ESPORTES

Em meio a crise e promessa de profissionalização da CBF, árbitros convivem com angústias

28 de abril, 2025 | Por: Agência O Globo

Após duas trocas na comissão da categoria em três anos, homens e mulheres do apito destacam que movimento deve ir além do vínculo empregatício e ser acompanhado de condições para melhor preparação

O treino dos árbitros da Série A realizado pela CBF no Rio — Foto: Rafael Ribeiro/CBF

“Quando você opta pela profissão de árbitro de futebol, teoricamente tem consciência de que não vai ser a pessoa amada dentro do estádio”, reconhece Neuza Back, assistente Fifa que atuou em três Copas do Mundo. De fato, quem escolhe esta carreira está acostumado com o fato de que suas decisões sempre vão desagradar a alguém. Mas a relação do futebol brasileiro com a arbitragem nos últimos anos foi muito além disso.

A insatisfação generalizada passou a roubar os holofotes da disputa esportiva. Não foram poucas as partidas marcadas por erros ou pela confusão nos critérios adotados. Uma crise que já resultou em duas trocas no comando da comissão de arbitragem em pouco mais de três anos, além da perda do prestígio da atuação dos homens e mulheres do apito. Como resposta, a CBF iniciou uma série de treinamentos e prometeu a profissionalização da classe.

Realidade de atleta

Mas o que pensam os árbitros? Personagens principais desta crise, eles veem com esperança esta promessa. Mas alertam que, ao contrário do que pensa o senso comum, este movimento vai muito além do estabelecimento de um vínculo empregatício.

— Nós precisamos de uma estrutura ampla para que a gente consiga se manter. Primeiro fisicamente, porque a demanda física é igual à do atleta, para você acompanhar o jogo. Fisioterapia, academia, um campo para treinar, um preparador físico… Uma condição de certa forma ampla, a mesma que o atleta tem. Porque, se estou inserida no futebol, nada mais justo do que me aproximar da realidade de um clube — opinou Back.

Atualmente, os árbitros e assistentes se cercam desta estrutura por conta própria, com profissionais particulares nas áreas de preparação física, fisioterapia e nutrição. Mas reconhecem que há limites: não é possível realizar o treinamento prático, com simulação de jogos e necessidade de tomadas de decisão.

No início de abril, a CBF reuniu no Rio 72 árbitros e assistentes que atuam na Série A. Ao longo de quatro dias, eles realizaram atividades físicas e teóricas, de análise de lances e de simulação de jogos. Neste exercício, as partidas foram monitoradas por oito câmeras ligadas a uma cabine de VAR. Após o apito final, receberam um feedback imediato com seus erros e acertos.

— É fundamental a gente poder treinar com jogador, na prática. Porque a gente precisa também entender as táticas das equipes. Posicionar-se dentro do jogo se um time joga compactado, se joga com pressão lá em cima, com pressão baixa… Tem diversas variantes. Pode ser uma bola longa, uma pressão no goleiro… — reflete Ramon Abatti Abel, que em junho atuará no Mundial de Clubes.

A CBF já anunciou que fará novo período de treinos em junho, durante a pausa para o Mundial, com duração e turma maiores. Os árbitros chamam a atenção para a frequência.

—A gente tem que passar por isso de forma periódica. A cada mês ou 20 dias — opina Wilton Pereira Sampaio, que já atuou em duas Copas. — Profissionalização não é só assinar a carteira e dizer que vai receber um valor mensal. Tem todo um trabalho por trás. Como disponibilizar instrutores físicos e técnicos, cuidar da parte psicológica, da nutricional.

De acordo com Rodrigo Cintra, coordenador-geral da comissão que assumiu em fevereiro, este acompanhamento passou a ser feito de forma individualizada. A partir de relatórios dos instrutores e observadores de arbitragem e dados do sistema de monitoramento, nomes são escolhidos para serem submetidos a uma equipe multidisciplinar. Ele citou Anderson Daronco:

— Ao longo de 30 dias ele eliminou 7kg de massa gorda, aumentou sua performance atlética em nível de sprint e de corrida e melhorou, inclusive, o rendimento mental. Não estou dizendo que ele tinha problemas, mas que ele está aprimorando tomadas de decisão em alta pressão.

Controle das redes

A crise dos últimos anos aumentou a pressão pública sobre os árbitros, que encontram suas próprias formas de enfrentá-la. Wilton Pereira Sampaio, que já foi intimidado até na rua, optou por não ter redes sociais. Ramon Abatti e Neuza Back mantém as suas ativas. O primeiro limita quem pode interagir com as publicações. A assistente deixa o canal aberto, mas precisa bloquear quem ultrapassa os limites da crítica respeitosa.

Os três contam com psicólogos próprios para manter o equilíbrio emocional. Mas pertencem a uma espécie de elite da classe que não retrata a totalidade. Nem todos conseguem viver só da arbitragem e tampouco custear uma equipe multidisciplinar própria. Até por isso, mesmo que reforcem que profissionalização vai além da segurança empregatícia, ponderam que ela não é menos importante.

— Muitos árbitros têm o seu segundo trabalho. Não é o meu caso, mas quando a gente vem para cá (para a semana de treinos no Rio), alguns acabam desfalcando esse trabalho. E isso gera um certo transtorno na vida profissional secundária deles — observa Back.

A promessa da CBF é de profissionalizar a primeira turma de árbitros e assistentes até o fim de 2026. A definição dos escolhidos será a partir do acompanhamento dos desempenhos deles ao longo dos próximos meses.


BS20250428040015.1 – https://oglobo.globo.com/esportes/noticia/2025/04/28/em-meio-a-crise-e-promessa-de-profissionalizacao-da-cbf-arbitros-convivem-com-angustias.ghtml

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