VARIEDADES

Após sucesso em ‘Pantanal’, Almir Sater e o filho Gabriel falam de primeira turnê, que chegará ao Carnegie Hall, em NY

1 de setembro, 2025 | Por: Agência O Globo

Músicos viajam pelo Brasil e depois vão à casa nova-iorquina. Clássico ‘Tocando na Frente’ está no repertório: ‘É um hino, né? Peço autorização aqui, em três vias autenticadas, para, humildemente, fazer essa homenagem’, diz Gabriel

Amir e Gabriel Sater: pai e filho em “Pantanal”
Amir e Gabriel Sater: pai e filho em “Pantanal” — Foto: Divulgação/João Miguel Jr./Globo

“A música é muito possessiva”, alerta o violeiro, cantor e ator Almir Sater, 68, artista mato-grossense que viu a fama nascer por causa das habilidades na viola e se ampliar a partir de 1990, quando interpretou o peão Trindade na primeira edição da novela “Pantanal”, de 1990. Hoje, não só a viola, mas seu canto, sua voz e seu rosto estão entre os mais reconhecidos do Brasil, quase como um símbolo daquilo que o interior tem de mais típico, acolhedor e amado.

— Às vezes, quero dar um tempo para a minha mão, passo uns 10, 15 dias sem mexer no instrumento. A mão sente um pouco, os calos sentem. Nós precisamos de calos, porque as cordas são de aço! — ensina, por videochamada, esse Almir que se prepara para cair na estrada de novo, só que agora em muito boa companhia.

Pela primeira vez, ele fará uma turnê com o filho Gabriel, 43, também cantor, violeiro e ator, com quem, por sinal, contracenou no remake de “Pantanal”, em 2022. “Pai e Filho”, a turnê, estreia dia 10 de outubro, na Arena Farma Conde, em São José dos Campos, e depois segue por Campinas (dia 11, no Royal Palm Plaza), Ribeirão Preto (18, no Multiplan Hall) e Rio de Janeiro (28 de novembro, no Qualistage). Ano que vem, pai e filho seguem pelas principais cidades do Brasil e dos EUA (tocam em Boston e no mítico Carnegie Hall de Nova York).

Almir conta que, na pandemia, a família inteira foi para o Pantanal, morar na fazenda do músico. E logo veio o convite para que os dois participassem da nova edição de “Pantanal”, a ser filmada por ali. Foi o começo de uma aproximação maior com Gabriel, que, assim como os irmãos, sempre se esquivou de trabalhar com o pai.

— Tem até um do meio, que hoje é meu guitarrista. Eu insistia muito e ele falava: “Não vou trabalhar com o pai, não!” (risos). Eu disse então: “Vou te apresentar com o sobrenome da sua mãe”. E ele: “Ah, tá bom.” — proseia Almir. — (Eu e Gabriel) nunca pensamos fazer uma turnê juntos. Quando o Vibra comprou um show nosso, eu falei: “Ó, nós não temos um show juntos”. E eles: “Não, cada um faz o seu.”

Almir confessa que, no começo, os dois ficaram assustados com a proposta, ainda mais porque o plano era para fazer um total de 60 shows — mas ao longo de dois anos. Ele já tinha feito um duelo de violas com Gabriel em “Pantanal”, na pele dos personagens Eugênio e Xeréu Trindade.

— Nós ensaiamos aquilo um mês inteiro. Todo dia a gente tocava aquele duelo. Foi legal, saiu muito bonito… mas com personagem é mais fácil, né?

Os violeiros, cantores  e atores Almir e Gabriel Sater, que iniciam dia 10 de outubro, em São José dos Campos a turnê de “Pai e Filho”, seu primeiro show conjunto — Foto: Divulgação/Renato Pagliacci
Os violeiros, cantores e atores Almir e Gabriel Sater, que iniciam dia 10 de outubro, em São José dos Campos a turnê de “Pai e Filho”, seu primeiro show conjunto — Foto: Divulgação/Renato Pagliacci

Referência lendária

Gabriel diz que, se desde criança seguiu o caminho artístico, foi por ter “essa referência lendária em casa, que realmente mudou minha humilde vida”.

— “Pantanal” foi um divisor de águas na minha carreira, assim como foi na dele, mais de 30 anos atrás. E foi uma situação muito feliz, porque nos aproximou ainda mais. — conta ele. — Cresci como aquele filho fã mesmo, nos shows dele eu me arrepiava com aqueles solos de viola.

Filho do festeiro Fuard Abdo Sater, “o único sambista de Campo Grande”, Almir conta ter descoberto a viola caipira quando era estudante universitário no Rio, num dia em que passava pelo Largo do Machado:

— Eu só conhecia a viola pelo rádio, e nunca tinha visto uma. Sou da fronteira com o Paraguai, o que tinha lá era harpa paraguaia, acordeom, violões… então, quando vi esses violeiros, falei: “Esse é o instrumento que eu quero!” Vendi meu violão de 12 cordas, comprei uma viola caipira e fui para o interior. Um amigo meu decidiu ir embora também, montamos uma dupla caipira de brincadeira e aí começou nossa vida de violeiros.

Um encontro com o ídolo Tião Carreiro em São Paulo rendeu a Almir sua primeira participação em um LP (“eu não fazia parte daquele mundo sertanejo, mas com aval do Tião, as porteiras se abriram”). Depois, conquistou o reconhecimento na cena paulistana da música instrumental e, nos anos 1980, se apresentou até no Free Jazz Festival.

— Eu era muito diferente dos violeiros daquele momento, e estava quase seguindo uma carreira no instrumental. Aí veio “Pantanal”, que me pôs o pé no chão de novo. Aí achei que era melhor tocar por esse Brasilzão todo do que sair viajando sempre sozinho com uma viola — alega.

Logo ali, Almir comporia com Renato Teixeira “Tocando em frente”, eleita recentemente, por um júri reunido a pedido do GLOBO, a 72ª maior canção brasileira dos últimos cem anos.

— “Tocando em frente” é uma música que bate no inconsciente coletivo, é uma música muito simples, qualquer um pode tocar. E às vezes o mais difícil é você fazer uma coisa simples, que emociona. Fomos felizes. Mas na verdade, o mérito é todo do Renato Teixeira, porque o que faz sucesso é a letra. Acho que a música embrulha, embala, mas a letra é que fixa — elogia Almir, que não precisou cantar mais que duas estrofes da música ao telefone para que Maria Bethânia resolvesse gravá-la. — Nunca ninguém fez sucesso com essa música, ela foi se firmando. A Betânia gravou ela maravilhosamente bem, definiu a música, mas não fez com ela o sucesso que a música e que a Bethânia mereciam. Assim, todo mundo que gravava ia reforçando a música, e hoje em dia ela se firmou.

Gabriel fez questão de dividir “Tocando em frente” com Almir em “Pai e filho”:

— É um hino, né? Um hino que emociona, que tem história por trás. E eu só consigo cantar composições de outros compositores com as quais eu me conecto, como foi com “Amor de índio” (de Beto Guedes e Ronaldo Bastos) quando fui gravar com o mestre João Carlos Martins (faixa incluída na trilha de “Pantanal”). Ter a petulância de colocar a mão em algum clássico sagrado é muita responsabilidade. Por isso, peço autorização aqui, em três vias autenticadas, para, humildemente, fazer essa homenagem no show.

Almir: ‘acho que, na música, o prazer vem na frente’

Graças às conexões musicais do filho, Almir Sater acabou se tornando parceiro de um de seus ídolos, Luiz Carlos Sá (Gabriel já era parceiro de Sá e os dois têm umas 30 músicas juntos, que devem virar um álbum conjunto e uma turnê).

— A primeira vez que vi num disco escrito “viola caipira”, foi num disco do grupo Sá, Rodrix & Guarabyra! Falei pro Gabriel: “pô, no dia que o Sá aparecer, eu moro em frente, arrasta ele para cá que eu vou deixar uma melodia pronta!” — conta.

Hoje, o violeiro pai se divide entre o seu sítio em São Paulo e a sua fazenda na Serra de Maracaju, no Mato Grosso do Sul.

— Há 30 e poucos anos, o meu sonho era morar no mato, e eu consegui realizar esse sonho. Fundei uma fazenda lá do nada e hoje a gente praticamente vive de fazenda também. Gosto muito de estar no mato, mas não de ficar sem fazer nada, que é uma coisa meio ociosa. Eu gosto de trabalhar! — assegura. — Sou um produtor de bezerros, e o Pantanal precisa do gado, porque é um lugar muito quente, de vegetação nativa. E quando você não tem gado, a vegetação nativa vira uma macega muito alta, qualquer caco de vidro acende o fogo, qualquer moto que dá uma reduzida e solta uma faísca causa um incêndio. Então assim, o boi, a vaca, eles são muito parceiros do Pantanal.

Vivendo um sonho

Se o assunto é campo, Gabriel Sater diz que nunca tinha se conectado tanto com a sua espiritualidade antes de ter ido morar no mato, perto do pai, num condomínio ecológico em São Paulo.

— Estou vivendo o sonho de um filho de um pantaneiro que cresceu no Pantanal, que ama o Pantanal, só que um pouquinho mais próximo da civilização, para poder tomar conta da carreira — justifica-se. — A gente trabalha de forma independente, eu tenho minha produtora, então tenho que ficar trabalhando incessantemente, porque o artista da nova geração tem que emendar um projeto no outro. Mas, quanto mais perto estou da natureza, mais perto do Divino me sinto.

Interpretar Xeréu Trindade (e, de quebra, o Cramulhão) no remake de “Pantanal” foi, diz Gabriel, “o projeto com que mais sonhei, o que mais quis nessa vida”:

— Eu brinco que, quando fiquei sabendo da novela, comecei a fazer minhas orações todo dia, sonhando em fazer o teste para esse papel. Meu pai falou: “Olha, não vou me meter nisso aí.” E eu: “Não, pai, fica tranquilo”. Felizmente o teste chegou. A gente é parecido nesse sentido, a gente não consegue, sabe, pedir alguma coisa para alguém, constranger alguém para tocar a música no rádio…

Já Almir se alegrou com o papel do Turco Rachid no remake de “Renascer”, no qual pôde recuperar as raízes libanesas de sua família.

— Comecei a imitar as minhas tias, foi fácil interpretar o Rachid. Campo Grande é uma ilha de árabes cercada de japoneses por todos os lados. Quando essa novela passou pela primeira vez, meus parentes adoravam o Rachid e ficavam comentando o que que ele fazia, e a gente começava a imitá-lo. Aí o Bruno (Lupieri, que adaptou a obra do avô, Benedito Ruy Barbosa, para o remake) falou assim: “Como é que você imitava o Rachid?” Aí eu fiz um pedacinho e falou: “Se você quiser, o papel seu.” — conta ele, Almir, que não pestanejou em aceitar. — Ninguém acreditou. Disseram até: “Você tá louco? Rapaz, você não é ator, você faz aqueles papeizinhos que parecem com você de viola, bota e chapéu!” E eu falei: “Não, vou fazer isso aí.” E aí, a partir do Rachid, começaram a me chamar até de ator. Melhorei um pouco. Foi o primeiro papel em que eu pude brincar com o humor. Acho que foi o papel que eu mais gostei de fazer.

De volta à viola caipira, Almir diz não ter compromisso com a preservação das raízes musicais brasileiras, ao qual seu trabalho é frequentemente associado.

— Olha, eu faço isso tudo por amor, por gosto, eu gosto disso — garante. — É igual a quando me perguntam: “por que que você mora no mato?” Porque eu gosto. Por que eu toco viola? Porque da primeira vez que eu escutei uma viola, com aquele som meio de sitar, meio mântrico, eu adorei. Então, foi por causa daquele som. Não quero defender nenhuma bandeira, nada disso. É só prazer. Acho que, na música, o prazer vem na frente.



BS20250901063024.1 – https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/09/01/apos-sucesso-em-pantanal-almir-sater-e-o-filho-gabriel-falam-de-primeira-turne-que-chegara-ao-carnegie-hall-em-ny.ghtml

Artigos Relacionados