta, mais se apresta a produzir variantes crescentemente agressivas;

(V) a persistir o processo, cedo ou tarde o vírus adquirirá habilidades com que driblar a imunização disponível a exigir novos, desesperados esforços – sem garantia de sucesso em tempo útil – para encontrar vacinas que respondam aos renovados ataques;

(VI) não basta agir nas esferas nacionais nem de entidades supranacionais – Onu, Oms, Organização Pan-Americana de Saúde, União Europeia, Mercosul et al.; o vírus desdenha poderes, mesmo superpoderes e tem nenhuma cerimônia de atravessar fronteiras;

(VII) neste trágico panorama não se percebe cooperação entre as nações para implementar o único socorro eficaz – vacinar em massa, universalmente; os países mais pobres seguem defasados na imunização e não há ação concreta, em nível internacional, para reverter o processo.

Reação aética

Desgraçadamente o enfrentamento da pandemia, por suposto prioridade mundial, condiciona-se como tudo mais aos parâmetros impostos pelo capitalismo globalizado. E este, como na arguta sacada de um prestigiado ministro de nossos ‘anos de chumbo’ – lá se vão décadas de esquecimento – é essencialmente aético, quer dizer, não é contra nem a favor dos preceitos e condicionantes que a humanidade construiu ao longo de milênios para balizar convivência minimamente civilizada entre pessoas, famílias, clãs, tribos, nações.

Todos ou ninguém

Assim não estranha que em África a média de pessoas vacinadas mantenha-se em dramáticos 7% – sete por cento! Na América Latina a situação não é muito melhor: a Opas ainda luta para atingir 40% (só?!) até o último dia deste mês e ano; seis nações por certo ficarão pra trás, se até agora não passaram de 20%.
Consequência do fracasso mundial na disseminação de vacinas, a Europa apavora-se com o advento de mais uma variante do SarsCov-2 e espalha temores planeta afora.
Será que afinal aprenderemos a mais importante lição que se pode extrair desta tragédia?:
ninguém estará seguro senão quando todos estiverem seguros.

Pec do jeitinho

Não vou gastar a paciência dos leitores com críticas redundantes à ‘Pec do calote’, aprovada na Câmara dos Deputados mediante manobras de seu presidente e confirmada pelo Senado, com mudanças que pouco atenuam o desrespeito aos direitos embutidos nos precatórios, decisões judiciais definitivas que o governo arranjou um ‘jeitinho’ de descumprir.
À desobediência acresce-se a afronta quando os parlamentares encontram meios, camuflados sob o manto do atendimento à saúde, previdência e outros fins sociais, de reforçar as gordas verbas que lhes alimentam as emendas orçamentárias, inclusive as ditas “de relator”, o orçamento ‘secreto’ já proibido pelo Supremo Tribunal Federal.

Pela raiz

Melhor deixar que Everardo Maciel mostre como se corta o mal pela raiz, se me permitem o lugar-comum, no artigo que escreveu para O Estado de São Paulo (02.12):
“Emendas de parlamentares integram o instituto da representação popular. Atender às demandas de seus representados é parte legítima do mandato parlamentar. Porém nada [as] justifica no orçamento, sejam elas individuais, de bancada ou do relator.”

Orçamento x Imposto de Renda

Recebi com a habitual e favorável expectativa a crônica de Marcelo Alcoforado (A propósito, de 19.11) e li-a, como sempre, a admirar-lhe a verve e o texto escorreito, mas desta vez discordar parcialmente do conteúdo.
“Ele está de volta”, o cronista constatou no título, referindo-se a Lula e em seguida citou frase do ex-presidente ao falar ao Parlamento Europeu, onde foi recebido com pompa e circunstância no recente périplo pelo Velho Mundo:
“É preciso colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda.”

Orçamento secreto

Marcelo não se deteve no significado da admirável síntese produzida por Lula, oportuna quando o Congresso Nacional é alvo de críticas (mui bem fundamentadas) por causa do ativismo de parlamentares, sobretudo na Câmara dos Deputados, para utilizar enormes fatias do orçamento conforme seus interesses: eles usam ‘o pobre’ – asseveram os críticos – só como pretexto para destinar a suas bases as verbas generosas (e clandestinas) do tal orçamento ‘paralelo’, ou ‘secreto’.

Hora de convergir

Não pretendo cobrar do cronista considerações que escapem a suas prioridades; duvido é da tempestividade do panfleto contra o ex-presidente, aliás primoroso – adoro um panfleto bem construído!
Precisamos cerrar fileiras no combate ao projeto de tiranete que inadvertidamente elegemos e Lula e seu Pt, neste momento, formam entre os defensores do estado democrático.
Escrevi mais de uma vez nesta coluna, e repito: não é hora de brigar, mas de convergir com quaisquer adversários de Bolsonaro; as diferenças a gente acerta depois.

Soma ou some?

A eventual discordância não diminui minha admiração por Marcelo Alcoforado, cronista de nosso tempo e lugar equiparado aos melhores que conheci em décadas de leitura do gênero no Brasil: Rubem Braga, Fernando Sabino, Sérgio Porto, Ruben Alves, Luís Fernando Veríssimo…
Vejam a pérola de ironia com que encerrou a crônica, a propósito da afirmação de Lula de que seu companheiro de chapa em eventual candidatura teria de ser ‘uma pessoa que some’.
– Do verbo somar ou sumir? – provocou o cronista.

Juscelino impedido

Preciso desculpar-me com Marcos Maciel Formiga se tardo em registrar-lhe a mais recente colaboração a esta coluna, agora sobre meu relato de diálogo com outro amigo, Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, sobre a abertura da Academia Brasileira de Letras a intelectuais não exatamente escritores: atores, músicos, jornalistas e… políticos.
– Apenas uma pequena correção a seu texto com a participação de Carlos Alberto, bom diálogo mineiro. Jk, brasileirismo de Diamantina, tentou chegar à Abl, mas foi ‘impedido’! […].
Obrigado!, amigo.

Academia enriquecida

Compareço com Onaldo Pompilio, intelectual pernambucano que me honra com amizade e parceria, à manifestação de júbilo pela eleição de José Paulo Cavalcanti Filho à Academia Brasileira de Letras – era inevitável, intuíamos Onaldo e eu; pareceu-nos até que demorou.
Não conheço pessoalmente (falha minha!; Pompilio, sim, tem sido interlocutor de José Paulo) o brilhante jurista, escritor, jornalista. Tenho lido suas crônicas (excelentes, às vezes desconcertantes) na Revista Será? e conheço-lhe as façanhas de uma vida dedicada às boas causas – inclusive as corajosas defesas de perseguidos pela ditadura, quando isso punha em risco a carreira, a liberdade e a vida, naqueles anos de chumbo.

Traduções e bobagens

Repórteres, redatores, narradores, locutores… – quase todas as vezes em que jornalistas brasileiros vertem ao português expressões em inglês (eventualmente outros idiomas estrangeiros), acrescentam que se trata de “tradução livre”.
Louve-se o cuidado; de fato, ao deparar-se com expressões como “fall in love” e interpretá-la, por exemplo, “amar loucamente”, devem dizer que expressam livremente algo melhor que a transposição exata das palavras: “cair em amor”.
Entretanto “Giving Tuesday”, em The Intercept Brasil, foi traduzido como “terça-feira de doação” e acrescido da habitual explicação, no caso equivocada porque a versão foi literal. O artigo, aliás oportuno e recheado de informações relevantes, bem poderia ter passado ao largo dessa bobagem.

Embolaram

Pra não dizer que não falei ‘naquilo’ – as eleições do ano que vem, objeto da maioria das manifestações dos políticos e analistas na imprensa na semana ora encerrada –, transcrevo de Elmer Corrêa Barbosa o comentário sobre as trapalhadas do Psdb nas desastradas prévias em fim concluídas, cujas sequelas ainda estão por melhor avaliar-se.
Desta vez Elmer, que habitualmente disseca à exaustão fenômenos e fatos que tais, foi curto e duro:
– Os tucanos estão fora do páreo. Eles se encarregaram de embolar na largada.

Confissão tucana

No mesmo tema, recebo argutas observações do conterrâneo Ulisses Breder Ambrosio:
[…] Quanto à triste situação do Psdb, lembrei a autocrítica de Aluísio Nunes […]. Para ele o maior erro foi pedir recontagem dos votos quando da vitória de Dilma sobre Aécio, na eleição presidencial de 2014. Além de no Senado votar as ‘pautas-bomba’ e obstaculizar as medidas legislativas propostas por Dilma, tudo isso visando à inviabilização de um governo democraticamente eleito.

Como será?

Mui apropriadamente, encerro estas lucubrações com as conjeturas de Bartyra Soares, enigmática em suas perplexidades:
– Diante do espelho do tempo, de mão no queixo, tradicional atitude de quem pensa, acompanho o desfile dos versos e anversos dos fatos da nossa política […]. Lembro-me de um tempo, que já vai longe e de um samba-enredo […] que cantava: ‘Como será o amanhã?/responda quem souber’. Até o surgimento da terceira via, firme e determinada, tudo é imbróglio […].

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])

Artigos Relacionados