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Repercussão negativa, bancada evangélica admite adiar votação do PL do Aborto na Câmara

17 de junho, 2024 / Por: Agência O Globo

Projeto que equipara a interrupção da gravidez após a 22ª semana ao crime de homicídio vem sendo alvo de manifestações da sociedade civil

Repercussão negativa, bancada evangélica admite adiar votação do PL do Aborto na Câmara
Oração da bancada evangélica no Congresso: divergências políticas têm reflexo na escolha do novo dirigente — Foto: David Ribeiro/Câmara dos Deputados

Alvo de protestos nas ruas e de forte reação contrária nas redes sociais, o projeto que equipara o aborto após a 22ª semana ao crime de homicídio deve ter sua votação postergada na Câmara. O autor do texto, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da bancada evangélica, admite que a análise no plenário pode ser deixada para o fim do ano, após as eleições municipais. O governo, que não se opôs à aprovação da urgência para a tramitação da proposta, na semana passada, agora afirma que vai atuar para barrar o avanço da iniciativa no Congresso.

A senha de que a proposta seria colocada na geladeira já havia sido dada pelo próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Após promover uma votação relâmpago — de apenas 25 segundos — para a urgência do projeto, ele disse que não havia previsão de quando será definido um relator nem quando o mérito do texto será colocado em pauta. O deputado do PP foi um dos principais alvos dos protestos, desde a semana passada, por ser quem controla a pauta da Casa.

O fim de semana foi marcado por novas manifestações contra o projeto pelas ruas do país em ao menos oito capitais. Ontem, protestos ocorreram em Vitória e Palmas. No sábado, outras seis cidades foram palcos de atos, a exemplo de São Paulo e Belo Horizonte.

Após a repercussão negativa, Sóstenes adotou discurso semelhante ao de Lira. Segundo o deputado do PL, apesar da aprovação da urgência, que prevê votação a partir da sessão seguinte da Câmara, não há pressa para que a iniciativa seja pautada. Sóstenes afirma que o projeto é uma promessa feita por Lira a evangélicos quando ele se candidatou à reeleição no comando da Casa, em 2021, e que ele tem até o fim do ano, quando acaba seu mandato, para cumprir.

— Não estou com pressa nenhuma. Votei a urgência e agora temos o ano todo para votar isso. O Lira tem compromisso conosco e ele pode cumprir até o último dia do mandato dele — disse o parlamentar, que já presidiu a Frente Parlamentar Evangélica, a bancada da Bíblia. — Se não cumpre fica difícil de pedir apoio (para o candidato à sucessão).

O apoio de Lira a iniciativas caras ao bolsonarismo na Câmara tem sido lido por parlamentares como uma tentativa do presidente da Casa de fidelizar o apoio do PL e fortalecer a candidatura de um aliado para sucedê-lo no cargo. O partido de oposição possui 95 deputados, a maior bancada, e terá um papel decisivo na disputa interna, marcada para fevereiro de 2025. Procurado, Lira não se manifestou.

O autor do projeto ainda minimiza os protestos contra sua proposta e critica o fato de o governo ter entrado em campo para tentar barrar a iniciativa após ter “lavado as mãos”. Segundo ele, sua estratégia para fazer o texto avançar será a de “jogar parado”.

— O governo está dando corda para as feministas nesse assunto, elas estão desesperadas. Eu estou muito calmo, deixa elas sapatearem. Eu já ganhei, votamos a urgência, sem nominal, ninguém chiou, tudo caladinho, tudo dominado, dominamos 513 parlamentares. Eu sei jogar parado, eu jogo parado — disse Sóstenes.

O deputado do PL se refere à falta de resistência para dar rito acelerado ao projeto. A urgência foi aprovada de forma simbólica — quando não há o registro de como cada deputado votou —, mas sem oposição do PT e de partidos da base aliada. Antes da votação, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), chegou a afirmar que a questão “não é matéria de interesse do governo”, como revelou a coluna de Malu Gaspar.

Nos bastidores, a posição do governo foi interpretada por líderes de bancada como uma tentativa de evitar desgastes com o público evangélico, de quem o presidente Lula gostaria de se reaproximar. Sóstenes chegou a afirmar ao jornal “Folha de S.Paulo” que a votação seria “um bom teste para o Lula provar aos evangélicos se o que ele assinou na carta era verdade ou mentira”. O deputado se referia ao documento assinado pelo então candidato do PT à Presidência nas eleições de 2022, no qual o petista afirmava ser contra o aborto.

O deputado do PL é próximo do pastor Silas Malafaia, que é seu companheiro de igreja na Assembleia de Deus Vitória em Cristo e um dos principais aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Governo entra em campo

A escalada dos protestos contra o projeto, contudo, fez o governo reagir. Dois dias depois da aprovação da urgência na Câmara, a primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, foi a primeira a criticar o projeto nas redes sociais, sendo seguida por todas as ministras mulheres do governo. Em viagem à Europa, Lula inicialmente evitou se posicionar, mas mudou de ideia no sábado e chamou a proposta de “insanidade”. O petista afirmou ser contra o aborto, mas disse que é preciso tratar o assunto como uma questão de saúde pública.

O líder do governo na Casa também mudou de discurso e agora diz que vai procurar integrantes da bancada evangélica para demovê-los da ideia de aprovar a proposta. Ele usará como um dos argumentos a intensa mobilização da sociedade e protestos em todo país contrários ao texto.

— Vamos dialogar com eles, mostrar tudo que ocorreu no país e que é aconselhável toda bancada evangélica recuar, porque isso cria uma crise sem precedentes em uma questão que é de saúde pública. Vou conversar com eles para recuar, o momento exige isso. Eles não imaginavam o tamanho disso. Sou contra o projeto e vamos sugerir que essa matéria não seja discutida, que voltem atrás — afirmou Guimarães.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), afirma que apesar de a base governista não ser suficiente para barrar a proposta, também fará uma ofensiva na Câmara para impedir que o projeto seja levado à votação.

— Como não temos maioria, foi pautada (a urgência). Vamos fazer todos os esforços para não pautar (o mérito). Conversar com os partidos e com parlamentares possíveis de conversar — disse ela.

Integrantes da articulação política do governo dizem que o acordo fechado pelo presidente da Câmara e os líderes da Casa foi para aprovar a urgência, mas que não há entendimento para aprovar o texto em si.

Além de endurecer a punição a mulheres que realizam aborto, o projeto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para que a prática seja feita de forma legal. Atualmente, não há a previsão de tempo no Código Penal. No Brasil, o aborto é permitido em casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). (Colaborou Luísa Marzullo)¨.


BS20240617073020.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/06/17/apos-repercussao-negativa-bancada-evangelica-admite-adiar-votacao-do-pl-do-aborto-na-camara.ghtml