Um novo estudo conduzido por pesquisadores do Mass General Brigham, nos Estados Unidos, analisou dados de quase nove milhões de adultos no país e identificou as duas profissões com as menores taxas de morte pela doença de Alzheimer: motoristas de ambulância e taxistas. Segundo os responsáveis, os resultados podem ter relação com o fato de os trabalhos exigirem “processamento espacial frequente” para os indivíduos se localizarem e transitarem pelas cidades.
“A mesma parte do cérebro que está envolvida na criação de mapas espaciais cognitivos, que usamos para navegar pelo mundo ao nosso redor, também está envolvida no desenvolvimento da doença de Alzheimer”, afirma o autor principal do trabalho, publicado na revista científica BMJ, Vishal Patel, em comunicado.
Os cientistas analisaram dados sobre mortes que ocorreram entre janeiro de 2020 e dezembro de 2022 disponíveis no Sistema Nacional de Estatísticas Vitais dos EUA. Foram incluídos 8,9 milhões de adultos que tinham as informações sobre a profissão no sistema.
Ao todo, 443 ocupações diferentes fizeram parte da análise. No geral, do total de óbitos, 3,88% (348,3 mil) foram em decorrência do Alzheimer. Entre os taxistas, porém, essa taxa foi inferior: 1,03%. E entre os motoristas de ambulância, foi ainda menor: 0,91%.
A mesma relação não foi observada em outras profissões ligadas ao transporte, como motoristas de ônibus, em que a taxa foi de 3,11%, e pilotos de avião, de 4,57%. Mas os pesquisadores avaliam que essas ocupações “são menos dependentes do processamento espacial e de navegação em tempo real”, por seguirem rotas fixas que não mudam no dia a dia.
“Nossos resultados destacam a possibilidade de que alterações neurológicas no hipocampo ou em outros locais entre os motoristas de táxi e ambulância possam ser responsáveis pelas taxas mais baixas da doença de Alzheimer”, diz Anupam B. Jena, também autor do estudo e médico do Hospital Geral de Massachusetts.
Os pesquisadores lembram, porém, que se trata de um estudo observacional, ou seja, que analisa a ocorrência de dois fenômenos e busca associações entre eles – neste caso, as mortes e as profissões. Embora os trabalhos do tipo apontem relações importantes, “não é possível tirar conclusões definitivas sobre causa e efeito”, reforçam os cientistas.
“Consideramos essas descobertas não como conclusivas, mas como geradoras de hipóteses. Elas sugerem que é importante considerar como as ocupações podem afetar o risco de morte por doença de Alzheimer e se alguma atividade cognitiva pode ser potencialmente preventiva”, diz Jena.
Richard Oakley, diretor de Pesquisa e Inovação da Sociedade do Alzheimer, no Reino Unido, vê a teoria apontada no trabalho como interessante, “pois o hipocampo, a região do cérebro usada para a memória espacial e a navegação, é uma das primeiras afetadas pela doença”. Oakley não participou do estudo.
Robert Howard, professor de Psiquiatria na University College of London, afirma ser “provável que os indivíduos com melhores habilidades de navegação e espaciais prosperem nesses empregos e isso represente a presença de uma maior reserva cognitiva, de modo que eles precisem de mais neurodegeneração antes de desenvolverem os sintomas do Alzheimer”.
Ele, que também não estava envolvido no trabalho, acrescenta que “ o advento da tecnologia de navegação por satélite, com menos dependência de habilidades de navegação inerentes, provavelmente reduzirá esses efeitos”.
Tara Spires-Jones, professora da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e presidente da Associação Britânica de Neurociência, concorda que os resultados de fato contribuem “para o conhecimento sobre a construção da resiliência cerebral para reduzir o risco da doença de Alzheimer”.
No entanto, ela, que também não participou do trabalho, cita limitações que podem ter influenciado as conclusões: “Vale a pena observar que a idade de morte dos motoristas de táxi e ambulância neste estudo foi de cerca de 64 a 67 anos, enquanto que a média para as outras ocupações foi de 74 anos”.
“Essa é uma séria limitação do estudo, já que a idade de início do Alzheimer geralmente ocorre após os 65 anos, o que significa que os motoristas de táxi e de ambulância poderiam ter desenvolvido Alzheimer se tivessem vivido mais”, continua.
Além disso, ela cita que a proporção de mulheres motoristas de táxi e ambulância foi de 10% a 22%, abaixo da média de 48% nas outras profissões. O que é relevante, já que mulheres têm maior risco de desenvolver Alzheimer do que homens.
“Os autores usaram estatísticas para tentar levar em conta essas limitações, mas elas de fato limitam a interpretação do estudo. Mas assim, os dados do estudo são interessantes e destacam a necessidade de mais pesquisas fundamentais sobre como proteger nossos cérebros do Alzheimer”, diz.