POLÍTICA
Após pressão eleitoral de bolsonaristas, pastores tentam redefinir relação com o ex-presidente
4 de novembro, 2024 / Por: Agência O GloboPastores de grandes denominações, como a Assembleia de Deus de Madureira e a Igreja Universal do Reino de Deus, expressaram descontentamento nas eleições municipais
Líderes de igrejas evangélicas, antes pressionados a apoiar candidatos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições, agora criticam a influência da direita política entre os fiéis. Embora a maioria ainda mantenha relações com Bolsonaro e evite confrontos diretos, lideranças dessas congregações buscam se afastar do bolsonarismo, também encampado pelo discurso antissistema de Pablo Marçal (PRTB) em São Paulo.
Pastores de grandes denominações, como a Assembleia de Deus de Madureira e a Igreja Universal do Reino de Deus, expressaram descontentamento com a pressão imposta por bolsonaristas durante as eleições municipais. No Rio de Janeiro, por exemplo, apoiadores de Alexandre Ramagem (PL) acusaram pastores que não aderiram ao candidato bolsonarista de “se venderem” para Eduardo Paes (PSD).
A crítica foi especialmente direcionada ao pastor Cláudio Duarte, organizador da Marcha para Jesus, e ao bispo Abner Ferreira, líder da Assembleia de Deus de Madureira no Rio, ambos vistos apoiando Paes. Até mesmo aliados próximos de Bolsonaro, como o pastor Silas Malafaia, que também não apoiou Ramagem, foram alvos de críticas de deputados do PL.
Ligado à igreja de Abner, o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) verbalizou o incômodo e disse que políticos de direita passaram a tratar o eleitorado evangélico como “um grande filão na política”.
— Até pouco tempo atrás, o eleitor evangélico não era enxergado pela política. Agora, muitos passaram a dizer a esse eleitor que quem vota em um lado do espectro político é de Deus, e quem não vota é do diabo. Minha luta é para devolver a igreja ao lugar onde sempre deveria ter estado, de representante do Senhor, e não de um lado político — afirma o parlamentar.
‘Aquele manipulador’
Malafaia, por sua vez, preferiu direcionar críticas a Marçal, a quem acusa de tentativas de “manipular” o eleitorado evangélico. Com apelo ao discurso religioso, o candidato do PRTB angariou amplo apoio de fiéis, conforme as pesquisas de intenções de voto, e quase foi ao segundo turno, apesar de a maioria das grandes lideranças evangélicas, como Malafaia, estar ao lado do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
— Aquele manipulador de São Paulo diz que eu recebi R$ 1 milhão do prefeito do Rio. Olha que insinuação perversa. É mentira. Há 12 anos eu não apoio ninguém à prefeitura do Rio no primeiro turno — rebate Malafaia.
Além de criticar Marçal e acusá-lo de atacar pastores, Malafaia repreendeu publicamente parlamentares bolsonaristas como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que é evangélico, por insinuarem que o apoio a Nunes era o mesmo que se dobrar “ao sistema”. Reservadamente, integrantes de igrejas afirmam que a agressividade do bolsonarismo “raiz” em cobrar alinhamento de pastores foi mal digerido por essas lideranças, o que levou a ajustes sutis de discurso.
A Igreja Universal, por exemplo, que em 2022 veiculou em seu jornal a mensagem de que “cristão não vota na esquerda”, passou a adotar em canais oficiais, após as eleições municipais, o discurso de que a igreja “não pode ser nem de esquerda, nem de direita”.
Coordenador do Grupo Arimateia, braço de orientação política da Universal, o bispo Alessandro Paschoall criticou a adesão de fiéis ao “pessoal que cita versículo” para inserir coloração religiosa em um discurso de “lutar contra o sistema”. Paschoall, que recebeu críticas por declarar apoio a Nunes, argumentou, como resposta, que “o anticristo virá sob a forma de um evangélico”, referindo-se a pessoas que se passam por religiosas sem estarem de fato alinhadas às igrejas.
— Quantas pessoas foram às minhas redes sociais dizendo: “Eu sou da Igreja Universal e nunca mais vou (te) apoiar”. Gente que cai nos lobos de rede social, que usa esses espaços para se promover, que usa o discurso conservador sem ser conservador — pontuou Paschoall, em um podcast veiculado após o primeiro turno.
Crítica à ‘radicalização’
Um dos representantes da Universal na eleição carioca, o pastor Deangeles Percy (PSD) avalia que foi atrapalhado nesta eleição por uma radicalização política em nível local. Dado o tom agressivo da campanha entre Paes e Marcelo Crivella, bispo da igreja, em 2020, ele diz que muitos fiéis não entenderam sua filiação ao PSD, partido do atual prefeito, embora o movimento tenha sido costurado com a cúpula da igreja.
Deangeles, que acabou ficando na primeira suplência do partido na Câmara de Vereadores, prefere minimizar o patrulhamento nas redes sociais, embora reconheça sua existência:
— Não vale a pena debater com quem falta com o respeito. Quando vinham me criticar desta forma, eu apenas bloqueava, para não dar palanque.
Em uma eleição que registrou o encolhimento da bancada evangélica no Rio, uma das exceções foi o pastor Everaldo Pereira, ligado às Assembleias de Deus, que ajudou a eleger o irmão, Marcos Dias (Podemos), a um mandato inédito na Câmara de Vereadores.
Dias, que foi secretário municipal de Integração Metropolitana na gestão de Paes na capital fluminense, não restringiu a campanha a igrejas evangélicas e chegou a posar também com sacerdotes católicos. Na avaliação de Everaldo, o incômodo de líderes evangélicos não é propriamente com o bolsonarismo, e sim com o “radicalismo”.
— O patrulhamento dos radicais, tanto de direita quanto de esquerda, não presta para a democracia. E isso aumentou exponencialmente nos últimos anos — afirma.