Brasília Agora


COLUNAS

Esqueçam não

27 de novembro, 2023

“Bom dia, fulano, estou por aqui”. Mando essa mensagem todo dia, não sei quantas vezes por dia para o Whatsapp dos analisandos que atendo online. […]

Esqueçam não

“Bom dia, fulano, estou por aqui”. Mando essa mensagem todo dia, não sei quantas vezes por dia para o Whatsapp dos analisandos que atendo online. Tô lá na tela de conversa com um fulano específico, certo? Escrevo “Bom” e o teclado me sugere “dia”. Escrevo “Boa”, ele sugere tarde se estiver de tarde ou “noite” se estiver de noite. Aceito, acrescento a vírgula do vocativo e ele já me sugere o nome do fulano que eu quero chamar. Aceito. Aí mando o “Estou” e ele me sugere “bem”. Nego. Mando o “por” e ele às vezes quer que eu diga “Estou por fora”, às vezes “Estou por aí”. Eu acho isso tão engraçado, minha gente. Na segunda-feira, por exemplo, eu nego oito vezes que estou bem. É mentira. Ando tão tranquilinha. 

Ao mesmo tempo, nego que estou por fora e que estou por aí. Gosto de negar não. Acho importante poder bancar o estar por fora. A gente tá meio por fora mesmo de um monte de coisa. É massa sobreviver ao estar por fora, não saber de tudo, não se sentir incluído em todas as rodas. Esse foi o fim de semana da Flip. Tinha tanta gente querida lá, tanta gente sabida. Eu queria ter ido. Ano passado foi a mesma coisa, me prometi ir, mas não me organizei a tempo. Ano que vem eu vou. Prometo. E nem sei se eu vou mesmo. Fato é que fiquei por fora. Precisa negar não. Sobrevivi e me alegrei por quem estava por dentro. 

Estou por fora e estou por aí. No Sábado, fomos Lalá, Sofi e eu para o show do Caetano (de novo, eu sei, é que era o show do Transa). Lalá rompeu o ligamento do calcanhar, imobilizou o pé, mas topou ir assim mesmo. Ficou em uma área pra pessoas com dificuldade de locomoção com a Sofi que entrou como acompanhante. Eu, do lado de fora (por fora), pertinho delas, mas ao mesmo tempo em outra área, meio sozinha. Assim que chegamos, deixei as duas sentadinhas, e fui comprar alguma coisa pra gente comer e beber – aliás, a pipoca doce pequena custava R$25, alguém tá louco? -, no caminho, encontrei um amigo de faculdade que não via há 25 anos. Aquilo me deu uma alegria gigante. Ao abraçá-lo, abracei 25 anos de mim, abracei a minha juventude. Ele também pareceu contente, tava tão vivo, tão bonito. O show foi que nem esse abraço. Caetano mais vivo do que nunca, Angela Ro Ro, numa força, Jards Macalé num talento. 

Ele cantou Nine out of ten duas vezes. Não foi uma escolha qualquer. Repetir “Um dia vou morrer. Estou vivo” tantas vezes com tantas vozes, em um grito coletivo, como foi o de sábado, em um grito de 81 anos, 81 anos por aí, é de um tamanho que eu não sei nem dizer que tamanho é esse. Aí passam outras músicas, e voltam os gritos. De novo. Um dia, a gente vai morrer, minha gente. Sério mesmo. A gente vai morrer. Eu, tu, meu amigo, minhas meninas, todo mundo. Mas a gente tá vivo agora. Eu não quero, nem posso esquecer disso. Esqueçam não. Só de estar vivo, a gente tá bem, pé quebrado, por fora, por aí ou por aqui. Boa semana, queridos.

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…

@robertadalbuquerque
[email protected]
https://www.facebook.com/roberta.dalbuquerque
https://www.instagram.com/robertadalbuquerque