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Fim da janela de transferências: por que brasileiros escolhem seguir para ligas alternativas de fora em vez de atuar no país? Entenda

2 de setembro, 2024 / Por: Agência O Globo

Em entrevistas ao GLOBO, Gabriel Pereira, Arthur Vignoli e Lucas Ribeiro contam suas experiências e escolhas profissionais

Fim da janela de transferências: por que brasileiros escolhem seguir para ligas alternativas de fora em vez de atuar no país? Entenda
Gabriel Pereira, Arthur Vignoli e Lucas Ribeiro seguiram para ligas alternativas em busca de construir seu futuro — Foto: Reprodução/Instagram

A janela de transferências do futebol brasileiro se encerra neste 2 de setembro, enquanto as principais ligas internacionais fecharam na sexta-feira. Jogadores como Victor Hugo, que saiu do Flamengo e foi para o Goztepe, da Turquia, Diego Costa (São Paulo para Krasnodar, Rússia) e Bruno Viana (Coritiba para Gaziantep FK, Turquia) deixaram o Campeonato Brasileiro em busca de mais oportunidades financeiras em outras competições alternativas. Ao mesmo tempo, sem alcançar “o topo” da primeira divisão no Brasil, muitos atletas optaram por esse caminho. São os casos de Gabriel Pereira, Arthur Vignoli e Lucas Ribeiro, que migraram em busca de estabilidade e qualidade de vida.

O trio tem em comum diversas vontades tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Ambos vieram de uma realidade simples, onde tiveram que passar por apertos na infância e deixar as brincadeiras de lado para já se doar nos gramados. Com tamanha luta, o sonho também tem o mesmo significado para eles: mudar a vida da família, construir uma carreira consolidada e ter um futuro digno.

Mesmo longe de casa e ainda sendo uma realidade paralela para os três, eles têm o mesmo objetivo: vestir a camisa da seleção brasileira. As histórias se conectam desde cedo, quando todos decidiram por sair do Brasil, deixar para trás sua história construída aqui, para dar um novo passo, considerado arriscado. Com saídas ainda antes dos 20 anos, os jovens ainda se formavam adultos quando tiveram que tomar as escolhas.

Partiu, Japão!

Cada vez mais os jogadores têm se destacado ainda muito jovens e são vendidos para o exterior por valores estratosféricos. A realidade desses três brasileiros é que não conseguiram fazer essa rota. Arthur Vignoli estava na base do Parana Club, com 18 anos, em 2018, e logo saiu para jogar no Japão, no Sagamira, que não disputa a principal liga do país. Passou de 2020, quando enfrentou a pandemia, a 2023, novamente no Brasil, até receber uma nova oportunidade no Fukuyama City, da quarta divisão japonesa.

— Eu com 18 anos estava na base do Parana Club, em Coritiba, e meu empresário recebeu uma proposta aqui do Japão para me contratar. Vim para o Japão, novo ainda, nunca tinha jogado profissional no Brasil, virei profissional aqui. E foi um baque, questão de cultura e tudo mais, o profissionalismo do japonês é uma parada bem diferente do que a gente vive no Brasil. Mas meu primeiro ano foi muito top, muito aprendizado. Em 2020 eu me deparo ali com a pandemia e retorno ao Brasil. Nessa retomada, começo a jogar pelos campeonatos nacionais pela primeira vez — disse ao GLOBO.

Vignoli conta que em sua primeira passagem no continente asiático o que mais pesou como dificuldade para ele foi a questão do idioma, da cultura e o sentimento de saudade por estar longe de casa — os outros entrevistados relatam o mesmo, principalmente o terceiro fator. Hoje, mais maduro e sendo o único estrangeiro da equipe, tem como principal objetivo chegar na liga principal japonesa, e ainda não pensa em retornar ao país natal.

Questionado sobre o motivo de optar fazer o caminho alternativo em sua carreira, ele explicou que mesmo parecendo ser um campeonato de menor nível e menos disputado do que no Brasil, a realidade é outra, assim como a qualidade de vida.

— A liga aqui não é ruim, tem times bons. A gente joga uma copa como se fosse uma Copa do Brasil, que às vezes no próprio Brasil é difícil jogar, tipo, sei lá, alguns times de série B não conseguem chegar nesse nível. E aqui é bem comum. É pegar os times grandes da primeira e bater de frente e ter uma visibilidade maior. Fora que aqui o tempo de contrato, o valor e tudo mais é totalmente diferente, muitos lugares no Brasil o cara faz um ano de contrato. Oferecem moradia, alimentação, tudo certinho no apartamento — revelou ao GLOBO.

De Portugal para Copenhagen

Com o mesmo objetivo, mas em um continente com maior visibilidade, Gabriel Pereira desembarcou para a Europa. Deixou o Volta Redonda em 2021 após se destacar como um dos melhores zagueiros do Campeonato Carioca rumo ao Vilafranquense da Série B de Portugal. Com tamanho destaque nos gramados, o Gil Vicente, da liga principal, o contratou. Ele chegou a ser cobiçado pelos maiores do país, como Porto e Benfica, mas nesta temporada, optou por vestir a camisa do FC Copenhagen, da Noruega.

— Eu não estava passando por um bom momento no Volta Redonda, então eu e meu agente optamos por mudar um pouco e arriscarmos a ter mais visibilidade. O Vilafranquense e o clube tinha um bom projeto de carreira para mim, de me fazer chegar na 1ª liga, e foi o que acabou me fazendo ir. Estava em busca de um clube que acreditasse em mim assim como eu acreditava — revelou o jogador, que na época, chegou a receber sondagens de equipes da Série A do Brasileirão.

Então, com um projeto em mãos, diferente do que lhe foi oferecido no país natal, rumou ao exterior. O brasileiro teve que se adaptar a uma rotina de treinos mais intensa do que a que estava acostumado, mais tempo de corrida e exercícios na academia, enfrentando um diferente estilo de futebol.

— A realidade é muito diferente, o Vilafranquense tinha um bom projeto, com um investidor que tem muito dinheiro, então consequentemente seria um clube que iria me dar melhores condições do que eu tinha no Volta Redonda. O que me fez mesmo ir foi acreditar que eu poderia chegar num patamar melhor e aí, sim, pensar em melhores salários — explicou ao GLOBO.

Dos motores para os gramados

Lucas Ribeiro, hoje um dos nomes mais importantes do Mamelodi Sundows, da África do Sul, tinha a mesma ambição. Antes disso, teve que trilhar seu caminho pela segunda divisão belga e francesa. Ele rodou e chegou a ficar sem equipe na Europa uma época, mas não desistiu de seu sonho.

O canhoto, antes de ser jogador, trabalhava como mecânico. Começou sua jornada na base do Moto Club, após chamar atenção dos olheiros em jogos na várzea. No entanto, apesar da chance, chegou a desistir, já que não acreditava em seu potencial. Ribeiro também enfrentou dificuldades no Sampaio Corrêa, e disse que, se não fosse a ajuda de amigos, teria largado o futebol profissional.

— Eu não tinha dinheiro para pagar nada, nem a minha passagem. Sofri muito, cara, era tenso mesmo. Uma realidade cruel demais, me esforçava, era cansativo, o local era muito perigoso — disse ele.

Logo depois foi para a França e Bélgica, onde enfrentou a pandemia. Na época, conseguiu se destacar mesmo com as arquibancadas vazias, sem ânimo, preocupado com a família e com a incerteza de que seguiria ou não na equipe do RE Virton. Ainda passou por outros clubes até que se começou a se sentir solitário demais, não havia se adaptado ao local e sentia falta do Brasil.

Até que lhe foi apresentado o projeto do Mamelodi Sundows, da África do Sul, em 2023. De primeira, recusou a tratativa, pois visava voltar para o Brasil. Mas após conversas com o presidente e o treinador, viu que se encaixaria na equipe e seria valorizado. Lá, conseguiu matar a saudade de casa, até porque o clube usa as cores verde e amarelo e é conhecido por ter uma conexão com o país.

— Foi muito legal a forma que mostraram que me quiseram, sabe? Não teve clube algum no Brasil que me propôs algo igual, isso foi um diferencial deles para mim. Mostrar o valor, um projeto longevo, isso te incentiva a jogar. Aqui se tornou um lar, adorei o país, eles são receptivos, felizes — disse o atacante, que tem contrato até 2028.

Os atletas, dizem, encontram no exterior algo que está em escassez no seu país, principalmente nas divisões inferiores: confiança em seu trabalho e estrutura. Contratos longos, tempo para adaptação, aconselhamento e bons salários fazem os jogadores se sentirem confortáveis para assim viajarem para outra realidade. O senso de imediatismo e com ele as cobranças e sofrimento ficam de lado para terem uma vida com tranquilidade e segurança fazendo o que amam: jogar bola.


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