ECONOMIA
Energia solar: brasileiros já instalam “uma Itaipu” por ano em telhados
7 de novembro, 2024 / Por: Agência O GloboIncentivo vem do preço do kit do sistema de painéis fotovoltaicos, que caiu 50% nos últimos 12 meses. E o Brasil tem a energia elétrica mais cara do mundo no modelo convencional
A energia solar fotovoltaica será a principal fonte de energia renovável do mundo em 2030, superando a eólica e a hidrelétrica, segundo relatório da Agência Internacional de Energia (do inglês International Energy Agency/IEA) divulgado este mês (dia 9 de outubro). O impulso vem de custos cada vez menores, prazos mais curtos de licenças ambientais e aceitação da sociedade. Até o fim desta década, a solar será a responsável por 80% do crescimento da energia renovável no planeta. A previsão mundial impressiona: em 2027 a geração de eletricidade solar fotovoltaica ultrapassará a eólica. Em 2029, superará a geração hidrelétrica.
No Brasil, a energia solar já é a segunda maior fonte da matriz elétrica desde o início de 2023 e cresce em ritmo acelerado. O professor Ricardo Rüther, coordenador do Laboratório de Energia Solar da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde foi instalado o primeiro sistema fotovoltaico do Brasil, em 1997, lembra que há oito anos a energia solar cresce mais do que todas as outras fontes de geração de eletricidade no país e, no ano passado, cresceu o dobro de todas as outras fontes, renováveis e convencionais.
— O Brasil instala por mês, em telhados, mais de 1 gigawatt (GW). A hidrelétrica de Itaipu tem capacidade instalada de 14 GW, demorou 20 anos para entrar em plena operação e o país levou 50 anos para pagar a dívida. O empréstimo só foi quitado em 2023. Agora as pessoas instalam, com suas economias, uma Itaipu por ano. É a democratização na geração de energia elétrica — diz Rüther.
O principal motivo da expansão tem sido a queda no preço. O custo do Kit do sistema de energia fotovoltaica caiu 50% nos últimos 12 meses. Se considerado apenas o primeiro semestre deste ano, a redução foi de 9%.
Se antes o consumidor via seu investimento ser recuperado apenas depois de seis anos, agora o payback está na faixa de três —e em alguns casos até em dois anos. Quanto mais sobe o preço da energia elétrica da rede, mais rapidamente quem investe em energia solar vê seu retorno.
— A micro geração de energia enche os olhos dos consumidores devido à queda do preço da instalação e os altos preços das contas de luz — diz o engenheiro Pedro Dantas, dono da GoGreen Power, que atua na região de Sorocaba e Boituva.
Gerar eletricidade solar no telhado de casa é cada vez mais competitivo. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), de janeiro a setembro deste ano Sorocaba, segunda cidade mais populosa do interior paulista, com cerca de 720 mil habitantes, recebeu 1.300 novas instalações de energia solar em residências, empresas e propriedades rurais. O município tem hoje 5.600 instalações, o dobro de 2022.
Moradora de Boituva, a arquiteta Tatiana Trindade instalou 12 placas solares em sua casa em setembro passado, buscando redução no valor de sua conta de energia, que girava entre R$ 400 e R$ 450 ao mês. Já no primeiro mês pagou R$ 102.
— Neste primeiro mês até consumi mais energia, com um novo aparelho de ar condicionado, e mesmo assim o valor da conta caiu — diz Tatiana, que investiu R$ 17 mil no sistema e parcelou diretamente com o fornecedor em 21 vezes. Se produzir energia a mais do que ela consumir, o excedente será reinjetado na rede da concessionária em troca de créditos, medidos em quilowatts-hora.
Financiamento bancário ajuda impulsionar o mercado
Nos bancos, as linhas de financiamento para energia solar também tiveram queda de juros. As taxas, que chegaram a 2,5% há alguns anos, hoje giram em torno de 1,2% a 1,9%, mas podem ser até menores (0,9%) dependendo do relacionamento do cliente com o banco. A carência para início de pagamento varia de 90 a 120 dias. Os prazos de financiamento vão de 60 meses, caso do Bradesco, a 96 meses, oferecidos pelos bancos BV e Santander.
Rüther afirma que a redução de custos do sistema faz parte da curva de aprendizado da indústria. A matéria-prima das placas, a célula de silício, é a mesma há 70 anos. Não há riscos na oferta, já que é o segundo elemento mais abundante do planeta (cerca de 25% da crosta), atrás apenas do oxigênio. É inerte, não tóxico e praticamente não causa impactos ambientais.
O avanço da tecnologia permite que as placas tenham hoje um terço da espessura e gerem mais energia num mesmo espaço. A eficiência aumentou. Um sistema que usava 20 placas dez anos atrás hoje usa oito para gerar a mesma quantidade de energia.
Segundo a Absolar, nos últimos anos também as estruturas de suporte para uso em telhados e em solo, de fabricação nacional, se tornaram mais leves, dinâmicas e práticas para montagem.
Novas tecnologias inovadoras proliferam. Há testes mundiais, feitos também na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, para substituir o silício por perovskita (um mineral de óxido de cálcio e titânio), cuja conversão fotoelétrica pode ser mais eficiente. Estão em curso pesquisas para utilização de um concentrador, com espelhos e lentes, que foca a irradiação solar numa área menor e, ainda, o uso de nanocristais para absorver a luz solar e convertê-la em eletricidade.
Na Holanda, na cidade de Zwole, uma usina solar flutuante, instalada no mar, produz 6% da energia consumida pelos habitantes. Na China, um piso desenvolvido por pesquisadores da Universidade Jiao Tong, de Xangai, com células solares, pode ser aplicado em ciclovias para captar a luz do sol. No Brasil, a Eternit desenvolveu a primeira telha fotovoltaica de fibrocimento.
Sol é matéria-prima farta no país
Ronaldo Koloszuk, presidente do conselho de administração da Absolar, diz que a questão climática e a busca por sustentabilidade têm exercido forte apelo na busca pela energia solar. O que se esperava para o futuro, com picos de calor, secas e enchentes, já se vê hoje no Brasil e no mundo.
Do outro lado está o fator econômico, com a redução de custos.
— A China é a maior produtora mundial de painéis solares e sempre foi a maior consumidora. Com o arrefecimento da economia chinesa, há um excedente de produção para atender o resto do mundo e os preços baixaram — explica Ronaldo Koloszuk, presidente do conselho de administração da Absolar.
O consumidor brasileiro tem ainda outra razão no bolso: o Brasil tem o maior custo de energia elétrica residencial, em relação à renda per capita, entre 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de acordo com ranking feito pela Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace Energia).
Na maior parte dos centros urbanos, o uso de aparelhos de ar‐condicionado e os chuveiros elétricos são os responsáveis pelos picos de demanda elétrica, entre 14h e 21h. E é nos horários de ponta que as tarifas são mais altas.
O crescimento da energia solar, segundo o professor Rüther, é inexorável. A energia solar já está em 4 milhões de unidades consumidoras no Brasil — telhados de casas, comércio, fachadas e pequenos terrenos. Pouco para um mercado de 85 milhões.
Enquanto a geração de energia eólica está instalada em locais distantes, dependente de grandes volumes de investimentos em linhas de transmissão, a solar está dentro das cidades. E, na maioria delas, não falta a matéria-prima, o sol.
Segundo Rüther, a capital menos ensolarada do Brasil, Florianópolis, recebe 40% mais radiação solar anual do que a cidade de Freiburg, local de maior irradiação na Alemanha. Freiburg já começou a implantar ciclovias solares, cobrindo a pista com painéis solares transparentes, de vidro e alumínio.
O maior entrave no Brasil ainda é o preço das baterias que armazenam energia solar para ser usada depois que o sol se põe. A carga tributária gira em torno de 80%, o que prejudica o consumidor. Mesmo assim, segundo a fabricante Elgin, os preços dos sistemas de armazenamento no país caíram cerca de 83% nos últimos 10 anos
Em países como Estados Unidos e Austrália elas já são usadas em escala nas residências.
Para as grandes usinas, o Brasil deve realizar em 2025 um leilão exclusivamente para contratar baterias e sistemas de armazenamento de energia solar e eólica. Estima-se que, até o próximo ano, o país deve atrair R$ 5 bilhões de investimentos por ano para armazenamento de energia.