COLUNAS

Graças a deus e tudo mais

Estou aqui tentando agendar um exame pelo plano de saúde sem sucesso. Repito, sem sucesso. Sem um pingo de sucesso, um milímetro que seja de sucesso, nem um “su”, nem um “s”. E vai me dando uma impaciência do tamanho de todas as unidades do Fleury empilhadas uma em cima da outra, montadas no Samaritano, no Hospital Santa Catarina e na Beneficência Portuguesa, que nenhum deles está nem perto de ser bom, santo ou benéfico comigo. E eu sei que su + s dá SUS. E viva o SUS, e tudo mais, mas eu queria primeiro tentar usar esse plano desgraçado que eu pago há séculos.

Desculpa, plano, eu te amo. Toda vez que eu quebro alguma coisa, tiro a carteirinha da bolsa, emparelho ela com meu RG, sanduichinho de identificação e cuida de mim, por favor, pouso os dois no balcão do Samaritano, do Santa Catarina ou da Beneficência Portuguesa, não do Samaritano não, tinham cortado o Samaritano quando eu quebrei a mão, mas dos outros, enfim, e o povo me atende e eu acho maravilhoso ter plano, e graças a deus e tudo mais. Tem que trabalhar, Roberta, tem que pagar com gosto mesmo, fica tranquila, vai fazer raio X e ressonância, ainda bem que tem plano, e engessa e vai pra casa e um mês depois, tá lá a coparticipação.

Cuidar pra não cair, pra não quebrar mais nada, pra não ser atropelada, pra não ter que pagar coparticipação, todo mundo trancado em casa que a gente não tem a menor condição de usar esse plano. Aí eu esqueço e pago e pago e pago até ficar com raiva de jogar dinheiro fora.  Mas depois tem que ir na dermatologista, e levar as meninas na dermatologista e tudo mais, ainda bem que tem plano, graças a deus. Esperar uma hora e meia e nos quinze minutos de consulta a mulher olhar pra sua filhinha e dizer “você tem acne, sabia? Acne”, como quem diz “acabou, você não merece viver”. A menina tem 14 anos, claro que ela tem acne, e pede exame de sangue, e leva pra fazer exame de sangue e come lanchinho no laboratório e tudo mais, graças a deus que tem plano, é isso mesmo, tem que trabalhar pra pagar plano, ainda bem que a gente fez e obrigada Unimed, te amo.

Porque eram assim umas 3 páginas de exame que a mulher pediu nesses mesmos 15 minutos que ela quase não olhou pra carinha linda da minha filha que-tem-acne-acne-acne-ai-que-crime-ela-tem-acne, e volta pra casa e um mês depois se enche de acne de nervoso da conta da coparticipação. Eu não quero coparticipar de mais nada nessa vida, eu só quero ir no médico pra fazer exame, e nem querer fazer esse exame eu quero. Mas o clínico particular, porque marquei particular, só tinha pelo plano pra julho, disse que eu fiz 45 e agora tem que fazer, e é meio que urgente e se eu pedir recibo de reembolso é capaz dele dizer que  “acabou, você não merece viver”, mas eu pedi mesmo assim porque a consulta custava quase a mensalidade do plano.

Fui no site, parece que só dá pra pegar o reembolso pelo site, e ganhei um 404 not found, uma vez e outra vez e outra. Instalei o aplicativo e não tem reembolso no aplicativo, liguei lá e tecle 20 para falar com a operadora, 20, 20, 20, 20, 20, fiquei na espera do laboratório em uma linha e na do plano pra pegar o reembolso na outra no telefone da minha filha que tem acne, acne, acne e a lista de coisas que a dermatologista passou pra ela comprar é mais cara do que a consulta do clínico. Então sim, posso continuar aguardando. E pode ser que eu consulte a rede credenciada, na opção 17 do menu, que eu já ouvi muito mais do que 17 vezes porque tá me dando uma dorzinha aqui no peito e eu não sei se é angústia, se é coração ou se são gases. Psiquiatra só tem em Barueri e pra agosto. Seu plano não cobre nutri, senhora, tem cardiologista na Paulista pra maio. Marco? Marque. Pode marcar, ainda bem que tem plano, graças a deus.

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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