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31 de janeiro, 2025

Um vexame tucano e as estratégias de Lula   Boa ideia, porém… O Psdb protagoniza vexame nacional com as trapalhadas na seleção prévia para escolher seu candidato à Presidência. A votação informatizada de domingo, 21.11 ‘melou’, alegadamente por problemas técnicos no uso do aplicativo pelo qual os membros do Partido votaram ou, sem conseguir, tentaram votar. …

Um vexame tucano e as estratégias de Lula

 

Boa ideia, porém…

O Psdb protagoniza vexame nacional com as trapalhadas na seleção prévia para escolher seu candidato à Presidência. A votação informatizada de domingo, 21.11 ‘melou’, alegadamente por problemas técnicos no uso do aplicativo pelo qual os membros do Partido votaram ou, sem conseguir, tentaram votar.

Eleições prévias são boa ideia, acrescentam democracia ao processo. Mas no episódio os tucanos fragilizaram-se duplamente. Primeiro, ao atrapalharem-se na votação informatizada – línguas de víbora já ironizam: se não conseguem haver-se com um aplicativo, como pretenderão administrar uma nação?

Divisões expostas

Mais grave é que o insucesso expõe as divisões do Psdb, além e mais fundo que as esperadas em função do acirramento das rivalidades resultante das prévias; parece improvável venha a apresentar-se coeso em torno do postulante que vença a disputa.

O incidente faz lembrar à opinião pública, também, a desarmonia vigente nas bancadas tucanas no Congresso, das quais grande parte frequentemente contraria as posições do Partido e vota a favor do governo Bolsonaro.

Tudo isso é calamitoso para os tucanos, compromete-lhes a pretensão de resgatar a proeminência que já tiveram no jogo político-eleitoral onde mais alto se joga, nas disputas por governos dos principais estados, cidades e, claro, do poder central.

Derivação à direita

É muito ruim também para o Brasil, a anunciada debacle da socialdemocracia à brasileira. Desde sua gênese ela tem preenchido, com altos e baixos mas presença constante, quase todo o espaço da centro-esquerda, porém começou a deixar lacunas ao chegar ao poder com Fernando Henrique e derivar à direita na política econômica, inclinada a um dito ‘neoliberalismo’ que na peculiar cena brasileira aproximou-a do conservadorismo.

Aliança espúria

A reviravolta acentuou-se com a ascensão de João Dória ao governo de São Paulo, capital e depois ao do estado, engolfada pelo oportunista sem cor ideológica que no processo minou-lhes as bases originais, a misturar o Psdb na geleia geral de um impreciso e indefinido ‘centro’, tout court.

Nesse novo espaço os tucanos perderam identidade e deixaram-se conduzir – justo em São Paulo, a terra natal – à ignomínia do tal ‘bolsodória’, aliança espúria do então prefeito com o bolsonarismo ascendente, a reduzir a tradição democrática dos fundadores – Franco Montoro, Mário Covas, Fernando Henrique, José Richa… – a indigente disputa do poder pelo poder.

Novo Jânio ou Collor?

À parcial desocupação do espaço de centro-esquerda corresponde, quase uma fatalidade, a reformulação da direita populista que se finge centrista e apresta-se a erigir Sérgio Moro o novo ‘salvador da Pátria’, assim um redivivo Jânio e sua vassoura a varrer corruptos ou, quem sabe?, um reeditado Collor ‘caçador de marajás’, a emular dois desastrados e desastrosos presidentes.

De Sérgio Moro outra língua viperina disse que é assim um Bolsonaro que sabe usar talheres à mesa…

Saberá, por certo, mas não sei se saberia diferençar-se o suficiente do ex-tenente, do qual foi prestigiado ministro, para sensibilizar os conservadores arrependidos do voto em 2018.

Quem se habilita?

Tampouco dá pra saber até que ponto o imbróglio das prévias prejudicará o Psdb, além dos óbvios danos já havidos, em suas pretensões de liderar a chamada ‘terceira via’ na disputa pelos eleitores que não querem Bolsonaro nem Lula.

Há outros aspirantes a tal condição: o já referido e controverso Sérgio Moro; Ciro Gomes, o mais conhecido e a carregar correspondente rejeição; o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, sob o desafio de popularizar-se nacionalmente; Henrique Mandetta, ministro da Saúde quando se declarou a pandemia e credor das corretas formulações estratégicas com que enfrentá-la – Bolsonaro não permitiu que as implementasse.

Via obstruída

Há mais postulantes a transitar na terceira via, um já congestionado caminho: a combativa e respeitada senadora Simone Tebet, do Mdb de Mato Grosso do Sul; o senador sergipano Alessandro Vieira (do Partido rebatizado Cidadania, ex-Pps, ex-Partido Comunista Brasileiro), grata surpresa nos embates da Cpi da pandemia.

No entanto, até agora ninguém mostrou robustez para suplantar a polarização entre o presidente que quer reeleger-se e seu principal oponente, conforme apontado nas pesquisas pré-eleitorais: Lula aparece disparado à frente do rival mas não dá pra cravar vença no primeiro turno – sempre conforme as sondagens, sobretudo as intenções espontâneas de voto, aquelas não estimuladas mediante sugestão de possíveis candidatos.

Aposta no caos

E então?, de novo procuraremos o mal menor?, como em 2018, sob o risco de que acidentes induzam outra maioria eventual, ignorante de que Bolsonaro é a encarnação do mal, assumido e absoluto?

Naquela malfadada conjuntura um visceral antipetismo, sob a égide de um tal ‘mercado’ que enxerga nem um palmo adiante do nariz que só fareja lucros, decidiu apostar no caos com a expectativa de atenuá-lo e no caminho ganhar algum.

Ganhou muito, graças aos préstimos de Paulo Guedes, a quem os donos do dinheiro incumbiram domar os mais irracionais arroubos do presidente e implementar, exacerbadas, as velhas receitas liberais (com ou sem o prefixo ‘neo’) com as quais se locupletam.

Falsa dicotomia

Neste estágio do processo é preciso evitar antigas dicotomias, velhos chavões que fingem recusar mas reafirmam preconceitos e induzem avaliações equivocadas. Por exemplo a dicotomia Bolsonaro versus Lula como fossem males comparáveis.

Não são.

Bolsonaro é aquilo que se sabe, adepto de ditaduras, admirador de torturadores e se pudesse suprimiria o estado de direito, a democracia: é este o seu projeto.

Concordemos ou não com Lula, suas ideias e a estratégia de seu Partido – eu mesmo discordo –, haveremos de reconhecer-lhe exemplares respeito ao estado de direito e comportamento democrático em seus 3,5 períodos de governo, sem excluir os que exerceu via Dilma Rousseff.

Controle plural

Convém recordar a única iniciativa dos governos Lula que poderia causar mossas à democracia: a revelada intenção de criar algum ente de avaliação e controle da imprensa, interpretada quase unanimemente como tentativa de censurar, coibir a livre manifestação do pensamento.

Foi ideia infeliz, no formato em que se apresentou, mas é preciso atentar para a modulação que aliados de Lula aventaram: seria útil e teria legitimidade uma entidade independente, plural, integrada por representantes das empresas de comunicação e seus empregados, os jornalistas e seus sindicatos, além de organizações sociais não ligadas ao estado.

Controle social

Este já então velho escriba atreveu-se opinar, à época, quanto a eventuais controles externos da imprensa. Lembro-me de haver conjeturado, primeiro, de que interesses estariam em foco: os dos jornalistas? que produzem notícias e tentam interpretá-las? ou os das empresas donas dos veículos de comunicação de massa?

Pareceu-me e segue a parecer que em ambos os casos haver-se-ia de repelir a intervenção do estado mas seria lícito, democrático e estaria ao amparo da Constituição algum tipo de monitoramento, desde que exercido pela sociedade, sem ingerência de governos e com participação dos produtores de informação – empregados e patrões.

Conselho da imprensa

Sugeri até um possível modelo a adaptar-se, o que os profissionais de propaganda e agências de publicidade encontraram ao instituir o Conar, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária.

Seu nome já diz a que vem e ele funciona muito bem há décadas. Não vejo em que algo análogo ofenderia a imprensa e a liberdade de expressão, garantida a paridade entre jornalistas e empresários sob a modulação de organizações sociais que integrariam um eventual ‘Conai’ – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação da Imprensa.

Absolvição política

Removo, por suposto, as restrições que se poderiam apor às convicções democráticas de Luís Inácio – embora deva manter as objeções a seu comportamento, dir-se-ia, condescendente ante a apropriação de dinheiro público por gestores governamentais e aliados, tal qual comprovado no mensalão e petrolão.

Ele próprio foi condenado, em sentenças confirmadas em segunda e terceira instâncias, por crimes análogos. E a decisão do Stf de inocentá-lo em função de foro inapropriado em que se o julgou e de parcialidade do julgador – o então juiz Moro, que pareceu confirmar as suspeitas ao ingressar no governo Bolsonaro – assemelha-se mais a atitude política que a conclusão jurídica.

Gesto político

Não vou discutir agora a juridicidade dos votos (essa, nem depois!…) e as razões dos ministros da Corte suprema quando reabilitaram Lula.

A analistas políticos na imprensa o gesto soou como necessário contraponto às veleidades autoritárias e agressões de Bolsonaro à democracia e suas instituições.

Ao trazer de volta à cena o líder de um partido estruturado, popular e poderoso o Stf teria respondido àquelas pretensões: ao menos no horizonte das próximas eleições o projeto de ditador tem adversário capaz de derrotá-lo.

Surpresa!

O que ninguém discute é a extraordinária sensibilidade política de Lula, a habilidade em manobrar nessas cenas, liderar sua turma e debater, compor, encontrar intercessões os demais, até adversários. O aceno a Alkmin dá bem a medida da flexibilidade de suas estratégias e movimentos táticos.

Resta saber o alcance, amplitude desses movimentos, à luz das conjeturas de competente observador desses fatos e fenômenos:

“Lá para março ou abril de 2022 Lula declinará de sua candidatura em favor de um candidato de centro-esquerda” – antevê Gaudêncio Torquato, respeitado jornalista.

Aposta possível

Faz sentido, a sacada de Torquato.

Lula tem plena consciência de sua força e também das fragilidades. Sabe que o favoritismo espelhado nas pesquisas pode esboroar-se se algum acidente reacender o hoje subjacente antipetismo que contribuiu decisivamente para o aborto eleitoral de 2018.

Poderá em tal caso preferir, conforme evoluam os fatos e fenômenos políticos daqui até a conformação definitiva das candidaturas em abril de 2022, não se arriscar ante o imponderável e apostar numa aliança, aparentemente invencível, com o postulante que melhor se situe na chamada terceira via – com a única exceção, talvez, de Sérgio Moro.

E enquanto espera defina-se melhor o ambiente manobrará para inviabilizar o maior inimigo.

Política e pragmatismo

Entretanto, convém não menosprezar o pragmatismo que reina no mundo político e acreditar que Lula superaria até a aversão que sentirá pelo ex-juiz que o condenou, a seu ver injustamente.

Pois Luís Carlos Prestes, nos estertores do estado dito ‘novo’ de Vargas, não aceitou? provisória parceria com o chefe da ditadura que poucos anos antes entregara sua mulher, Olga Benário, aos nazistas que a enviaram a um campo de extermínio?

Políticos são assim, esse é o mundo real em que trafegam e adianta nada dizer que é imoral (amoral?); é só impiedoso. Mais inverossímil pareça, Prestes agia politicamente e sob tal prisma não errava ao aceitar a aliança, em nome dos interesses de seu Partido e, acreditava, os do Brasil naqueles trágicos tempos.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)
Marco Antônio Pontes
([email protected] ou [email protected])

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