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E aí, Freud?

24 de julho, 2023

Pari um bebê velho. Enrugado, não da umidade do útero, mas da secura da vida. Passou pelo canal vaginal quebrando os ossos ocos de osteoporose. […]

E aí, Freud?

Pari um bebê velho. Enrugado, não da umidade do útero, mas da secura da vida. Passou pelo canal vaginal quebrando os ossos ocos de osteoporose. O fêmur estalou de assustar a parteira. Quando saiu inteiro, tremendo de frio, não se ouviu choro. O geriatra, que lhe deu os tapinhas, ficou com o resmungar de um ai, como uma pergunta: mas aqui, de novo? O bebê era careca, mas só no topo da cabeça. As unhas curvas e pontudas iguais às das senhoras das manicures de Higienópolis. Cascos grossos, apontando pra dentro. Nasceu já cansado. O fastio lhe fez negar o peito, secar o peito, murchar o peito. Levou nove meses pra morrer de novo. Falência múltipla de órgãos.

Fali um banco que era meu. Acionistas incrédulos se perguntavam como consegui. O Itaú foi fundado em 1945, tava indo tão bem, diziam. Eu que dei a notícia. Não senti vergonha. Era a sala de reunião de Succession. Logan, Kendall, Shiobhan, Roman, Tom e até o Greg, todo mundo nervoso, fazendo conta, um falando por cima do outro e eu rindo. De pijama descombinado, fazendo sudoko, sem nem ter escovado os dentes e rindo. De dentro da sala de vidro, eu via a Natuza Nery, a Magê Flores e o Maurício Meirelles, os três com microfones da Xuxa na mão. Natuza era Natuza, mas a Magê e o Maurício eram a Flor, neta do Gil, e o Maurício de Souza da turma da Mônica. Eu só pensava que tinha que acertar o momento kinder ovo, mas esse é outro podcast.  

Tomei oito litros de cajuína. Eu repetia na emergência do Sabará que é um hospital infantil e, exatamente por isso, não podia me atender na emergência. Aí já era o que repetia a enfermeira. Minha barriga estava tão grande, tão inchada e borbulhante, que não seria surpresa se nascesse um teresinense ali mesmo no chão colorido do P.S. E aí quero ver vocês não atenderem o menino. Senhora, isso não é maternidade. E eu ligava pra Unimed numa cabine telefônica daquelas inglesas e tinha uma fila de turista querendo tirar foto na cabine. Eu demorava porque, veja, eu estava tentando resolver um problema com a Unimed. Vocês já tentaram resolver qualquer coisa com a Unimed?. Cantávamos eu, a enfermeira, Caetano e o rei em coro, como se fosse uma ópera. As barrigas, de nós quatro, quebrando os portões do Sabará.

Vixe, que ando tendo cada sonho.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

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