COLUNAS
Da noite e dos domingos
16 de julho, 2024Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
Cruzei o menino do Mambo agora na Al. Barros. Ele vinha contra o vento, o cabelo balançava como que dançando. Era um entre cinco amigos e ria todos os dentes. Demorou um pouquinho pra eu lembrar de onde conhecia o menino. Nos encontramos quase todos os dias no caixinha de autoatendimento. O Mambo instalou esses caixinhas desde que abriu a primeira unidade aqui no bairro. Eu tenho dúvidas sobre eles. Parte de mim gosta. É rápido, não precisa tirar o fone do ouvido pra interagir com ninguém e alimenta a Roberta criança que amava brincar de comércio. Leio os códigos de barras, ponho as compras na sacola, passo o cartão, me pergunto na cabeça se é crédito ou débito. Outra parte tem horror. Não funciona direito, dispensa um monte de CLT, não pesa fruta, dá ordem num volume altíssimo, faça isso, faça aquilo, CPF na nota? Quer usar o mesmo CPF? Possui ticket de estacionamento?. O bicho dá muito defeito, de forma que há sempre alguém do mercado por ali pra auxiliar quando é preciso. Quase sempre é esse menino do Mambo que me ajuda e tenho com ele um relacionamento meio unilateral e injusto, sou sempre ajudada e nunca ajudo.
Saber que o menino do Mambo é feliz fora do Mambo foi um alívio. Dos amigos, tinha uma pra quem ele olhava toda vez que ria. O amigo olhava de volta. Havia uma cumplicidade bonita entre eles, como se o sorriso de um, funcionasse como imã para o sorriso do outro. Acho que estão apaixonados. Senti um amor profundo pela intimidade que tinha com os seus. Eram um grupo barulhento, dançarino e voador.
Eu voltava da academia, bem cedinho ainda, não tinha nem amanhecido direito. Ele devia estar voltando da noite de domingo. Fiquei aqui calculando as folgas e escalas do menino do Mambo, e não cheguei a nenhuma conclusão lógica, claro. Somente a de que nunca mais vou me referir a ele como sendo de um lugar, principalmente se esse lugar for o supermercado onde ele trabalha. O menino é do menino. É dos cabelos do menino, da cumplicidade que divide com os amigos, da noite e dos domingos. Toda vez que eu encontrar com ele a partir de agora, vou lembrar do sorriso e do apaixonamento que pode ser por alguém ou pela própria vida. A vida é maior do que acordar, ir pra academia e pro trabalho e pro supermercado. A vida é olhar para o que acontece no meio dos caminhos. Beijo de boa segunda no desejo de que ela seja mesmo boa, pra mim, pra ti e pro menino.
Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quem manda aqui sou eu – Verdades inconfessáveis sobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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