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ESPORTES

Advogados contestam parecer jurídico de Paulo Wanderely, que busca novo mandato no COB; entenda polêmica

27 de setembro, 2024 / Por: Agência O Globo

Documento se baseia em mudança de Estatuto de 2017, mas entidade permite apenas uma reeleição de presidente e gestores desde 2014

Advogados contestam parecer jurídico de Paulo Wanderely, que busca novo mandato no COB; entenda polêmica
Paulo Wanderley: presidente do Comitê Olímpico do Brasil, nos Jogos de Paris-2024 — Foto: Divulgação COB

A eleição para a presidência do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que será realizada na próxima quinta-feira, dia 3/10, está pautada no questionamento jurídico sobre a candidatura do atual mandatário, Paulo Wanderley, que busca um terceiro mandato. A pedido do GLOBO, advogados comentaram pontos polêmicos do documento e questionaram a tese do cartola.

O atual presidente do COB, que tem como vice Alberto Maciel Júnior, ex-presidente da Confederação Brasileira de Taekwondo, concorreria à segunda reeleição, uma vez que foi eleito ao lado de Carlos Arthur Nuzman, em 2016, e reeleito em 2020 — ele assumiu a presidência em 2017 após renúncia de Nuzman.

Mas Wanderley não entende desta forma e se baseia em parecer do jurista Lenio Streck para se legitimar como candidato. O documento, porém, está sendo bastante criticado no âmbito do esporte olímpico, entre outras razões, porque leva em consideração que “não havia limitação às reconduções à presidência na época em que Wanderley assumiu a gestão 2017-20”.

Apesar de ter sido alterado em 2017, o Estatuto do Comitê Olímpico do Brasil (COB) já estabelecia mandatos de, no máximo, oito anos para seus gestores eleitos desde fevereiro de 2014, segundo documento registrado à época pelo próprio COB junto ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas do Rio de Janeiro (RCPJ-RJ).

Procurada pelo Globo, a advogada Ana Paula Terra, que foi gerente jurídica do COB entre 2007 e 2020 e que subscreveu tanto o Estatuto de 2014 quanto o de 2017, disse que o laudo de Lenio lhe causou estranheza, ainda que a lógica com a qual ele elabora o parecer, ressaltando a importância das regras estatutárias no contexto, seja correta.

— Em alguns momentos ele menciona o fato de que o Estatuto é o marco zero da entidade. Ou seja, é ele que deve ser verificado para definição do tema porque retrata o desejo da instituição no momento de sua aprovação. E, em 2014, os membros da Assembleia Geral, o poder máximo da entidade, se reuniram e votaram a alteração estatutária que limitava mandato. Ocorrida em 2014, não sem razão, porque foi em 2013 que a legislação foi alterada, justamente com a inclusão do artigo 18A (Lei 9.615, a Lei Pelé), prevendo a limitação de mandato. A construção que parte da importância das regras estatutárias não é equivocada, mas a conclusão sim. Provavelmente porque partiu de uma premissa errada — opina a especialista, que hoje é consultora de entidades esportivas e atletas, dentre as quais a Associação Club Regatas Vasco da Gama (esportes olímpicos).

Ana Paula explica que o próprio parecer já dá as bases para o debate justamente por mencionar que “o marco zero a ser usado é o Estatuto”, não havendo dúvidas de que no Estatuto vigente à época da eleição, em 2016, já constava o limite de mandato.

Ao analisar o laudo, o advogado Raimundo Neto, ex-diretor de alto rendimento do Ministério do Esporte e subprocurador do Distrito Federal, afirma que não há uma vedação legal para que o COB “estabeleça regras de eleição e mandatos diferente do que dispõe a lei, até porque isso violaria a autonomia da instituição”. Contudo, há condições que a entidade deve atender para receber os recursos e uma delas é a limitação de mandatos.

— Neste contexto, a obrigação de limitação de mandatos não nasce da alteração estatutária, mas sim da Lei 12.686/2013. Aplicar entendimento diverso significaria subordinar a validade da norma à alteração estatutária, quando em realidade a fonte da obrigação é a lei — aponta Raimundo. — Não foi por outra razão que, em 2017, o COB assinou junto ao Ministério do Esporte, já sob a gestão do atual presidente, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que se comprometia a alterar seu estatuto para adequá-lo à norma, sob pena de ver-se privado do recebimento dos repasses da loteria.

Raimundo afirma que possibilitar um terceiro mandato a Wanderley seria ferir o próprio espírito da lei, cuja finalidade foi melhorar a governança das entidades, permitindo a democratização dos processos eleitorais e alternância de poder.

— Qualquer interpretação deve levar em conta a finalidade da norma, sob pena torná-la letra morta. Além do limite de mandatos, há limite da extensão temporal. Neste sentido, uma nova reeleição o daria um tempo de permanência maior na presidência do que prevê a lei (oito anos) — conclui Raimundo, especialista na área de fomento e desporto.

Momentos históricos

A confusão em relação aos estatutos pode ter relação com o fato de que as mudanças de 2014 e de 2017 são referências, momentos históricos tanto para a entidade quanto para o esporte olímpico no país.

A primeira acompanhou a Lei Pelé, delimitando os mandatos à presidência. À época, o COB convocou sua Assembleia Geral justamente com o intuito de alterar seu estatuto “em atendimento à Lei Federal nº 12.868/2013”. E Paulo Wanderley esteve presente à Assembleia como presidente da Confederação Brasileira de Judô.

E a segunda aconteceu logo após a prisão de Nuzman, suspeito de ter intermediado compra de votos de integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI) para a eleição do Rio como sede da Olimpíada de 2016. Foi um dos momentos mais desafiadores para a entidade e, por isso, o Estatuto passou por diversas mudanças, com o intuito de “democratização”. Foi quando se criou, entre outros, o Conselho de Ética e aumentou-se a participação dos atletas nas decisões da entidade. Mas não houve mudanças na questão da reeleição.

Segundo explica Lenio, seu laudo leva em consideração o Estatuto de 2017, posterior à eleição de 2016, quando Wanderley e Nuzman são eleitos para a presidência, por indicação de quem o contratou. E este é “o coração do parecer”, baseado inteiramente na premissa de que não existia limitação de mandato no COB em 2016.

Questionado sobre o marco zero para o laudo, o COB respondeu via nota que “a extinção da Presidência como Poder Interno do Comitê Olímpico do Brasil e a criação do Conselho de Administração, cujo presidente passou a ser o presidente do COB, criou novo marco normativo na Governança da entidade. Desta forma, a alteração estatutária de 2017 estabeleceu uma nova data de início para a restrição à reeleição aos Poderes do COB”.

— Entendo que se trata de um mero jogo de terminologias, já que a lei fala em presidente ou dirigente máximo, pouco importando se é chamado de presidente ou qualquer outro nome, já que não estamos tratando de cargo e sim de uma função. Entender de maneira diversa permitiria malabarismos terminológicos para driblar a norma, o que não me parece o mais adequado — opinou Raimundo.

Verba pública

Outra polêmica acerca desta candidatura diz respeito ao recebimento de verba pública. De acordo com legislação brasileira, “as entidades sem fins lucrativos componentes do Sistema Nacional do Desporto somente poderão receber recursos da administração pública federal direta e indireta caso seu presidente ou dirigente máximo tenham o mandato de até quatro anos, permitida uma única recondução” (cláusula prevista na Lei Pelé desde 2013).

A permanência de Wanderley no cargo impediria o COB de receber os repasses da Lei Agnelo Piva, o principal motor do esporte olímpico no país.

Porém, o Ministério do Esporte, órgão responsável por credenciar as entidades que cumprem a lei, não se manifestou a respeito. Desde o dia 11 de setembro, o GLOBO envia seguidamente perguntas à pasta sobre o tema e não obtém resposta.

Via nota, o Ministério diz apenas que “recebeu consulta do Comitê Olímpico Brasileiro que aborda o processo eleitoral da entidade e está analisando o conteúdo. Assim que a análise for concluída, o resultado se tornará público”.

O laudo de Lenio aponta que os recursos oriundos das Loterias foram acrescentados ao texto da Lei Geral do Esporte apenas em 2023. E que a partir desta data é que se exige a alternância de poder para seu recebimento. Diz o texto: “Logo, tratando-se se exigência nova, sem exigência anterior, que deve operar em benefício do Comitê Olímpico do Brasil inclusive na hipótese — totalmente legítima — de reeleição do Sr. Paulo Wanderley”.

— Ao abordar a inovação na Lei Geral do Esporte, o parecer ignora o fato de que o COB tanto aplicava o artigo 18A que, desde 2018, vem pedindo a renovação da certificação de registro cadastral. Ou seja, a interpretação da legislação no parecer do jurista não guarda relação com a prática — opina Ana Paula. — A Lei Geral do Esporte não revogou a Lei 9.615 (Lei Pelé); elas continuam coexistindo e a lei posterior só revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior, o que não foi o caso.

Raimundo também faz uma consideração sobre o artigo da Lei Geral do Esporte. Diz que há um pleonasmo, já que loteria é uma das formas de concursos de prognósticos, como previsto na Lei Agnelo Piva.

— Tal alteração legislativa não traz grandes mudanças legais. A Lei Agnelo Piva já previa 2% da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e similares para o fomento do desporto, conforme se pode observar do artigo 56, II da Lei Pelé, que fora preservado com a edição da Lei 13.756/2018.

TCU

Ainda sobre a polêmica em torno do repasse federal, o COB não considera esse recurso como verba pública, já que recebe por força da Lei Agnelo Piva. Mas admite que, ao distribuí-la, está sujeito às regras do Tribunal de Contas da União (TCU). Ou seja, o tratamento é de verba pública.

Via nota, o COB disse que “os recursos das loterias não passam pelo erário, não são repassados pela administração pública federal direta e indireta, conforme previsto no art. 18-A. Assim, jamais foi exigido do COB o cumprimento das regras ali previstas. Esse entendimento foi consolidado em parecer da CONJUR do próprio Ministério da Cidadania, à época responsável pela pasta do esporte. Portanto, ao buscar a chamada certificação do art. 18/18-A, o COB voluntariamente quis demonstrar que estava de acordo com a regras de governança”.

Questionado sobre o tema, o TCU, via assessoria de imprensa, discordou do entendimento do COB e afirmou que “os recursos das Loterias são públicos, pois pertencem à Caixa Econômica Federal e, portanto, à União”. Explica que “o TCU é responsável por fiscalizar a aplicação dos recursos públicos federais, inclusive dos recursos lotéricos repassados a entidades esportivas”.

Ainda segundo nota do COB, a entidade “jamais questionou a competência e a importância da fiscalização do TCU sobre os recursos das loterias, porém, sempre defendeu que tais recursos, embora sejam repassados em razão do previsto no art. 217 da Constituição Federal, possuem natureza própria”.


BS20240927141512.1 – https://oglobo.globo.com/esportes/noticia/2024/09/27/advogados-contestam-parecer-juridico-de-paulo-wanderely-que-busca-novo-mandato-no-cob-entenda-polemica.ghtml