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Comunicação & Problemas

15 de março, 2021

Ao inferno!, se preciso   Velhos infernos, … “Se Hitler invadisse o inferno, eu apoiaria o demônio”. A boutade é de Winston Churchill, primeiro-ministro britânico […]

Comunicação & Problemas

Ao inferno!, se preciso

 

Velhos infernos, …

“Se Hitler invadisse o inferno, eu apoiaria o demônio”.

A boutade é de Winston Churchill, primeiro-ministro britânico que arregimentava Europa e mundo contra a marcha da barbárie nazista que já submetera quase todo o continente, ameaçava-lhe a orgulhosa ilha e a civilização ocidental da qual a Alemanha, pátria do racionalismo, divorciara-se para irracionalmente se entregar a um tiranete de baixa extração.

… novos demônios …

Quando, aí por agosto ou setembro de 2018, desenhava-se a vitória de Bolsonaro, este velho escriba lembrou-se da conclamação de sir Winston e constatou que era tarde: o eleitorado hesitara na identificação de quem seria o Hitler ou o satanás da vez.

Assim não houve como optar e das urnas emergiu a pior alternativa – pena que então a gente não soubesse ou, a dizer o menos, a eventual maioria do eleitorado não soube.

… a escolher

Agora a gente sabe.

Metade e pouco mais de mandato transcorrido, Jair Messias revelou-se não só o mais incompetente chefe de Executivo da história como também o mais insensível, cruel, incapaz de mínima empatia com o sofrimento de milhões de brasileiros vitimados pela atual pandemia, a mais mortífera em mais de século.

E agora resta pouca margem a dúvida: o Hitler da vez é o ex-capitão e em tal caso importa pouco com que satanás (se assim são fantasiadas as alternativas) haveremos de aliarmo-nos no combate à besta-fera: Asmodeus ou Lula, tanto faz.

Volta ao chão

Sim, eventual leitor que me queira trazer de volta ao chão da história: Bolsonaro não é Hitler (é pior) nem Lula um anjo decaído – sua decadência até pareceu reverter-se, na ressureição política ensejada por uma daquelas ‘tecnicalidades’ que juristas competentes sempre encontram quando querem – inclusive se desempenham funções de estado.

A ver, daqui pra frente, como se haverão com a caixa de pandora que abriram, sabendo que uma vez escancarada ela não poderá mais ser fechada nem cessará de verter inconveniências. E é bom que assim seja, estamos todos cansados de segredos e subterfúgios administrados por quem se acha incumbido de missões especiais cuja compreensão escapa aos comuns mortais.

Direção dos ventos

A ver, também, como se manejam os instrumentos da política – nem velha nem nova; só política – na conformação de alianças ainda que táticas, provisórias que nos livrem desse projeto de tiranete antes que ele avance mais.

Assim como advogados em seu métier, políticos sabem como fazê-lo, quando querem e detectam a direção e sentido dos ventos na sociedade. Em situações-limite, acérrimos oponentes costumam ignorar preconceitos e visitar os círculos mais profundos dos respectivos infernos, se neles residem capetas com objetivos eventualmente coincidentes.

Virar a página

Passo só de passagem pela dicotomia imperfeitamente representada por Lula e adjacências versus Bolsonaro et caterva. Coisa mais passadista!, essa gente precisa convencer-se de que seu tempo acabou.

Que joguem uma última vez seu jogo cansado se dele precisam para superar a enrascada em nos meteram na eleição de 2018. Depois… vida nova!, novas caras e modos; eles e elas felizmente existem, nas hostes de cada qual.

Em recente conversa com um velho amigo (por telefone!; ainda não dá pra retomar velhos hábitos…), fui provocado a virar as páginas e imaginar como seriam os próximos capítulos. Vou tentar, em edição seguinte; por enquanto quero tratar das pressões exercidas sobre a Petrobrás e outras estatais.

Só pensa naquilo

O presidente Bolsonaro moveu-se (como sempre) pelos piores impulsos na tentativa de interferir na política de preços da Petrobrás: não o preocupam seus efeitos sobre a inflação e a atividade econômica, muito menos as repercussões sociais; quer mesmo é agradar apoiadores, como os caminhoneiros e acenar aos segmentos de média e baixa renda, atingidos pelos aumentos selvagens da gasolina, óleo diesel, gás.

Ele só pensa naquilo – as eleições do ano que vem.

Função social

Vale tentar uma limonada minimamente palatável com o limão azedo que nos oferece o ex-capitão, aproveitar a ‘deixa’ para discutir como e por que a Petrobrás estabelece os preços dos derivados de petróleo.

Pra começar, lembremo-nos de que é empresa estatal – ou ‘de economia mista’, conforme a legislação: o estado (não eventual governo) é acionista majoritário, portanto controlador. Como tal, além de mantê-la hígida, eficiente, lucrativa e capaz de investir para crescer, seus dirigentes haverão de comprometer-se com sua função social. Função, aliás, cominada a todas as empresas, públicas ou privadas.

Corrupção, ineficiência…

Recentemente sucessivos governos, cujos titulares indicam oito dos onze membros do conselho que supervisiona a administração da Petrobrás e, por seu intermédio, nomeiam-lhe o presidente e demais executivos, falharam miseravelmente em todas essas funções.

Pra começar ao permitir (até induzir) um gigantesco esquema de corrupção, ensejaram contratações fraudulentas de empreiteiras e outros fornecedores, com superfaturamento cujo produto foi partilhado com executivos da companhia e dos próprios governos.

…e prejuízos bilionários

Assim a corrupção desviou milhões, mas o prejuízo alcançou bilhões de dólares quando decisões estratégicas adotaram-se em função dos interesses privados (e espúrios) de dirigentes da estatal e de seus patronos na administração governamental, em conluio com fornecedores e prestadores de serviços, em vez de pautar-se pelos reais objetivos da empresa.

Megalomania

Claro está em tal quadro a Petrobrás tampouco cumpriria sua função social. Pior, foi a pretextar responsabilidade social que se afundaria ainda mais a empresa, forçada a manter artificialmente baixos os preços de seus produtos para que a inflação parecesse comportar-se como queria o governo.

Além disso a estatal foi induzida a projetos megalômanos, em apoio a suposta política de desenvolvimento regional – vários deles malogrados, todos a ensejar mais corrupção.

Patrimonialismo

Não gosto de ‘fulanizar’ fenômenos, fatos e eventos cuja raiz afunda-se no patrimonialismo que permeia e preside a evolução da elite econômica brasileira em suas relações com o estado. ‘O buraco é mais embaixo’, cavaram-no os donos do dinheiro que desde sempre determinam a evolução política do Brasil e nossa América:

na largada predominaram os terratenientes, em seguida a burguesia industrial cuja hegemonia resultou dos conflitos e conciliações com os antecessores, a conformar novos polos de poder logo substituídos pela supremacia do capital financeiro, hoje transnacional.

Projeto obstado

No caso, porém, há que situar o assalto à Petrobrás em seu devido contexto. Tudo começou com a extinção do monopólio estatal do petróleo (executado pela empresa), velha aspiração das multinacionais concorrentes, afinal atendida no governo Fernando Henrique no bojo da epidemia privatista em que esteve ‘como pinto no lixo’.

Aparentemente queriam mesmo é privatizá-la, os neoliberais que deram o tom da política econômica naquele período, mas foram obstados pela forte reação da opinião pública.

Sem desmanche nem resgate

Os governos seguintes (os do Pt), orientados em parte pelo neoliberalismo, não ousaram prosseguir no desmanche da Petrobrás mas tampouco se interessaram em reverter a quebra do monopólio; preferiam utilizá-la para mascarar os equívocos de sua estratégia econômica. Muito menos se o fez no período seguinte: Michel Temer precisou haver-se com outros problemas – inclusive o da própria sobrevivência – ao percorrer sua precária pinguela.

Saneamento

Descobertas as falcatruas e suas consequências, deflagrada a operação Lava a Jato e conhecida a dimensão do escândalo denominado ‘petrolão’ – com indiciamento, denúncia, condenação e prisão de muitos envolvidos – foi preciso sanear a Petrobrás e o governo Temer, na crise subsequente ao impeachment da presidente Dilma, incumbiu da tarefa uma equipe de profissionais chefiada por competente executivo de estado, testado entre outros desafios na administração do racionamento de energia elétrica que evitou o ‘apagão’ em 2001.

Missão cumprida

Pedro Parente levou a bom termo a ingrata missão: teve que cortar custos, interromper ou abrir mão de investimentos, enfrentar resistências até dos que haveriam de ser aliados naturais, como o competente corpo técnico-funcional da Petrobrás e suas poderosas corporações.

Concluída a tarefa, seria hora de voltar à trajetória normal da maior empresa brasileira e uma das maiores multinacionais do petróleo: programar novos investimentos, expandir o raio de ação, resgatar-lhe a vocação de grandeza, dinamismo e liderança.

Desastre na tragédia

Desgraçadamente, justo quando se aprestava a decolar rumo a novos horizontes a estatal foi colhida por um acidente da história: a atípica eleição presidencial de 2018, que levou ao poder o ex-capitão indisciplinado, parlamentar ignorado até por seus colegas de ‘baixo clero’.

Desastre em meio a tragédia, sob Bolsonaro a condução da economia foi entregue a economista fundamental-liberal, que soma à canhestra ortodoxia uma constrangedora inexperiência de setor público, a par de inabilidade política e incompetência em administrar e liderar.

Desinvestimento (!)

Assim o inacreditável ministro Paulo Guedes encarregou a diretoria que impôs à Petrobrás de sustar-lhe o crescimento, quebrar sua estrutura e desmantelar o eficiente, lucrativo complexo de subsidiárias construído ao longo de décadas. Não por acaso a palavra-chave que lhe traduz a atual estratégia, conforme a explicita nos meios de comunicação, é “desinvestimento”.

Como pode?! uma empresa – qualquer uma, ainda mais se de tamanhos porte e relevo macroeconômico – pautar-se pela negação de seu papel histórico?

Contramão da história

Esses propósitos estão na contramão da tendência mundial: as companhias congêneres empenham-se em consolidar e expandir vertical e horizontalmente a atuação. O conjunto conformado pela pesquisa geológica, prospecção em áreas potencialmente promissoras e extração de petróleo – gueto em que querem confinar a Petrobrás – é só uma parte do negócio multibilionário (em US$…) que inclui também refino, petroquímica, transporte, distribuição e entrega final ao consumidor.

E, frise-se, os segmentos mais rentáveis localizam-se a jusante da retirada do óleo bruto das entranhas do subsolo.

Símbolo esquartejado

Críticos da atual, desnaturada administração da Petrobrás veem no processo a intenção de esquartejá-la e alienar os pedaços no varejo virtual em que se traficam ações como fossem pelotas de crack para ao final, clímax da empreitada, mercadejar na bacia das almas o solapado núcleo restante.

Triste fim o que projetam Guedes e sua turma, sob as bênçãos do tal ‘mercado’ e omissão do Congresso, da imprensa e parte da opinião pública, para empreendimento símbolo da nacionalidade, iniciado e impulsionado com recursos públicos num tempo que o Brasil rebelava-se contra o status secundário que lhe queriam impor os ‘trusts’ internacionais do setor – para reeditar o termo da época.

 

Tributo a Octavio Malta (Última Hora, Rio, circa 1960)

Marco Antônio Pontes

([email protected] ou [email protected])