SAÚDE

Chikungunya matou pelo menos 8 vezes mais do que apontam os registros oficiais em 2023, diz estudo; entenda

18 de janeiro, 2025 | Por: Agência O Globo

Análise de excesso de mortes em meio a uma epidemia da doença em Minas Gerais encontrou cenário de extrema subnotificação

Um novo estudo de pesquisadores brasileiros questiona o número oficial de mortes por chikungunya no país e o próprio entendimento de que desfechos fatais da doença são algo raro. Publicado na revista científica Frontiers in Tropical Diseases, o trabalho analisou o excesso de mortes em meio a uma epidemia da arbovirose que ocorreu em duas regiões de Minas Gerais ao longo de 2023.

Os resultados apontaram para um total de 890 óbitos atribuíveis à chikungunya, um número 60 vezes maior que os registros oficiais, que contabilizaram somente 15 vítimas fatais. Além disso, mesmo considerando apenas as duas regiões mineiras, as mortes também são 8 vezes superiores ao registrado de modo oficial em todo o Brasil, 106.

Segundo o autor do estudo e professor de Epidemiologia da Faculdade São Leopoldo Mandic de Campinas, André Ribas Freitas, o trabalho se junta a uma série de evidências que têm demonstrado a incidência real da chikungunya e a sua capacidade de causar casos graves:

— A consequência disso é que fica uma ideia falsa de que o chikungunya não mata e que, portanto, o seu enfrentamento não é uma prioridade. Esse problema já foi comunicado às autoridades de saúde. Há planos aprovados para melhorar essa vigilância, mas que ainda não foram implementados na prática.

Outros trabalhos dos quais Ribas Freitas participou encontraram cenários semelhantes de subnotificação. Todos utilizaram a mesma metodologia: análise do excesso de óbitos em determinada região em relação ao que seria esperado com base nos anos anteriores.

Para isso, são avaliados locais que estejam sofrendo apenas com uma epidemia de chikungunya, de modo a descartar a possibilidade de os óbitos extras terem sido provocados por outras doenças.

Um dos estudos analisou uma epidemia de chikungunya em Pernambuco, em 2015 e 2016, e encontrou 4.505 óbitos atribuíveis à doença, contra 94 dos números oficiais. Outro, que olhou para a epidemia de 2014 e 2015 em Porto Rico, identificou 1.310 mortes, embora somente 31 vítimas fatais tenham sido contabilizadas oficialmente.

— Esse excesso de mortes é atribuído ao evento diferente que está ocorrendo naquele local e naquele momento. Nas regiões analisadas, a única coisa que acontecia do ponto de vista epidemiológico era o chikungunya naquele período. Assim demonstramos que essas mortes só podem ser explicadas pela doença — conta o epidemiologista.

Casos de chikungunya podem ser registrados como dengue

Esse cenário de subnotificação acontece, explica Ribas Freitas, devido à falta de conhecimento dos profissionais da saúde sobre a doença, que acabam não considerando a possibilidade de ser um caso de chikungunya, e por questões de teste e diagnóstico:

— A chikungunya parece com a dengue clinicamente, mas na evolução é muito diferente. A maior parte dos casos que evoluem mal é por inflamação no coração, que chamamos de miocardite, no cérebro, a encefalite, e nos pulmões, que é a pneumonite. Como poucos médicos conhecem a doença, a maior parte dos profissionais acaba não suspeitando de chikungunya.

Um dos principais sintomas que ligam o alerta para chikungunya é a dor articular excruciante, mas o especialista ressalta que na maioria dos casos as queixas não são tão intensas, e os médicos confundem com outras doenças, como a dengue.

E, ao ser identificado como um caso provável de dengue, o teste mais usado no país é o de sorologia, que identifica apenas se é ou não a doença, e não indica caso seja uma infecção pelo vírus da chikungunya.

Existe um exame PCR, desenvolvido pela Fiocruz, chamado de triplex, que investiga ao mesmo tempo as três principais arboviroses (dengue, zika e chikungunya). Com ele, mesmo quando o médico não suspeita da chikungunya, o teste identifica se for um caso da doença.

Segundo o epidemiologista, esses exames estão distribuídos pelo Brasil, no entanto não são utilizados sistematicamente. A exceção é Minas Gerais, onde os testes são usados amplamente na rede pública. Por isso, os pesquisadores decidiram analisar os dados dos laboratórios, para checar se os resultados estavam alinhados ao excesso de mortes pela chikungunya.

— Identificamos que a maior parte dos casos positivos para chikungunya eram considerados oficialmente como dengue. A proporção de exames positivos para chikungunya chegou a ser quatro vezes maior do que a de dengue. Mas, quando vemos os números oficiais, isso não aparece porque o paciente é encerrado clinicamente pelo médico no sistema, e não pelo laboratório. Se ele entra no sistema como “dengue provável”, muitas vezes fica assim. Só uma pequena parte dos casos que se considera dengue, cerca de 30%, têm confirmação laboratorial. Mas muitos podem ser de chikungunya — diz.

Em relação a essa possibilidade de casos prováveis de dengue serem na realidade de chikungunya, Ribas Freitas publicou um artigo na prestigiosa revista científica The Lancet Regional Health em que analisou os números referentes a 2023 em Minas Gerais. Embora a doença não tenha explodido como em 2024, ela causou o recorde de mortes até então no passado.

Segundo os números oficiais, o estado contabilizou 5 vezes mais casos de dengue provável do que de chikungunya. Porém, os testes PCR dos laboratórios revelam uma realidade contrária: 1,4 vezes mais diagnósticos confirmados de chikungunya do que de dengue.

Ribas Freitas demonstra preocupação com o cenário já que uma nova temporada de arboviroses se aproxima com a chegada do verão, no fim de dezembro:

— Vamos continuar sem entender qual a quantidade real de casos de chikungunya e de desfechos graves. E cada nova evidência sobre chikungunya me parece ser uma doença muito mais grave do que é reconhecida, e o enfrentamento no país tem sido muito aquém do que seria o necessário. E, se a área de imunização do ministério não tem a informação de que se morre tanto por chikungunya, por exemplo, ele não vai priorizar a incorporação das vacinas.

Desde dezembro do ano passado, um imunizante desenvolvido pelo laboratório franco-austríaco Valneva, em parceria com o Instituto Butantan, está em processo de análise conjunta pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA, da sigla em inglês).

Em novembro, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, foi a primeira no mundo a dar o sinal verde para a vacina.

A autoridade considerou um estudo clínico de fase 3 em que 98,9% dos vacinados produziram anticorpos contra a doença nos primeiros 28 dias após a imunização. Caso seja aprovada, a vacina poderá ser produzida localmente pelo Butantan.


BS20241101110220.1 – https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/11/01/chikungunya-matou-pelo-menos-8-vezes-mais-do-que-apontam-os-registros-oficiais-em-2023-diz-estudo-entenda.ghtml

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