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Base do ecossistema do futebol brasileiro, Estaduais se desvalorizam e encolhem ao longo do século

14 de janeiro, 2025 | Por: Agência O Globo

Torneios são os maiores geradores de emprego e servem como vitrine, mas falta de rentabilidade da maioria deles é desafio

Campeões de quatro das últimas seis edições da Libertadores, Botafogo, Flamengo e Fluminense iniciam 2025 cheios de expectativa. O trio vai disputar, em junho, a nova Copa do Mundo de Clubes. Mas a temporada começa para eles de forma bem diferente. No sábado, o alvinegro recebeu o Maricá, representante do Rio na Série D. O rubro-negro enfrenta neste domingo o Boavista, também da quarta divisão brasileira. Já o tricolor encara o Sampaio Corrêa, fora das competições nacionais. Não são jogos-treino. Mas o pontapé inicial do Campeonato Carioca, que prevê muitos outros duelos como esses.

Os Estaduais já tiveram status de principais campeonatos do país. Hoje, representam um começo de ano frio para o torcedor e para os clubes da elite — que normalizaram o uso de atletas sub-23 nas primeiras rodadas. Resultado da perda de atratividade desses torneios perante a valorização dos nacionais e continentais.

E eles estão cada vez mais espremidos no calendário. Em 2001, foram disputados até agosto e tiveram média de 95 partidas por campeonato. Dez anos depois, com o Brasileiro de pontos corridos estabelecido, a maioria terminou em maio, e alguns se estenderam até junho. Mas a média de jogos cresceu: 118. No ano passado, as finais se deram em abril, e os duelos despencaram para a marca de 65 por competição. Os números são dos 14 principais Estaduais.

Evolução dos Estaduais do país ao longo do século — Foto: Editoria de arte/EXTRA
Evolução dos Estaduais do país ao longo do século — Foto: Editoria de arte/EXTRA

Este ano, devido à Copa de Clubes, os torneios acabarão em março. E a tendência é que isso se repita em 2026 (Copa masculina) e 2027 (Copa feminina no Brasil). Seria o início do fim? A ideia dá calafrios em Jorge Borçato, presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol.

— É o momento em que mais jogadores estão empregados no país — alerta. — E também treinadores, auxiliares, preparadores físicos, massagistas… Muitos começando a carreira, porque os Estaduais funcionam como porta de entrada.

Em que pese a desvalorização, os Estaduais ainda têm papel importante no futebol brasileiro. Para boa parte dos jogadores, são a vitrine onde se exibem para clubes que disputam competições nacionais de olho num contrato para seguir atuando. Para outros, é o único momento do ano com emprego como atleta.

Em 2025, os 27 torneios envolverão 268 clubes. Destes, 124 disputarão depois alguma das quatro divisões nacionais. Ou seja: mais da metade ficará sem competição até 2026 (alguns jogam as copas locais, curtas e que não geram receita). Sem os Estaduais, dificilmente se manteriam. E deles saem atletas que vão parar nos principais elencos. Raphael Veiga, que passou pela base do Audax-SP, e Pedro (Artsul-RJ) são exemplos.

— Hoje, tenho um no Flamengo que consideram que será uma das maiores transações: o Lorran — conta o presidente do Madureira, Elias Duba, referindo-se à joia rubro-negra que passou pelo clube aos 13. — Tenho jogador no Fluminense, no Vasco, no Botafogo, no Cruzeiro, no Atlético-MG. Sem falar que, às vezes, vão daqui direto para fora (do Brasil).

Os Estaduais ainda são capazes de catapultar a carreira de um treinador. Como a de Thiago Carpini, que passou a trabalhar em times das séries A e B após o vice do Paulista-2023 com o Água Santa. Também servem de trampolim para clubes jovens que aspiram projeção nacional. Como o Retrô FC, campeão da Série D do ano passado após dois vices do Pernambucano (2022 e 2023). Mas é preciso reconhecer que eles estão no centro de um problema.

Em dezembro, a plataforma de estatísticas Sofascore divulgou o ranking dos clubes que mais jogaram em 2024 entre as 20 ligas mais populares da sua base de dados. Com o Botafogo na ponta, os 20 times da Série A estavam entre os 21 primeiros. A lista viralizou e reforçou a insatisfação geral. Por serem os torneios menos rentáveis (com exceção do Paulista), os Estaduais têm sido considerados desnecessários e responsabilizados pela carga excessiva de partidas.

A ideia de que os clubes não abrem mão deles por serem uma chance mais fácil de título no ano vem perdendo força. Mesmo com o Sport sendo o atual bicampeão pernambucano, o presidente Yuri Romão não hesita em defender seu fim:

—É um torneio deficitário para o clube. Mas é importante porque classifica para outras competições. Infelizmente, a gente precisa participar. Sou da tese de que um Nordestão melhor disputado seria melhor. Porque é mais rentável e tem maior competitividade. Seria mais atrativo se ele fosse maior e não existisse o Pernambucano.

Na visão das federações, é injusto culpar somente os Estaduais. Como resposta, elas questionam a pré-Libertadores, que ocupa quatro datas. E vão além.

— Há a queixa de que o Estadual sobrecarrega o ano. Mas fazer pré-temporada nos EUA com três jogos não tem problema? Há incongruência nesse raciocínio — diz Luciano Hocsman, presidente da federação gaúcha.

Para dar mais tempo de preparação aos clubes da Série A nacional, que acabaram de voltar das férias, e evitar que eles joguem a maior parte do Gaúcho com o sub-23, a federação mudou o formato e reduziu as 16 datas para 12. Mas defende que outros agentes também façam sua parte pelo desafogo.

Segundo Hocsman, algumas federações montaram um grupo, no qual todas as regiões do país estão representadas, para se organizar e dialogar com a CBF. A iniciativa ainda é incipiente, mas a ideia é levar estudos sobre a relevância dos Estaduais e sobre o calendário.

A verdade é que há muita insatisfação, mas não há um debate de fato organizado. E sugestões não faltam.

— Os clubes que jogam competições sul-americanas deveriam entrar em fases agudas dos Estaduais. Fazer quatro jogos, se for o caso. No máximo oito — opina Marcelo Paz, CEO do Fortaleza, que reconhece a importância dos torneios.

O desafio é torná-los rentáveis, o que poucos conseguem. Fábio Wolff, diretor da Wolff Sports & Marketing, afirma que os Estaduais ainda são um produto atrativo para o mercado. Ele lembra que marcas regionais não têm interesse em anunciar em competições nacionais. Nos torneios locais, alcançam seu público:

— Este ano já fiz 10 contratos em Estaduais diferentes. E à medida que o torneio começa, surgem outras oportunidades, porque os clubes pequenos usam os jogos contra os grandes para monetizar, assim como ocorre na Copa do Brasil.

O sucesso de Fla, Flu e Bota nos últimos anos valorizou o Carioca, que deve gerar receitas melhores neste ano. Mas o Paulista, que distribuirá mais de R$ 300 milhões, é o grande exemplo.

— Em 2024, as receitas de todos os clubes com o Paulistão foram maiores do que qualquer outra Copa. Isso é uma prova de que o Estadual tem força e potencial para gerar bons resultados — orgulha-se o presidente da federação paulista, Reinaldo Carneiro, que admite o problema do calendário e pede um debate sem individualismos. — Discutir, de forma aberta e transparente, com todos os atores na mesa, o que queremos do nosso futebol. E sem analisar interesses particulares. Temos que pensar no bem coletivo.

Colaborou Vitor Seta


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