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CULTURA

Agência O Globo -culturaVencedores do Prêmio Pipa 2024, Aislan Pankararu, Aline Motta, enorê e Nara Guichon fazem mostra no Paço Imperial

8 de outubro, 2024

Artistas expõem obras que são retrato da produção artística no Brasil contemporâneo, diz o curador Luiz Camillo Osorio

Agência O Globo -culturaVencedores do Prêmio Pipa 2024, Aislan Pankararu, Aline Motta, enorê e Nara Guichon fazem mostra no Paço Imperial
Nara Guichon, Aline Motta, enorê e Aislan Pankararu em mostra no Paço Imperial — Foto: Fabio Souza / Reprodução / Premio PIPA 2024

Mesmo com histórias tão diferentes, Aislan Pankararu, Aline Motta, enorê e Nara Guichon têm sua arte perpassada por uma característica em comum. Eles são um retrato da produção artística contemporânea, estruturada muito pela pluralidade poética. Vencedores da 15ª edição do Prêmio Pipa, eles apresentam, até 20 de outubro, alguns de seus trabalhos em uma exposição no Paço Imperial, ao lado de uma mostra comemorativa da premiação.

À frente da curadoria do Instituto Pipa há quase dez anos, Luiz Camillo Osorio conta que os próprios artistas escolheram as obras que desejavam expor no local. Ele afirma que os quatro nomes têm um “esforço de introduzir elementos poético visuais” na História da Arte — que, antes, “estava centrada em ser ocidental”.

— Um prêmio de arte é um termômetro de cada ano que passa. Tem que revelar justamente essa temperatura que vai se alterando na produção visual, nas corporeidades e subjetividades, que aparentemente eram marginais. Mas são integrantes da arte brasileira, que é plural. É feita por Brasis — diz ele sobre o prêmio, idealizado junto com Roberto e Lucrécia Vinhaes, fundadores do Instituto Pipa que atua na documentação e desenvolvimento da arte contemporânea, no Rio de Janeiro.

Logo ao entrar no Terreiro do Paço, o olhar do visitante percorre por obras que marcam a carreira de Aline Motta, enorê e Nara Guichon, finalizando na pintura inédita de Aislan Pankararu, com 6m de largura e 3,8m de comprimento, tomando uma extensa parte da parede.

Obra enorê, vencedora do Prêmio PIPA 2014. Foto: Reprodução / Prêmio PIPA 2024

Médico por formação, Pankararu diz ter mergulhado no universo das células para compor a obra, buscando referências de pinturas corporais de seu povo, natural de Pernambuco. A tela, segundo ele, foi criada no chão de seu ateliê em São Paulo (“Não tinha espaço para colocá-la”, brinca) em cerca de um mês e meio, durante o momento de alegria ao ser escolhido pelo prêmio.

— Essa obra traz três bagagens minhas. Quis trazer muita cor, que vibrasse e lembrasse a minha felicidade. Traz o universo de onde vim com um destaque para a caatinga, além de trazer referências da cultura corporal do meu povo, sintetizada do meu jeito — afirma ele, olhando para a tela com um sorriso no rosto. — (A criação) foi um processo orgânico, que foi sendo preenchido. Intuitivo. Não tinha tanto planejamento, não fiz desenho de apoio.

Ali ao lado direito estão algumas obras de enorê. São faces e mãos, membros apartados do restante do corpo, criados por tecnologia de impressão 3D. E este corpo que se aparece em pedaços ao longo do Terreiro não é de ninguém mais a não ser do próprio artista.

— É tudo eu. Só uso o meu corpo nos meus trabalhos. É meu rosto, minha mão. Claro que em diversas configurações. É um processo meio esquisito porque comecei a fazer como se fosse uma objetificação, de escanear meu corpo, transformar em arquivos digitais e manipulá-los, criando diferentes visões de tal forma que, quando olho, não vejo um autorretrato. Sou eu ultraprocessado — conta, com voz tímida mas acelerada.

Aline Motta, por sua vez, leva a instalação “Corpo celeste III”, cujas animações no chão mostram um círculo fatiado em quatro com símbolos de astros e animais que voam, caminham e rastejam pelo solo. Cada quadrante se explica por cada fase da vida terrestre até a chegada da “hora grande”, à meia-noite. Ao lado, há um livro com provérbios impressos em idiomas falados em Angola e Congo. A obra, que pertence à coleção da Pinacoteca de São Paulo, havia sido exibida no Sesc Pompeia, na capital paulista, em 2020. Porém, foi pouco vista por causa do período de isolamento social, que surgiu logo em seguida. Ela tem agora a chance de alcançar mais pessoas.

Obra de Alne Motta. Foto: Reprodução / Prêmio PIPA 2024

— (A instalação) é um jeito de ver a vida, de pensar a nossa passagem na Terra — explica Aline, quando ainda estava preocupada se os visitantes da mostra iam ouvir a música baseada em uma congada, que toca durante a projeção. — Digo que meu público-alvo são as crianças. Quando comecei a ter contato com o Cosmograma Bakongo, parecia que tinha uma primeira vez com algo que eu já conhecia. Alguém sistematizou aquilo que já era incorporado na minha cultura.

Com criações expostas em paredes e no chão e outras sustentadas por cabos no meio do espaço, Nara Guichon queria fazer uma exposição grandiosa. Conseguiu. Mas ainda não tanto como as que um dia pretende fazer. A artista, que tem uma produção baseada em trabalhos feitos com redes de pesca (“de poliamida, que é macia, rica, um material nobre”) jogadas ao mar, tem intenção de apresentar suas criações como se fossem “infinitas”, assim como seria o lixo oceânico.

Obra de Nara Guichon, em exposição no Paço Imperial. Foto: Reprodução / Prêmio PIPA 2024

— As obras vieram principalmente pelo tamanho delas. Um dia quero fazer obras maiores, porque elas ainda não chegam a ser portentosas. A ideia é mostrar como o lixo oceânico é infinito. Quero mostrar como as obras podem ser infinitas também — diz.

Com quatro décadas na confecção de roupas, a artista teve a virada de chave em sua carreira em 2017. “Não quero mais colaborar com isso”, afirmou ela à época sobre a produção de roupas em série. Ela acreditava que por meio da arte conseguiria atingir um número maior de pessoas do que com a criação de um vestuário sustentável.


BS20241008174506.1 – https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2024/10/08/vencedores-do-premio-pipa-2024-aislan-pankararu-aline-motta-enore-e-nara-guichon-fazem-mostra-no-paco-imperial.ghtml