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Comunicação & Problemas

1 de junho, 2021

O que esperar da Cpi e a união pela democracia   Crimes à escolha A Cpi da Covid revelou na semana passada mais desacertos e desastres […]

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O que esperar da Cpi e a união pela democracia

 

Crimes à escolha

A Cpi da Covid revelou na semana passada mais desacertos e desastres do governo Bolsonaro, a antecipar-se desaguadouro natural: propor, no relatório conclusivo, a enésima e mais bem fundamentada proposta de impeachment do presidente da República.

Os congressistas só precisam escolher, entre os crimes de responsabilidade cometidos, quais informarão o processo que, a bem dizer, deveria ter começado faz tempo, bem antes que o ex-tenente levasse ao paroxismo seu desastroso exercício do poder.

Disparates, mentiras…

A sessão em que depôs aquela médica, titular de Secretaria do Ministério da Saúde e apelidada ‘capitã cloroquina’ porque extrapola suas funções para engajar-se na campanha de Bolsonaro pelo tal ‘tratamento precoce’ já descartado pela ciência, exibiu uma das piores faces da política que se exercita no Brasil.

É tudo tão disparatado, distorcido quando não francamente mentiroso que parece impossível não haver consequências também para esses agentes; afinal, todos os convocados até aqui o foram na condição de testemunhas e assumiram compromisso de dizer a verdade; quem a falseia comete crime.

Falsos milagres

Os mais recentes espetáculos de non sense dão o tom do que tem feito o governo na Cpi.

A citada profissional da saúde, que por suposto estaria comprometida com a ciência, esmerou-se em negar preceitos longamente estabelecidos para justificar ações e omissões de seu Ministério, a contrariar recomendações da Organização Mundial da Saúde e de entes nacionais congêneres.

Por sua vez senadores empenhados em defender o Executivo, indefensável em sua errática e errada atuação no trato da pandemia, macularam as biografias com teses e argumentos despropositados, com base em falsos de milagres operados pelas tais drogas receitadas pelo ‘doutor’ Jair ou supostos feitos seus de que só eles sabem.

Ação diversionista

Além disso a semana deixou duas bombas de retardo, a serem desarmadas ou explodir nos próximos dias. 

A primeira é a anunciada convocação de governadores de unidades federadas: 17 deles recorreram ao Supremo Tribunal Federal, a alegar violação da autonomia dos estados e Distrito Federal.

Observe-se que a ideia de fiscalizar o emprego dos recursos transferidos pela União aos entes federados não passa de ação diversionista, visando desviar dos erros e possíveis crimes do governo o foco das investigações.

Batata-quente

Outro petardo de grande potencial explosivo produziu-o o próprio presidente. Certo a prestigiar o ex-ministro que tanto o defendeu na Cpi, levou-o a manifestação política típica de campanha eleitoral.

Pazuelo é oficial da ativa e em tal circunstância está proibido, por regulamento e estatuto militares, de participar de atos dessa natureza.

O comando do Exército ainda não se livrou da batata-quente que Bolsonaro atirou-lhe às mãos: para cumprir as normas que regem a Força não pode deixar de punir o general, o que ademais geraria perigoso precedente; mas o castigo certamente desagradará o presidente, que costuma reagir furibundo em situações que tais.

Crise à vista!

Males simétricos

Dois ilustres intelectuais pernambucanos, um natural da terra e outro por opção, comentaram o que escrevi há duas semanas sobre a necessidade de unir democratas de variada extração contra as aspirações autoritárias de Bolsonaro e sua turma.

Começo por Sérgio Alves, para quem “o lulopetismo não é alternativa ao bolsonarismo; ao meu ver, ambos são males que se nutrem reciprocamente. Procuro ter a esperança em uma saída longe desses dois vetores de retrocessos”.

Dignidade roubada

– Lula nunca foi de esquerda, convictamente – percebe Clemente Rosas – e seu maior crime […] não foram os roubos na Petrobrás e adjacências. Ele roubou a dignidade das esquerdas.

Ele diz mais:

– A injusta identificação entre corruptos e subversivos que tanto nos doía em 1964 passou a fazer sentido. Para o constrangimento de todos nós, veteranos das lutas pré-1964.

Lula, conclui Clemente, “era uma liderança alternativa aos comunistas e dizem que, até por isso, inicialmente estimulada pelo general Golbery. A impressão ajusta-se à atitude dele, testemunhada pelo jornalista Nêumanne Pinto, de não apoiar o retorno dos exilados”.

Prisões e torturas

(Clemente Rosas observa também que Lula foi preso durante a ditadura mas não consta haja sofrido violência física. Tampouco afirmei isso, a ignomínia a que me referi vitimou Dilma Roussef, torturada nos porões do regime dos generais. Peço desculpas se não fui claro.)

Conversa da abertura

São opiniões respeitáveis, as emitidas por Alves e Rosas a partir de análises acuradas. Concordo com cada uma delas, entretanto extraio conclusões diferentes quando as coloco no contexto de união contra um mal maior, como escrevi naquela edição.

Antes de continuar, gostaria de relatar uma conversa ocorrida em meados dos anos 1970, já em curso significativas mudanças na ditadura sob o dístico “abertura lenta, segura e gradual”; formulou-as o general Golbery do Couto e Silva, arguto intelectual conservador e ministro do general-presidente da vez, Ernesto Geisel (1974–79), que as implementava.

Sérgio e Clemente conhecerão os interlocutores.

 

Expediente extra

Quase todos trabalhávamos do Ipea, a maioria assessores do superintendente Roberto Cavalcanti de Albuquerque. Costumávamos alongar o expediente para além do horário oficial, entretidos não só na finalização de algum trabalho como em troca de observações e análises da evolução econômica e política, em especial aquela ‘abertura’.

Frequentemente as conversas transferiam-se do ascético ambiente de nossa sede no edifício Bnde (ainda não tinha o ‘s’) para um dos bares ou restaurantes próximos, em busca de algo mais que água e café para ‘molhar a palavra’; às vezes trocávamos o boteco pela casa de um de nós.

Boa companhia

– Nós quem?, cara-pálida? – perguntaria, impaciente, Clemente ou Sérgio, em minha expectativa talvez pretensiosa de que se interessem por este relato. Conto, então, a orgulhar-me de estar em tão boa companhia: Jorge Cavalcante (que liderava o grupo de assessores de Roberto), Onaldo Pompílio, Branca Ferreira, Cláudio Machado, Everardo Maciel, Heitor Silveira, Alice Abreu, Jorge de Sousa, Gilvan Cordeiro…

Não me lembro exatamente de todos os que participaram da conversa que vou relatar mas estarão entre esses, com talvez algum parceiro nem tão habitual como o jornalista e economista Marco Aurélio Pereira, então como hoje e sempre um grande amigo.

Quem?

Finalmente, a conversa. Falávamos, é claro, do processo de abertura desencadeado pelo governo autoritário; seria um autoritarismo mitigado, percebíamos, o que pretendia o general-da-vez, e ainda assim sub judice enquanto ele próprio alertava que “´revolucionários` sinceros porém radicais” quereriam minar a abertura.

(‘Revolucionários’, no jargão dos ditadores, seriam os empedernidos adeptos do autoritarismo e “radicais” os que pretendiam manter indefinidamente a ditadura a que chamavam ‘revolução’.)

Acreditávamos que a lógica do processo conduziria à devolução do poder aos civis e conjeturávamos de quais entre os políticos sobreviventes da razia promovida pelos militares seriam capazes de assumir e liderar a empreitada.

Milagre esgotado

Sabíamos que a tal “abertura lenta…” etc. não era iniciativa propriamente voluntária dos militares e seus aliados civis que se apossaram do poder em sucessivos golpes de estado (1964, 1965, 1968 e ainda não sabíamos que fariam mais logo a seguir com o famigerado ‘pacote de abril’ de 1977).

Bem ao contrário, os mais informados e lúcidos entre os chefes do regime queriam encontrar saída ‘honrosa’(?) da enrascada em que entraram sem competência para dela sair – até ditadores precisam de habilidades específicas para exercer poder absoluto, o que absolutamente não era o caso. Findas as ilusões do “milagre econômico” alardeado por sucessivos ministros da Fazenda, o poder já não se podia legitimar pelos resultados.

Abertura ou forca

Outra conversa, posterior àquela que motiva estas notas, confirmaria os temores do poder já solapado na penosa transição. Um jornalista que habitualmente se encontrava com o general Golbery – encontros em off, quer dizer, fora da agenda e só para informação dos interlocutores, nenhuma declaração oficial autorizada – confidenciou-me diálogo pra lá de revelador. Reproduzo livremente, fiel porém ao conteúdo:

– General, e se abertura não der certo?

– Então seremos todos enforcados em praça pública; todos não, eu estou muito velho, sairei de cena antes.

Quem se habilita?

Pois conjeturávamos, dizia, dos políticos mais habilitados e confiáveis para liderar a redemocratização que nos parecia – e estava! – logo ali, na próxima esquina. Informação necessária: a conversa aconteceu aí por 1975, 76, portanto bem antes dos movimentos populares que aprofundaram o processo e mudaram-lhe a natureza, o maior deles o da campanha sintetizada no lema Diretas, já.

Foi assim que, antes de saber como se comportariam os líderes civis nas batalhas finais contra a ditadura, tentávamos avaliar os atributos que os credenciariam à complexa liderança do imediato pós-ditadura.

Hora de ver

Arrolávamos os políticos cuja trajetória parecia-nos essencialmente democrática e formavam na vanguarda da redemocratização, cada qual a seu jeito, motivações e modos de expressar-se. Citávamos Petrônio Portela, Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela, Fernando Lyra, Tancredo Neves, Marco Maciel… e certamente outros de que não me lembro, afora os que ‘negaram fogo’ na ‘hora do vamos ver’.

A cada qual alguém levantava objeções.

Tem gente na frente

Um é demasiado conservador, esse só se elegeu a apoiar os generais e apoiar-se neles, aquele vem de família de usineiros ultraconservadores, aqueloutro escapa aos debates para não se definir, há quem aceite conciliar e só moderar a ditadura… (embaralho atores e cenas para não ‘fulanizar’ o enfoque).

A conversa resultaria instigante, agradável mas inconclusa não fosse a síntese encontrada por Jorge Cavalcante da profusão de teses e antíteses colocadas à mesa (outra vez, estou seguro do conteúdo e tento reproduzir a frase lapidar):

– Cada qual tem seus problemas mas estão todos do nosso lado, tem muita gente na frente pra combater.

Concordo, mas…

Tudo isso pra dizer que me associo à recusa de Sérgio Alves à escolha compulsória entre Bolsonaro e Lula, melhor encontrar alternativas; entretanto, se não as houver, desta vez não dá pra tergiversar: nada, ninguém é pior que Bolsonaro.

Confluo também com Clemente Rosas na indignação por que o Pt, ao mimetizar a esquerda e depois traí-la conspurcou-nos a história. Contudo, resgato a admirável síntese de Cavalcante: no atual enfrentamento todos os aliados são benvindos, tem muita gente a combater antes de Lula.

Depois do impeachment ou, alternativamente, da derrota de Bolsonaro em 2022, a gente acerta as contas.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])