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Atlas da Violência: Brasil tem menor número de homicídios em onze anos

12 de maio, 2025 | Por: Agência O Globo

Levantamento também mostrou país teve 13 crianças e adolescentes vítimas de violência por hora

Arma de fogo — Foto: Pixabay

Estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança divulgado nesta manhã mostrou que o Brasil teve em 2023 o menor número de homicídios dos últimos onze anos. Ao todo, foram 45.747 registros, pouco mais de cinco assassinatos a cada hora, a menor taxa desde que teve início a série histórica. O levantamento também mostrou que, a cada hora, 13 crianças e adolescentes de até 19 anos sofreram algum tipo de violência em 2023, entre física, psicológica, sexual e negligência. Foram 115.384 vítimas registradas no país, um aumento de 36,2% em relação ao ano anterior.

A socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ressalta que os lares brasileiros estão mais violentos, em especial depois da pandemia da Covid-19, que deixou as famílias confinadas dentro das casas, isoladas do ambiente externo.

— Temos o desafio analítico de descobrir o que aconteceu em anos recentes que tornou esse espaço, que deveria ser de proteção, um ambiente tão hostil, tão violento. Depois da pandemia, alguma coisa mudou. Determinadas dinâmicas de relacionamento são acentuadas no âmbito familiar. Temos mais perguntas do que respostas — pontua Samira.

O estudo mostra ainda que, nos onze anos de monitoramento, entre 2013 e 2023, houve um aumento de casos para as quatro categorias de violências contabilizadas (física, psicológica, sexual e negligência) — à exceção de 2019, início da pandemia e do isolamento social, que contribuíram para uma queda das notificações.

Homicídios

Em 2023, forraram registrados 21,2 homicídios a cada 100 mil habitantes e a maioria das mortes (32.749 casos, ou 71,5%) ocorreu com o uso de armas de fogo. O pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas da Violência, ressalta que o país vem em uma tendência nacional de queda desde 2018, ano seguinte ao pico de mortes violentas ocasionado, em grande medida, por uma guerra entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Em alguns estados, entretanto, a redução é observada desde 2011.

— Quando a gente olha de forma desagregada as unidades federativas, a gente vê que esse é um processo mais longevo. Algumas já estão diminuindo a violência há muitos anos. A grande guerra do narcotráfico acabou escondendo o que estava acontecendo em vários estados brasileiros — pontuou Cerqueira.

Morte de mulheres

Apesar do Brasil ter registrado, em 2023, o menor número de homicídios da série histórica, a taxa de assassinatos de mulheres continuou igual. Segundo o Atlas da Violência, 3.903 mulheres foram assassinadas há dois anos, o que representa uma taxa de 3,5 por 100 mil habitantes desse grupo, a mesma estatística de 2022. No relatório, o Ipea considerou o cenário como uma “estagnação preocupante”:

“O cenário sugere que, apesar da tendência geral de queda nos homicídios, a violência letal contra as mulheres não tem acompanhado o mesmo ritmo de redução, apontando para desafios persistentes em seu combate”, diz a análise.

Praticamente um terço dos homicídios, 35%,ou 1.370, aconteceram dentro das próprias residências das vítimas, e têm altas chances de terem sido feminicídios, explica o Atlas da Violência. Segundo o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 64,3% dos feminicídios aconteceram dentro de casa. Na série histórica, esse tipo de assassinato não se reduziu drasticamente.

“A leitura dessa dinâmica, nesse sentido, seria a de que, por acontecerem dentro de casa, num espaço mais privado, com menos controle e intervenção externa, a violência tende a se manter mais estável, já que depende menos de fatores externos e mais das dinâmicas interpessoais, patriarcais e estruturais”, explica o Atlas da Violência.

Amazônia

Nos resultados de 2023, estados da Amazônia tiveram os piores resultados, proporcionalmente. Em Roraima, a taxa foi de 10,4 mulheres assassinadas por 100 mil habitantes, o triplo da média nacional. Rondônia e Amazonas vieram na sequência, e a Bahia também teve resultado ruim.

Na análise do Atlas da Violência, a principal hipótese para os números de Roraima é a alta do garimpo ilegal. De acordo com outros estudos citados pelo Ipea, os garimpos se caracterizam pela presença de pontos de apoio chamados de corrutelas, onde há bares, lojas e ocorrência de prostituição e exploração sexual de mulheres em situação de vulnerabilidade.

“As frentes de garimpagem se mostram como espaços de sociabilização extremamente violenta, onde o gênero é um marcador fundamental. Relatos dão conta de que os homens no garimpo agem como proprietários das mulheres que trabalham nas corrutelas, e casos em que a vontade dos homens é negada muitas vezes terminam em agressões e até mesmo em assassinatos”, aponta o relatório.

Negras são as maiores vítimas

A raça é um marcador de diferença nas estatísticas de assassinatos. Assim como no caso dos homens, as negras são as maiores vítimas entre as mulheres assassinadas. Em 2023, foram registradas 2.662 mulheres negras vítimas de homicídio, o que representa 68,2% do total de homicídios femininos, um aumento de 5,4% em relação a 2022. O resultado é uma taxa de 4,3 mulheres negras mortas por homicídio por grupo de 100 mil habitantes.

Entre 2013 e 2023, o número de mulheres não negras assassinadas diminuiu 26,5%, enquanto a redução foi de 20,4% no caso das vítimas negras. E enquanto houve estagnação na taxa de mulheres assassinadas no Brasil (por 100 mil habitantes), no recorte apenas de mulheres negras a taxa cresceu 2,4%.

“Da mesma forma como acontece com a distribuição dos homicídios no Brasil, de modo geral, o recorte por raça/cor ilumina também as desigualdades regionais da distribuição dessas mortes. Como visto, enquanto em 2023 a taxa Brasil de homicídio feminino de negras foi de 4,3, foram 12 os estados cujas taxas superaram a nacional. As piores delas foram encontradas em Pernambuco (7,2), Roraima (6,9), Amazonas e Bahia (cada um destes dois últimos com taxa de 6,6)”, destacou o relatório.

Homicídios ocultos

O estudo chama atenção para um dado que pode elevar o número oficial de homicídios divulgado pelo Ministério da Saúde, o óbito registrado como morte violenta por causa indeterminada. Parte dessas mortes violentas, segundo o Atlas, são homicídios não contabilizados pelo Estado, pela incapacidade de identificar suas causas.

Para corrigir a estatística, o Atlas da Violência usa uma metodologia que permite chegar aos chamados “homicídios ocultos”. Segundo a pesquisa, o Brasil teve 51.608 “homicídios ocultos” entre 2013 e 2023, que passaram ao largo das estatísticas oficiais de violência. Isso significa uma média anual de 4.692 homicídios que deixaram de ser contabilizados, ou cerca de 10% do total.

— A gente precisa ter um bom termômetro para medir o fenômeno e fazer a política correta. Se o termômetro está quebrado, estamos medindo a febre a mais ou a menos, e de repente vamos tomar o remédio errado. No caso dos dados da saúde, esse termômetro estava meio desregulado, sobretudo para alguns estados. Com essa correção, nós demos visibilidade aos homicídios ocultos — explica Cerqueira.


BS20250512151751.1 – https://extra.globo.com/brasil/noticia/2025/05/atlas-da-violencia-brasil-tem-menor-numero-de-homicidios-em-onze-anos.ghtml

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