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POLÍTICA

De militante contra a ditadura fichado pelo SNI a assessor de Bolsonaro: a trajetória do suposto informante da ‘Abin paralela’

26 de julho, 2024 / Por: Agência O Globo

Carlos Montarroyos nega que tenha sido fonte da agência no Rio. Relatório do SNI mostra que ele já foi filiado ao Partido Operário Revolucionário Trotskista

De militante contra a ditadura fichado pelo SNI a assessor de Bolsonaro: a trajetória do suposto informante da ‘Abin paralela’
Carlos Alberto Viana Montarroyos — Foto: Reprodução/arquivo pessoal

Apontado como informante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, Carlos Alberto Viana Montarroyos já foi filiado ao Partido Operário Revolucionário Trotskista e integrante do movimento das Ligas Camponesas, organizações formadas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). O histórico de militância contra o regime militar o levou a ser alvo do órgão de espionagem da época, o Sistema Nacional de Informações (SNI).

O passado ligado a movimentos de esquerda ficou para trás, e Montarroyos se tornou dirigente regional do PSC no Rio, posto que deixou após desavenças com o então presidente da sigla, Pastor Everaldo.

A investigação da PF sobre a “Abin paralela”, montada no governo Bolsonaro para investigar opositores e livrar a família do ex-chefe do Executivo de apurações em curso, identificou que Montarroyos foi recrutado para ser informante da agência. Na época, ele tinha um cargo no gabinete do então vice-governador Cláudio Castro. O objetivo era que ele repassasse informações sobre o governador da época, Wilson Witzel, adversário político de Bolsonaro.

A PF descobriu o caso após ter acesso a um e-mail de Ramagem. Entre os arquivos salvos, constava um documento registrado como “Análise Primeiro Contato.docx” — que fazia um relato de uma “entrevista” com Carlos Alberto. Conforme a polícia, ele foi recrutado “para obtenção de vantagens políticas em troca de cargo público no governo federal”.

Os investigadores apontam indícios de que a motivação do informante era contribuir com informações sobre o então governador Witzel e bastidores da investigação no Ministério Público do Rio de Janeiro envolvendo Flávio Bolsonaro em troca de um cargo na gestão federal, o que foi concretizado com a nomeação do colaborador no gabinete da Presidência da República no Rio de Janeiro. Ele foi nomeado no gabinete do presidente em 17 de março de 2020 e exonerado a pedido do cargo no governo do Rio em 24 de março.

Procurado pelo Globo, Montarroyos negou qualquer ligação com a Abin, antes de desligar o telefone apressadamente.

— Eu nunca fui recrutado pela Abin. Nunca teve isso não. Eu sou um homem de 85 anos, aposentado, não tenho nada a ver com isso não — disse.

Perguntado se o cargo que ele obteve junta à presidência tinha alguma relação com serviços prestados à Abin, ele também negou, mas não explicou suas funções.

Portaria da nomeação de Carlos Alberto Viana — Foto: Reprodução
Ficha de Carlos Alberto Viana no SNI — Foto: Reprodução

Entrevista ao SNI

Um arquivo de agosto de 1970 do SNI traz um depoimento de Montarroyos, acompanhado da sua ficha — à época, ele tinha 28 anos e havia sido condenado a oito anos de reclusão. O órgão de repressão da ditadura explica que ele desenvolveu em Pernambuco intensa atividade estudantil, antes de ingressar nas Ligas Camponesas. Posteriormente, Montarroyos foi anistiado.

Ficha de Carlos Alberto Viana no SNI — Foto: Reprodução
Ficha de Carlos Alberto Viana no SNI — Foto: Reprodução

Em 1963, aos 24 anos, foi para Goiás para fundar o Movimento Revolucionário Tiradentes, “grupo que deveria atuar paralelamente às Ligas Camponesas, visando o desencadeamento de um movimento revolucionário à mão armada”, segundo relatório do SNI. “Na época, este movimento criou em Goiás um núcleo de treinamento de guerrilha”, informa o documento.

De volta a Pernambuco, ele discordou do governo de Miguel Arraes, tentou criar um movimento independente de oposição, mas acabou preso por três meses, segundo o relatório. No ano seguinte, em 1964, viajou ao sul do país e seguiu para Montevidéu, onde passou a colaborar com os exilados brasileiros e onde se filiou ao partido Trotskista.

“No Partido Trotskista, ascende à Direção Nacional, participando de reuniões de alto escalão, tornando-se um quadro dirigente com perspectivas de assumir posições no movimento Trotskista Internacional”, diz relatório. Ele se desvinculou do grupo em 1968 e, segundo o órgão, depois que “desiludido definitivamente” é atraído pelo PCB para trabalhos de tradução. “Tarefa que aceitou por questão de sobrevivência, quando é detido pelas autoridades do estado”, informa documento.

Pagamento em envelope

Em uma ficha intitulada “colaborador”, que está dentro do arquivo obtido pela PF, constam informações pessoais coletadas pela Abin. No documento, Montarroyos informou que recebia cerca de R$ 6 mil. No governo federal, o cargo para o qual foi nomeado tinha salário na época de R$ 5.685,55. À Abin, ele também disse prestava serviços no escritório do PSC sem registro e que recebia uma remuneração de R$ 3 mil, entregues a ele mensalmente em um envelope pelas mãos de uma secretária do Pastor Everaldo.

AO Globo, o dirigente partidário negou a informação e disse que Montarroyos não prestou serviços à sigla depois que se desfiliou.

— Todos os funcionários que trabalhavam para o partido sempre receberam dinheiro com carteira assinada, ou quando é prestação de serviço tem lá os recibos de todo mundo que presta serviço. Ele não prestava serviço nesse período de 2020, nem formal nem informal — disse.


BS20240726181743.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/07/26/de-militante-contra-a-ditadura-fichado-pelo-sni-a-assessor-de-bolsonaro-a-trajetoria-do-suposto-informante-da-abin-paralela.ghtml