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22 de novembro, 2021

Os políticos omitem-se e a cultura comparece Crimes confessados A cada mês, semana, dia, hora no poder Bolsonaro acrescenta riscos ao Brasil e aos brasileiros, a […]

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Os políticos omitem-se e a cultura comparece

Crimes confessados

A cada mês, semana, dia, hora no poder Bolsonaro acrescenta riscos ao Brasil e aos brasileiros, a ampliar o ror de desgraças que já nos impôs. Para quem ainda não se dera conta desses perigos, recomenda-se examinar os informes sobre a destruição da floresta amazônica nos últimos doze meses, um trágico recorde de quinze anos.

E ele soma zombaria à desfaçatez, como na mais recente confissão dos crimes que comete: a inacreditável afirmação de que o Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, poderoso instrumento de avaliação e do qual dependem milhões de jovens para chegar à universidade, assume agora a cara de seu governo.

Ou na provocação endereçada ao Stf, de quebra a humilhar o ministro que nomeou, declarando-o “seus 10%” na Corte.

Tempo da Inquisição

A oposição no Congresso, os partidos políticos e as organizações sociais que se opõem ao governo insano precisam sacudir o longo torpor, espantar o marasmo em que se imobilizam e perceber que não dá mais: a cada instante o presidente inventa desastres e acelera a marcha à ré na qual pretende reverter avanços duramente conquistados e conduzir a nação de volta à Idade Média, por exemplo aos tempos da Inquisição, ente que bem combina com a mais recente ditadura que infelicitou o Brasil e é objeto de culto do ex-tenente.

Pior de todos

É incompreensível que não percebam, os atores da cena política, a urgência de livrarmo-nos já do pior governante desta terra desde Tomé de Sousa, o primeiro governador-geral da então Colônia.

Ainda na semana ora encerrada, ao jactar-se de que o Enem assume-lhe a carantonha – a aparentemente sugerir que interfere na elaboração das questões –, foi desmentido pelo pastor reacionário ao qual entregou o Mec; certo preocupado com a repercussão da bravata, ele assegurou aos deputados da Comissão de Educação que as provas foram elaboradas segundo critérios técnicos, sem intromissão política nem pressão do Planalto ou dele próprio. Falou, mas não convenceu.

O presidente não se deu por achado e no dia seguinte (quarta-feira, 17.11) tentou desmerecer o exame, a dizer que avalia nada e só serve à esquerda.

Acerta mas erra

Até quando se descuida e acerta no conteúdo o presidente equivoca-se no processo, como ao anunciar que finalmente serão reajustados os vencimentos dos servidores públicos cujos salários, desde 2018, são corroídos pela inflação ascendente.

Só o fez quando quis prometer aumento aos policiais, que considera eleitores cativos e percebeu que ficaria muito mal privilegiar uma parte do funcionalismo.

Ademais, criou um problema para o ministro Paulo Guedes, ex-czar da economia que já chamou os servidores do estado de “parasitas” e pretendeu que suportassem, calados, uma perda de 20% ou mais nas remunerações. E cujas equipes técnicas, já desfalcadas de quase todos os melhores quadros dirigentes, oscilam entre o desemprego voluntário e o desmerecimento de suas biografias.

Que biografias?

Registro, a propósito do último período da nota anterior, a discordância de Irineu Correa, perspicaz intelectual que duvidara daquelas biografias quando me referi, há coisa de um mês, aos economistas que pularam fora da barcaça desengonçada do tonto timoneiro Guedes:

– Pergunto, intrigado: qual seria o ponto da biografia a ser manchado […]? Personagens de uma encenação dita liberal que não passa de […] enxugamento da circulação de dinheiro, da massa salarial dos trabalhadores e distribuição dos ativos pertencentes ao estado por preços de banana – oleodutos e distribuidora da Petrobrás, carteira de investidores do Bb

Otimismo cínico

Na mesma mensagem Irineu, niteroiense que depois de andar por “Oropa, França e Bahia” (apud Ascenso Ferreira) radicou-se em nossa pequenina e bela Rio Novo, terra de seu pai e avós, comenta com argúcia e sentença lapidar meu ressabiado otimismo diante das esperadas(?) ações do procurador geral da República após receber, com pompa e circunstância, o relatório da Cpi do Senado que identificou ações e omissões criminosas de Bolsonaro ante a pandêmica covid-19:

– A mistura de consciente desencanto a uma pitada minúscula de otimismo cínico é absolutamente mineira, na suposição de que o procurador finalmente ache o que até os cegos veem.

Procura e não acha

As oportunas observações de Irineu Correa completam-se com “uma pitada” de pessimismo, este divertido e também “absolutamente mineiro”, ao referir-se “ao tal procurador, que mais parece um marcador de Garrincha à procura da bola ou das pernas tortas…”.

À deriva

– Estamos à deriva! – alarma-se (e alarma-me) Alaor Mendonça, arguto acadêmico espírito-santense, titular de impecável formação que gosta de apresentar-se como “matuto da Serra do Caparaó” e tenho a felicidade de ter como amigo, afora primo ‘emprestado’ pela querida prima-irmã Tânia. Vejam como sustenta a conclusão:

– Nas minhas observações da direita, falso centro ou pseudo-esquerdas – filosófica ou ideologicamente, sem dizer de moral e ética – [ele percebe que] todos os partidos políticos do Brasil não têm quaisquer princípios de servir ao povo, se não a si próprios.

Neutros covardes

Aconselha-me o incisivo e generoso primo-leitor, ante o tédio que confessei na semana passada, que […] não fique triste e desiludido com as pessoas cultas e seus discursos triviais e radicais. Todos nós somos responsáveis pela eleição de Bolsonaro e agora o centro e as esquerdas vão elegê-lo de novo, em face das divisões do centro, esquerda e dos neutros covardes”.

Torço por que desta vez se engane o atento intelectual ou, melhor, que seu alarme seja ouvido pelos parlamentares, dirigentes dos partidos e quem mais tenha poder de decisão em nossa conturbada política: já passa da hora de defenestrar via impeachment, devolver a merecido anonimato (e remeter ao opróbio, prisão, esquecimento) o tresloucado presidente que nos foi dado suportar.

Fernanda e Gil, imortais

– Oi, Marcantõe – escreve-me Carlos Alberto Ribeiro de Xavier, aliás meu amigo Carsalberto conforme nossos indefectíveis falares mineiros –, nas conversas dos grupos que frequento sempre surge um bolsonarista criticando a ida de Fernanda e Gil para a Academia. Respondi a um deles, mas desisti pois continuam a criticar em vez de raciocinar.

Fora das bolhas

De pronto louvo-lhe a abertura ao convívio com quem pensa diferente, inclusive bolsonaristas, nos grupos de conversa de que participa: seria péssimo enquistar-se em ‘bolhas’ nas quais todo mundo pensa igual.

O respeito à opinião do outro, sobretudo de quem nos desafia as convicções, é pedra de toque da democracia e interessa à nossa própria evolução, permite que o diálogo franco e aberto provoque releituras, revisões – em ambos os lados – e até encontrar intercessões com adversários, a favorecer mútuo enriquecimento.

Letras e arte

– A Academia Brasileira de Letras não é um clube de escritores que publicaram livros importantes – ensina Xavier –, ‘letras’ é um curso de formação intelectual que pode ter muitas variantes de profissões; atores são também profissionais das letras, pois encenam peças de autores brasileiros e estrangeiros que difundem cultura por meio do teatro, arte mais antiga que a literatura publicada em livros.

Academia plural

Constato, com Carlos que a Abl já recebeu intelectuais de outras áreas: políticos como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Marco Maciel e – volto a sua mensagem – “o médico Ivo Pitanguy [e mais médicos: Carlos Chagas, Miguel Couto e agora Paulo Niemeyer Filho] e cineastas como Cacá Diegues (Chica da Silva, Bye bye Brasil…), Nelson Pereira dos Santos (Vidas secas, Jubiabá, Memórias do cárcere).

– Fernanda Montenegro – ele enfatiza –, nascida em 1929, tem só três décadas a menos que a própria Academia (fundada em 1897) e ao longo da carreira de 80 anos divulgou a língua portuguesa para gente de todo tipo, especialmente os que nada sabiam de literatura ou textos clássicos mas enchiam suas plateias.

Testemunho

– Eu mesmo tenho um testemunho sobre a Fernanda, Fernando Torres e sua trupe de teatro em Belo Horizonte – anuncia Carlos Alberto.

– Estudava à noite na Faculdade Municipal de Ciências Econômicas, no Parque que tinha mais duas casas de cultura: a Escola Guignard (depois Palácio das Artes) e o velho e tradicional Teatro Francisco Nunes. Na saída da Faculdade passava em frente ao Teatro e entrava para assistir (de graça) a várias peças, embora já no terceiro ato ou às vezes no fim do segundo […].

Encantamento

Segue o testemunho:

– Numa dessas noites assisti a quase toda a peça A Volta ao Lar, de Harold Pinter; tradução: Millôr Fernandes; direção: Fernando Torres […]; elenco: Fernanda Montenegro, Sérgio Britto, Delorges Caminha, Ziembinski, Cecil Thiré, Paulo Padilha.

Imagino-lhe o encantamento, jovem universitário ansioso por conhecer arte, assimilar cultura, diante daqueles ‘monstros sagrados’ das artes cênicas. Melhor que ele mesmo conte:

– Depois da peça fiquei lá, olhando tudo […]. Ao final saíram de braços dados Fernando Torres e Fernanda Montenegro […]; segui-os à distância.

Passeios

– Vi que subiram a rampa para a Afonso Pena – conta o mineiríssimo Carsalberto, enquanto nos leva a passear pelo centro de Belo Horizonte –, passaram pelo abrigo de bondes de Santa Teresa, edifício Sulacap depois da Bahia, edifício Acaiaca após a Tamoios e atravessaram a avenida para chegar (meia noite e meia para uma da manhã) ao Hotel Normandy, onde estavam hospedados. Daí peguei o ônibus Bairro da Graça, fui pra casa.

Operários do teatro

– O que vi naquela noite e não esqueci – maravilha-se – foi um casal de operários do teatro e sua companhia a encenar para uma plateia de pouco mais de 50 pessoas entre as quais muitas talvez nem soubessem quem foram Harold Pinter e Millôr Fernandes, mas aprenderam alguma coisa.

Ele desfia outros, similares momentos de magia, que foi minha também:

– No teatro eu assisti a Rasga Coração, de Oduvaldo Viana Filho, a Gota d’água (Paulo Pontes) e a musicais […] como o da atriz Bibi Ferreira a interpretar Edith Piaf, espetáculos que me enriqueceram a vida.

Tudo é política

Carlos Alberto Xavier diz mais sobre Fernanda Montenegro, maior admiração no teatro e na vida:

– Ela esteve nos palanques das ‘Diretas, já’ e em outros, especialmente os palcos que também o são, com peças que conscientizam as plateias […].

Atestam-lhe essa opinião, de que nos palcos exercitam-se atividades essencialmente políticas, “os autores nacionais preferidos de Fernanda: Millôr, Guarnieri, Domingos de Oliveira, Adélia Prado, Naum Alves de Souza, Boal, Gerald Thomas, Mauro Rasi, Nelson Rodrigues, Martins Pena, Arthur Azevedo, Joyce de Oliveira… e os estrangeiros, todos os clássicos, de Feydeau a Goldoni, de Bernard Shaw a Cervantes; a lista é grande”.

Quase Oscar

– No cinema e na televisão – finaliza Xavier – Fernanda viveu personagens em comédias, dramas e tragédias […]. Foi a única brasileira a concorrer ao Oscar, no filme Central do Brasil […].

Sobre o Gil teria outros tantos argumentos, que ficam para próxima ocasião.

Aguardo esta ocasião, Carsalberto. E já lhe cobro seja de fato próxima.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])