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Amor dos dindos

23 de novembro, 2023

Tenho horror a essa legenda de instagram. Lembro bem nitidozinho da primeira vez que ouvi alguém dizer da dinda. Achei bonito. Lembrei de Dindinha, avó […]

Amor dos dindos

Tenho horror a essa legenda de instagram. Lembro bem nitidozinho da primeira vez que ouvi alguém dizer da dinda. Achei bonito. Lembrei de Dindinha, avó de minha mãe. Lembrei do povo que chama a avó de nona aqui em São Paulo, ou dos que chamam de voinha lá em Recife. É carinhoso, fofinho. O que me pega é a transformação do que é característico de um lugar ou de um grupo de pessoas em sinônimos substituto generalizado. Ninguém usa madrinha mais, padrinho nem pensar. Do dia pra noite. Chatice minha, eu sei. Cada um que chame como quiser e eu não tenho nada a ver com isso. Mas tenho horror.

Já dos meus padrinhos gosto bem. Mais do que isso, nutri uma admiração enorme por eles desde que me lembro. Uma curiosidade de uma vida que era em muito diferente da nossa. Olhando agora da perspectiva de uma adulta, nem era tão diferente assim. Mas os dois simbolizavam, pra Roberta pequena, a vida livre. Trabalhavam, cuidavam dos filhos, que nem meu pai e minha mãe. Mas só nos víamos nos fim de semana e nas férias e eu tomava o bronzeado da família como ilustração de viver bem. 

Moravam, e moram até hoje (os pais, os filhos já adultos, cada um na sua casa), em um prédio em Piedade, o nome do prédio é lindo que nem eles todos e tem alguma coisa com mar, ou talvez seja Vila da praia, não me lembro agora. Uma vez eu fui visitar e meti a cabeça em uma porta de vidro no térreo, doeu, eu chorei. Meu padrinho disse que várias pessoas já tinham batido a cabeça ali, mas agora que “minha afilhada bateu, isso não vai ficar assim de jeito nenhum, vou mandar providenciar um adesivo. Nunca mais essa porta vai te machucar, prometo”. Tio Nando tem essa coisa de fazer a gente se sentir especial, sempre teve. Outra vez eu voltei do veraneio com um bicho de pé e tia Neneca me sentou numa cadeira e chamou tio Nando de auxiliar cirúrgico para o procedimento. “Álcool”. “Não tem”. “Álcool não. É o pé da ´minha afilhada´, lavanda Johnson´s”. “Deixa comigo”. E pôs-se a cavucar o pé crequento, mal esterilizado e recém-cheiroso até tirar o que tinha que sair. Eu achei aquilo tão mágico.

Lembrei disso agora vendo um chá de revelação de dindos no instagram. Vários casais convidados fazendo gincana e os pais estourando balões no final pra dizer dos escolhidos. No último vídeo do carrossel, os dindos com medalha de ouro no peito mandam um recado pro bebê que ainda nem nasceu: “Se deu bem, a gente vai te amar melhor do que aqueles lá”, riem e apontam pro casal com medalha de prata e faixa de dindos de consagração. Achei triste, sabe? O amor não se presta a ranking, nem a medalha. Pode estar no galo da testa e no band aid do pé, na Vila da praia, no bronzeado, nas férias e no fim de semana. Sei lá. É mais simples, precisa fazer gincana não. Aproveito pra mandar um beijo pra tia Neneca, Tio Nando, Manu, Fernandinho e Cari. Amo vocês com cheiro de mar e lavanda Johnson´s.

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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