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Buraco no teto, saída mais cômoda para promessas de campanha
25 de novembro, 2022Não é raro na política a história se repetir. Aconteceu de novo e, desta vez, antes mesmo da diplomação e da posse dos vencedores nas […]
Não é raro na política a história se repetir. Aconteceu de novo e, desta vez, antes mesmo da diplomação e da posse dos vencedores nas urnas. Decorridos nem 10 dias após a apuração, o presidente eleito já iniciou negociações com alguns dos mais expressivos blocos parlamentares para aprovar, ainda no atual governo, o aumento de gastos discricionários e acima do teto, no total de R$ 200 bilhões, para cumprimento de promessas de campanha. Trata-se de um volume absurdo de recursos, correspondendo a mais de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) e a cerca de 10% das receitas tributárias da União previstas para 2023.
Se o movimento do eleito não surpreendeu, também não foi imprevisível a reação dos blocos dos parlamentares, muitos dos quais não se reelegeram para a próxima legislatura. O aceno foi positivo, desde que condicionado à manutenção do orçamento secreto no período 2023/2026. Isto é: a moeda de troca é a garantia da abastada fonte de recursos para emendas parlamentares e alvo de críticas justamente do presidente eleito durante a campanha eleitoral, na qual apontou o orçamento secreto como foco de corrupção no atual governo. As negociações ainda incluem as reeleições dos presidentes da Câmara e do Senado e o aumento do número de ministérios, o que representará mais cargos para atender aos parlamentares.
Está claro, portanto, que uma das grandes mazelas do país não será combatida, uma vez que essa proposta implicará no rompimento das regras do teto de gastos, limitação saudável aprovada pela Emenda Constitucional nº 95/2016. Por mais incrível que possa parecer, o teto de gastos foi transformado em vilão, tomando o lugar da corrupção, da gastança com servidores públicos e dos gastos discricionários tributários, esses sim protagonistas da tragédia administrativa nacional e das tragedias diárias na educação e segurança pública.
As consequências do que se propõe serão devastadoras. O aumento de gastos de R$ 200 bilhões, sem contrapartida de receita extra equivalente, implicará no aumento do endividamento de R$ 7,8 para R$ 8,0 trilhões e no crescimento do déficit público, que passará de 7% do PIB para 8 a 9% do PIB. Tudo isso em um momento em que a situação fiscal do governo brasileiro não é confortável e na qual os gastos com juros, em razão da inflação elevada – de 6,5% ao ano -, já se aproxima de R$ 800 bilhões/ano.
Para se ter uma ideia de quão expressivo é o valor pretendido pelo presidente eleito, basta dizer que os R$ 200 bilhões são suficientes para suportar as despesas do SUS por um ano e meio, ou para construir 1,4 milhão de unidades habitacionais, nos moldes do programa em vigor.
Será inevitável também o aumento do déficit público para o cumprimento de outra promessa de campanha, a isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas com rendimento de até R$ 5 mil por mês. Os cálculos apontam para um buraco de mais de R$ 100 bilhões por ano no orçamento.
O aumento de gastos para cumprir promessas de campanha não chega a surpreender, posto não ser novidade. Surpresa seria se as entidades empresariais e a elite intelectual protestassem com indignação e se a grade mídia dedicasse espaço para a discussão séria de uma questão que, se concretizada, trará consequências estruturais danos à sociedade brasileira. Enquanto isso, os maiores problemas do Brasil permanecem sem análise profunda e sem ações concretas sobre suas principais causas: a educação de baixo nível, a gastança com o funcionalismo público graças a uma máquina inchada e ineficiente, gastos tributários em forma de renúncias fiscais a níveis insuportáveis e sem justificativa porque grande parte contraria a Constituição Federal, e a corrupção, ainda tolerada uma vez que o foro privilegiado é estendido a cerca de 55 mil ocupantes de cargos públicos e não é mais possível a prisão após condenação por órgão colegiado de segunda instância.
Pensando só em garantir uma forma de gastar mais, o próximo governo perde a oportunidade de discutir um novo pacto federativo, essencial não para questões pontuais, mas para permitir a ação harmoniosa entre os chefes dos Três Poderes.
Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia