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ECONOMIA

Governo quer fazer mudanças no BPC/Loas para evitar fraudes. Entenda

30 de outubro, 2024 / Por: Agência O Globo

Governo bloqueou 400 mil benefícios nesta semana, como parte do processo de atualização de cadastros

Governo quer fazer mudanças no BPC/Loas para evitar fraudes. Entenda
Foto: Reprodução

Um novo projeto de lei deve ser enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional, em novembro, com novas regras para o Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas). O auxílio — pago a idosos acima de 65 anos carentes ou pessoas com deficiência de baixa renda, no valor de um salário mínimo (R$ 1.412) — está passando por uma grande análise por suspeitas de irregularidades. A União está de olho no corte de gastos.

A ideia é deixar o BPC com regras de adesão e permanência semelhantes às do Bolsa Família. Isso vai incluir um cruzamento mensal de dados, por exemplo, o que não ocorre hoje.

Uma crítica de técnicos do governo é que o benefício não é revisado a cada dois anos, como prevê a lei, para apurar se as condições que deram origem ao pagamento persistem. A última vez que isso ocorreu foi durante o segundo governo Lula, entre 2008 e 2009.

O que está previsto ou já está sendo feito

O projeto de lei vai propor ainda uma prova de vida anual, com reconhecimento facial e biometria para concessão e manutenção do benefício. Além disso, os beneficiários poderão atualizar seu cadastro por meio de aplicativo de celular ou nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) dos municípios.

Mesmo antes de enviar o texto ao Congresso Nacional, no entanto, o governo adotou medidas de revisão no programa. Uma reavaliação cadastral vem ocorrendo desde agosto.

Para ter o benefício, as pessoas precisam estar inscritas no CadÚnico. Cerca de 505 mil foram convocados a fazerem o cadastro, já que não estão inseridas no sistema. Cerca de 200 mil já o fizeram. Outras 305 mil ainda precisam responder a essa convocação.

Além disso, o governo está convocando mais 640 mil beneficiários de BPC/Loas que já estão inscritos no CadÚnico, mas não atualizam seus cadastros há mais de 48 meses (quatro anos). Segundo o governo, desse total, 517 mil ainda precisam comparecer a um Cras para esse recadastramento.

Suspeitas de irregularidades

A área econômica estima que o índice de fraudes o BPC/Loas pode chegar a 30%. O aumento das despesas com o benefício entrou em trajetória de alta no segundo semestre de 2022.

Segundo dados do INSS, o gasto com o auxílio do primeiro semestre de 2024 atingiu R$ 44,076 bilhões, um aumento de 19,8% em relação ao ano anterior. O número de concessões do benefício deu um salto de 40% no período, passando de 786.087 em 2023 para 1,105 milhão nos primeiros seis meses de 2024.

Somente nesta semana, 400 mil pessoas que recebem o BPC/Loas e que não estão no CadÚnico tiveram seus pagamentos bloqueados. Com isso, o valor está na conta, mas a pessoa não consegue sacar. Só desbloqueia se houver atualização do cadastro dentro das regras do programa.

Outras 380 mil estão no CadÚnico, mas não têm o perfil de renda para receber o benefício e também terão seu benefício bloqueado nos próximos dias.

O que dizem os especialistas

O advogado Marco Serau, professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), aponta que o aumento do número de pessoas que recebem o BPC/Loas é um reflexo da rigidez dos requisitos para a concessão de benefícios previdenciários:

— Após a Reforma da Previdência, o acesso aos benefícios previdenciários de natureza contributiva se tornou muito mais difícil, com exigências de idade e tempo de contribuição maiores. Portanto, o BPC/Loas se tornou uma espécie de válvula de escape para aquelas pessoas que não conseguem se aposentar.

Serau, no entanto, avalia que, além do cruzamento de dados, o sistema do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) deveria ser atualizado para reduzir fraudes do benefício.

— O cruzamento mensal de dados permitirá o corte de pessoas que fraudam o sistema. Mas também poderia haver uma melhoria no processo de inscrição e atualização de dados do CadÚnico. Hoje, ele é feito no Cras, que tem um serviço com muitas dificuldades e imprecisões — recomenda.

Desafio

Para o advogado Rodolfo Ramer, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP, a medida tem um desafio do histórico de execução das revisões de benefícios:

— Na verdade, o INSS nunca conseguiu executar avaliações regulares de benefícios temporários. Há pessoas que recebem o BPC/Loas há mais de dois anos (tempo exigido por meio para a revisão) e nunca foram chamadas para análise de sua situação, possivelmente por falta de estrutura do órgão.

Por outro lado, o advogado considera que o limite de um quarto do salário mínimo (R$ 353) como requisito para o BPC/Loas pode gerar no cruzamento de dados mensal mais suspensões do benefício e ações na Justiça.

— Vamos supor que a média salarial familiar de uma pessoa seja R$ 360, ultrapassando o limite em apenas R$ 7. Ela continua em uma situação financeira precária, mas o benefício é negado por não atender ao critério. Em muitos casos, a pessoa recorre à Justiça para comprovar despesas que justifiquem o recebimento do BPC/Loas, mesmo que sua renda ultrapasse o limite estabelecido — afirma Ramer.

Pasta envolvidas

A discussão das novas regras para o BPC/Loas envolveu os ministérios de Desenvolvimento Social (MDS) e da Previdência Social (MPS). O texto já foi enviado à Casa Civil, para análise final antes do envio ao Congresso Nacional.

Cabe ao MDS cabe administrar o CadÚnico e validar o critério de renda domiciliar para o recebimento do BPC/Loas. O MPS realiza, via Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os exames médicos e as avaliações sociais para a concessão e a manutenção do pagamento.

O que é o BPC/Loas

Têm direito a requerer o BPC: idosos, pessoas com deficiência e renda familiar de até ¼ do salário-mínimo (R$ 353) per capita (por pessoa), calculada com base nas informações do CadÚnico e dos sistemas do INSS. Em certos casos, a renda exigida é de até meio salário (R$ 706). São situações mais específicas, em que a pessoa comprova gastos excessivos com fraldas e medicamentos.

Também é necessário não ser beneficiário de outro programa da Seguridade Social, exceto assistência médica e pensão especial de natureza indenizatória. Além disso, não é preciso ter contribuído para o INSS para requerer o benefício, basta cumprir os requisitos previstos por lei.

O valor do benefício é de um piso nacional (atualmente de R$ 1.412). Quem recebe BPC/Loas, no entanto, não tem direito ao 13º salário, e o benefício não é revertido em pensão por morte.

Diferenças

Para os maiores de 65 anos, é feita análise administrativa, da renda e da composição familiar, para ver se atendem aos critérios do BPC/Loas. Segundo o INSS, esse grupo não passa por avaliações de assistentes sociais nem por perícias médicas nas agências.

Para pessoas com deficiência, a concessão do BPC/Loas envolve uma avaliação social conduzida por um assistente social do INSS. Durante a análise, são feitas perguntas sobre a família, a situação financeira e os tratamentos já realizados, para verificar se a pessoa atende aos critérios para receber o BPC/Loas. Perícias médicas também podem ser exigidas.


BS20241030170319.1 – https://extra.globo.com/economia/noticia/2024/10/governo-quer-fazer-mudancas-no-bpcloas-para-evitar-fraudes-entenda.ghtml