ECONOMIA
Cortes de gastos: veja as pistas que Haddad deu até agora sobre o ajuste em discussão no governo
31 de outubro, 2024 / Por: Agência O GloboMinistro diz que medidas virão por PEC, e ministros sinalizam convergência
Um dia depois de o dólar atingir o maior patamar desde 2021, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que o conjunto de medidas de ajuste das contas do governo virá por meio de uma proposta de emenda constitucional (PEC), indicando um pacote estrutural de corte de gastos.
Declarações dele e do ministro da Casa Civil, Rui Costa, ainda sinalizaram que a reunião com o presidente Lula na véspera selou um acordo entre os membros do governo sobre as medidas, que estão sendo redigidas antes de serem enviadas ao Congresso Nacional.
As movimentações em Brasília seguraram a moeda americana, mas não foram suficientes para aliviar o câmbio, e o dólar fechou ontem cotado a R$ 5,76, leve alta de 0,04%
— Invariavelmente vai ser uma proposta de emenda constitucional — disse Haddad a jornalistas na saída do Ministério da Fazenda.
O ministro disse ainda que, na reunião com Lula, houve “uma convergência importante” em torno do princípio de reforçar o arcabouço fiscal.
— As despesas obrigatórias têm que encontrar uma forma de caber dentro do arcabouço, porque é isso que faz você ter sustentabilidade — disse.
Haddad afirmou que entende a “inquietação” do mercado sobre o chamado “risco fiscal”, de descontrole das contas, mas ressaltou que precisa entregar a melhor redação possível das medidas ao Congresso Nacional.
— Até entendo a inquietação (do mercado), mas é que tem gente especulando em torno de coisas, como o jeito que eu falo. O meu trabalho é tentar entregar a melhor redação possível para que haja a compreensão do Congresso da situação do mundo, e do Brasil — afirmou.
Diversas políticas públicas estão na Constituição, como o abono salarial, o Fundeb (fundo de educação básica), além de vinculações de gastos e pisos de saúde e educação — isso não quer dizer, necessariamente, que essas medidas serão alvo do governo, mas é indicativo do tamanho das ações. Técnicos e ministros selaram “pacto de silêncio” sobre as propostas em discussão, numa tentativa de blindar medidas antes do anúncio oficial.
Apresentação em novembro
Uma PEC precisa ser aprovada por, no mínimo, 308 dos 513 deputados e 49 dos 81 senadores em dois turnos de votação em cada casa. A movimentação coincide com as discussões sobre a troca de comando na Câmara e no Senado, que passarão por eleições para as presidências em fevereiro.
O arcabouço fiscal, que Haddad fala em reforçar, prevê que as despesas totais do governo devem crescer entre 0,6% e 2,5% acima da inflação a cada ano. Reservadamente, técnicos defendem adequar despesas obrigatórias, como emendas, a essa regra, mas o tema é sensível.
Cálculos do governo apontam que, se nada for feito, o espaço para despesas não obrigatórias, que têm previsão de R$ 104,9 bilhões em 2026, chegará a 2028 com apenas R$ 11,8 bilhões, o que levaria à paralisia no governo federal.
No Palácio do Planalto, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que o pacote é “consistente”, e que tem intenção de apresentá-lo ao Congresso em novembro.
— Para mim, nós precisamos apresentar agora no mês de novembro. Nem todas as medidas, aliás a maioria, precisam ser aprovadas neste ano, porque a questão não é o impacto em 2025, é 2026 — disse a ministra, que afirmou não ver dificuldade em votar as propostas no ano que vem.
Costa: ajustes necessários
Segundo Tebet, este é o primeiro de dois “pacotes estruturais” que serão apresentados pelo governo para ajuste fiscal. A projeção de economia ainda está em discussão.
— Vamos apresentar agora o que a gente sabe, também, que é preciso conversar e combinar com o Congresso. Não adianta o presidente dar “ok” e a gente ter certeza que tem alguma medida que o Congresso não aprove — disse Tebet.
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, por sua vez, afirmou em rede social que Lula fará “os ajustes necessários” para manter o crescimento do país e assegurar o cumprimento do arcabouço fiscal.
“Quem apostar contra o Brasil vai perder, o presidente Lula vai fazer os ajustes necessários para manter o crescimento do país, assegurar investimentos e cumprir o arcabouço fiscal, enquadrando as despesas dentro das regras da meta fiscal”, escreveu Costa.
Para analistas, é positivo que a mudança seja por PEC, por indicar a disposição em fazer ajustes de forma duradoura. Mas faltam detalhes.
— Tudo vai depender do que estiver nessa PEC — disse Luan Aral, especialista em câmbio da Genial Investimentos.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren, vê como necessário corte de R$ 44,1 bilhões para que se atinja a banda inferior do déficit zero em 2025 (equivalente a -0,25% do PIB), mas não seria suficiente para garantir a sustentabilidade do endividamento.
Ele considera como opções para o ajuste a revisão da complementação do Fundeb, o percentual mínimo de gastos de saúde, emendas parlamentares, além de abono salarial e seguro-desemprego.