Uma arte universal
Brasília está celebrando seus 65 anos com uma vibrante programação do premiado artista Toninho de Souza.
As vanguardas do atraso do capitalismo escravista Vanguardas do atraso Foi um horror, a equiparar-se ou suplantar outros horrores que vivemos, o exibido nas reportagens do Fantástico (Tv Globo) no domingo, 16.05 sobre as agressões contra duas numerosas nações indígenas: os ianomâmis no norte de Roraima e os mundurucus no sudoeste do Pará. São povos …
Vanguardas do atraso
Foi um horror, a equiparar-se ou suplantar outros horrores que vivemos, o exibido nas reportagens do Fantástico (Tv Globo) no domingo, 16.05 sobre as agressões contra duas numerosas nações indígenas: os ianomâmis no norte de Roraima e os mundurucus no sudoeste do Pará.
São povos diversos, étnica e culturalmente – para espanto de uma elite econômico-política para quem ‘índio é tudo igual’ –, no entanto sob a mesma ameaça: a invasão de suas terras por ‘vanguardas’ do atrasado capitalismo brasileiro.
De qualquer jeito
Em Roraima, Pará e demais Amazônia estão representadas, essas vanguardas do atraso por agropecuaristas que só sabem produzir sobre os escombros da floresta, madeireiros que invadem reservas florestais e garimpeiros clandestinos que corrompem e envenenam, além de solos, águas e matas, física e moralmente os indígenas sobre os quais se abatem.
No mais setentrional estado do Brasil o escândalo ganha visibilidade maior, filmado e transmitido em vivo e cores pela tv ou redes na internet. Já no vale do Tapajós a invasão é menos escancarada, alicia sorrateiramente mais que combate porém vai em frente de qualquer jeito: se conveniente, os invasores reafirmam com violência a corrupção.
Tropas de ocupação
Nas terras ianomâmis os intrusos chegam às dezenas em embarcações rápidas, potentes, tropas de ocupação que tentam submeter aldeias num combate desigual: fuzis e metralhadoras contra arcos e flechas, lanças e umas poucas, velhas espingardas de caça.
Na mais recente expedição as forças de segurança (inclusive federais), convocadas ao socorro, espantaram num primeiro embate os invasores, depois voltaram às bases e dizem esperar melhores condições meteorológicas para retornar.
Sim, a natureza impõe limites, por exemplo à operação de helicópteros; mas enquanto isso os ianomâmis estão indefesos, se as forças da lei não gostam de navegar; ou talvez os soldados achem que não vale a pena enlamear os uniformes pra defender ‘um bando de índios’.
Mafiosos x mundurucus
No sudoeste paraense instalaram-se, reportou o Fantástico, grupos mafiosos cuja atuação não costuma ser tão explícita mas nem por isso é menos deletéria – e eficaz, para seus propósitos.
As vítimas da vez, os mundurucus, habitam terras em grande parte demarcadas em que a lei assegura-lhes viver conforme a própria cultura, à salvo de ingerências externas; ademais, a reserva faz parte de mais amplo complexo de preservação ambiental que cabe ao estado manter e proteger.
Mas a proteção das pessoas e a manutenção do território falecem quando os mafiosos, mercê de relações espúrias com agentes do estado, infiltram capangas na administração pública e até nas aldeias indígenas.
Quinta-colunas
Pois a máfia descoberta em plena ação pela reportagem tem ‘quinta-colunas’ até nas aldeias em que cooptam desavisados, em geral indivíduos socialmente fragilizados, com promessa de enriquecimento e prestígio; quando necessário acrescentam ao suborno a ameaça: de um lado a ‘participação nos lucros’ da ação ilegal, do outro o risco de um ‘acidente’ fatal.
E a referência à máfia não é força de expressão.
É máfia, mesmo
Atua no vale do Tapajós, identificou a reportagem da Tv Globo, uma ‘família’ que emula as da Cosa Nostra, Camorra, ‘Ndraguetta. São quatro irmãos, seus filhos, primos, sobrinhos e agregados, todos a tocar terror para controlar manu militari margens de rios e os próprios rios, igarapés, ‘furos’, os quais destroem com máquinas pesadas e contaminam com mercúrio.
Os cappi têm nome, sobrenome e cpf conhecidos; seguem livres, leves e soltos a delinquir porque as autoridades – locais, regionais, nacionais – não querem (não podem?) prendê-los.
Ouro maldito
Solapa a segurança dos mundurucus e outros povos do sudoeste paraense uma fatalidade geológica: sob suas terras estão algumas das maiores jazidas de ouro de que se em notícia, afora outros minerais preciosos.
Tais riquezas, cobiçadas pela chamada ‘civilização’, serve-lhes pra nada; muito ao contrário é fonte de perdição, aguça interesses escusos, favorece a corrupção de autoridades, caboclos e indígenas. É o mesmo ouro que infelicitou outros povos originários nos primeiros séculos da colonização do Brasil, a melhor dizer da invasão desta Pindorama pelo europeus.
É aquele ouro maldito das tragédias provocadas pelas ‘entradas e bandeiras’.
Confissão escravagista
Os mais velhos entre meus leitores terão de aprendido na escola que os ‘bandeirantes’ embrenharam-se nos sertões hostis, abriram caminhos à conquista do vasto interior, ajudaram a expandir a colônia portuguesa para além dos limites fixados no Tratado de Tordesilhas.
Tudo isso é verdade, faz parte da história – pelo menos da história escrita conforme a visão dos vencedores. Mas aqueles livros também ensinavam-nos as motivações das ‘bandeiras’: encontrar ouro, prata, pedras preciosas… e – a historiografia oficial confessa – submeter ‘índios’ para escravizá-los.
Heróis sem jaça
Unilateral, a história dos vencedores descreve aqueles homens rudes, ambiciosos, cruéis, implacáveis – e também tenazes, corajosos, visionários – somente por seus melhores atributos. Assim os ‘bandeirantes’ ascenderam ao altar da Pátria, até emprestaram a denominação a orgulhosa alternativa de gentílico dos paulistas, que por mais de século cultivaram-lhes imagem de heróis sem jaça: ergueram-lhes monumentos, batizaram com seus nomes instituições, estradas, praças, ruas – até cidades! –, sob aplauso e emulação dos demais brasileiros.
Ídolos na lama
Menos mal que já a partir da História Nova do Brasil, iniciativa revisora dos anos 1960, contemplem-se outros enfoques da formação histórica do povo e nação brasileira, entretanto ainda incipientes, esparsos, inconclusos sobretudo na abordagem das relações assimétricas dos conquistadores europeus com os habitantes originais do território.
Da progressão dessas reinterpretações dos fatos e fenômenos da história começa a resultar uma nova consciência, inclusive a revelar que muitos dos heróis que idolatrávamos são ídolos com os pés de barro e pior: afundaram-se no barro e não só as partes baixas, também metade longitudinal do corpo – dos pés à cabeça; e o fizeram na lama putrefata dos piores vícios humanos.
Tempo de transição
Sim, leitor arguto, tento modular a indignação e compreender o momento da história em que se forjaram tais heróis e ídolos.
Operava-se, no contexto econômico, a transição do escravismo para o mercantilismo, simultaneamente à afirmação política do poder dos reis sobre a nobreza, os senhores de terras e gentes do agonizante feudalismo. Nem se sonhava moderar o absolutismo, que mal se afirmara, mediante controles e reconhecimento dos direitos dos cidadãos – cidadania, aliás, era conceito desconhecido naqueles tempos pré-iluminismo.
Foi assim inevitável o transplante do pensamento europeu para suas colônias americanas.
Quem tem alma?
Ademais, parcialmente se sobrepunha à hegemonia dos nascentes estados nacionais o poder da Igreja de Roma. Querelas teológicas medievais persistiam a assombrar os novos tempos, e entre elas uma em especial teve grande repercussão nos contatos e conflitos dos europeus com os povos do Novo Mundo:
discutia-se (a sério!, podem crer) nos tribunais da Santa e Bendita Inquisição se os “índios teriam alma imortal”, como os conquistadores.
Imperativo moral
Tal entendimento não elide a constatação de que o mundo mudou e a persistente opressão de uma civilização por outra é inaceitável por injusta, iníqua e também, a apelar ao pragmatismo tão ao gosto de nossos indigentes fundamental-liberais, contraproducente na medida em que afasta o intercâmbio de informações, portanto a evolução do conhecimento e aliena contribuições dos povos da floresta ao progresso da ciência, por exemplo à concepção de novas estratégias de interação com a natureza.
A isso sobrepõe-se, porém, um imperativo moral e ético: nada justifica em nosso tempo veleidades de supremacia da civilização europeia, aliás ‘de segunda mão’, sobre as ameríndias.
Outra história
Seria interessantíssimo ler uma história do Brasil escrita sob o ponto de vista dos primeiros habitantes da terra, que receberam os recém-chegados com simpática curiosidade sem saber o que os esperava: uma guerra de conquista que expulsaria os primeiros anfitriões das terras litorâneas essenciais para sua cultura, sobrevivência e os condenaria ao extermínio, por isso e por tentar escravizá-los, dizimando os recalcitrantes (quase todos…), além de infectá-los com doenças contra as quais não tinham defesas.
Aconteceu há 500 anos, ao aqui chegarem os primeiros europeus e segue a acontecer agora quando o capitalismo, entre nós muito próximo do escravismo e colonialismo nas relações com os indígenas, difere pouco do processo de conquista e extermínio que inaugurou o Brasil.
Madeira ilegal
Eu mal iniciara estas notas quando espocou o enésimo escândalo do governo Bolsonaro, tudo a ver com os povos indígenas e suas terras:
a exportação ilegal de madeira proveniente de desmatamentos idem, segundo a Polícia Federal sob atuação direta e-ou acobertamento da cúpula do Ministério do Meio Ambiente e principais organismos vinculados – inclusive o próprio Ibama, cujo presidente foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal.
Incorrigível
Acontece que o ministro Ricardo Sales é o atual ‘menino de ouro’ do presidente depois que perdeu Abraham Weintraub (Educação), Eduardo Pazuello (Saúde) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores). Mesmo diante da saraivada de críticas por essa e outras prováveis trampolinagens, Bolsonaro partiu em defesa de Sales. O que era de esperar-se, se antes não o impressionaram processos de corrupção movidos em São Paulo contra o mesmo, incorrigível inimigo da natureza – o qual, conforme as investigações, aproveita o ímpeto destrutivo para ‘ganhar algum’, que ninguém é de ferro.
Punição invertida
Além de desastroso o ministro Sales é desastrado e acumula desastres, agora em seu desfavor, no exercício político inerente a suas funções. O mais recente ‘tiro no pé’ desferiu quando afrontou a Polícia Federal para defender madeireiros que os agentes apanharam a abater ilegalmente milhares de árvores, transportá-las e comercializá-las, com o que renovaram ações criminosas.
Em vez de impor ‘quarentena’ ao ministro e aprofundar a investigação, o governo Bolsonaro preferiu destituir o superintendente da Pf em Manaus, cuja equipe flagrara o crime.
Crimes a granel
Não se desmoraliza impunimente uma corporação coesa, eficiente, prestigiada e ainda mais quando, no imbróglio, faz a coisa certa. Estava escrito nas estrelas que enfeitam o escudo identificador dos policiais federais que mais cedo ou mais tarde haveria troco.
Que veio cedo, e fulminante, no especial empenho em desvendar, caracterizar e revelar a proximidade – a dizer o mínimo – do titular do Ministério do Meio Ambiente e seus principais colaboradores com graves crimes ambientais já identificados e outros possíveis ou prováveis; a escolher: advocacia administrativa, peculato, corrupção passiva…
Contorno providencial
Curioso aspecto lateral do caso foi a autorização do Stf às investigações da Pf e de pronto lhes dar consequência, sem passar pelo crivo do Ministério Público. O procurador geral da República, que a imprensa percebe alinhado automaticamente ao Executivo, reclamou do sobrepasso; ainda não se conhece a resposta do Tribunal.
Sem precipitar juízos de valor, tudo indica que neste evento a Corte maior decidiu, sim, contornar a Pgr, a prevenir que seu titular obstasse procedimentos que incomodem Bolsonaro, como tem acontecido.
Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960) Marco Antônio Pontes ([email protected] ou [email protected])
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