ARTIGOS
As guerras no mundo e as guerras ignoradas no Brasil
8 de dezembro, 2023Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia
Em pleno século XXI, o mundo ainda se defronta com os horrores da guerra, como se os dois grandes conflitos mundiais do século passado, somados às guerras do Vietnã, das Malvinas e do Golfo, para citar somente algumas, não tivessem sido suficientes para desnudar o sofrimento humano imposto pelas disputas bélicas.
Há quase um mês vimos assistindo à guerra entre Israel e Hamas/Gaza, eclodida após o ataque terrorista do Hamas, com um saldo sangrento de cerca de 15 mil vítimas fatais; crianças decapitadas; idosos torturados; mulheres violentadas, espancadas e depois assassinadas; centenas de cidadãos sequestrados; vidas abreviadas, famílias dizimadas e cidades destruídas.
A barbárie se repete e se propaga, a ponto de praticamente colocar em segundo plano das atenções mundiais a invasão da Rússia à Ucrânia, conflito que já dura cerca de 19 meses, com bombardeios aéreos, disparos de mísseis, operações da infantaria e da esquadra naval, tudo desafiando a diplomacia mundial. Não bastasse a crueldade que o conflito representa por si só, ainda ressuscitou o fantasma da utilização de armas nucleares, ameaça que parecia adormecida desde o fim da Guerra Fria.
Momentaneamente ofuscado no noticiário, o conflito entre Rússia e Ucrânia já soma cerca de 560 mil vítimas, entre mortos e feridos, segundo divulgou o jornal norte-americano The New York Times. Do lado russo, são 120 mil militares mortos e outros 180 mil feridos. Entre os ucranianos, 70 mil militares e 60 mil civis mortos, e 130 mil pessoas feridas. A infraestrutura está em ruínas e muitas cidades foram destruídas por completo. Um saldo estarrecedor em todos os aspectos.
Em menos de dois anos, o conflito no leste europeu já consumiu cerca de US$ 800 bilhões e especialistas especulam que os gastos dessa guerra podem chegar à cifra recorde de US$ 1 trilhão, o correspondente a cinco vezes o Produto Interno Bruto (PIB) da Ucrânia. Como se vê, os custos financeiros e humanos são tão grandiosos quanto o ódio que alimenta a beligerância entre países, seja por questões históricas, econômicas, territoriais ou religiosas, ou mesmo pela estupidez de alguns governantes.
A par dessas guerras declaradas, noticiadas praticamente em tempo real pelas redes de comunicação mundiais, uma outra guerra se desenrola: a da informação não profissional, com batalhas de narrativas travadas por simpatizantes de ambos os lados, cada qual tentando impor a sua versão, tomada como verdade absoluta.
O Brasil, felizmente, não se envolve em conflitos bélicos desde a Segunda Grande Guerra. República federativa que possui a democracia em seu DNA, tem no preâmbulo da Constituição Federal de 1988 “a instituição de um estado democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos fundados na harmonia social e comprometida na ordem pacífica, interna e internacional”.
Mas como explicar, no âmbito internacional, um país democrático tem entre seus principais aliados os países do Brics que a cada dia se expande com a inclusão de nações avessas à democracia, além de acolher países com regimes totalitários, como Irã e Arábia Saudita?
Há, ainda, outro dilema a ser considerado: o de um país que é pacífico, porém não enxerga suas guerras internas, que estão sendo perdidas por se ignorar suas feridas e suas vítimas. Elas existem, embora o Brasil figure entre a 8ª e 9ª posição entre as maiores economias do mundo, possua a 5º maior extensão territorial entre os países e abrigue a 7ª maior população do planeta. Um país gigante e cheio de riquezas, que sempre alimenta o sonho de ser protagonista mundial embora esteja longe de oferecer qualidade de vida ao seu próprio povo.