Gravações flagram esquema de ‘corretores’ de licitações, com relato de comissão de até 30% para intermediários
10 de março, 2025
| Por: Agência O Globo
Reportagem do “Fantástico”, da TV Globo, mostra como intermediários burlam compras de prefeituras através de atas de registro de preços
Ambulância comprada através de ata de registro de preços em Farroupilha (RS) não tinha espaço para maca — Foto: Reprodução/TV Globo
O uso de atas de registro de preços, uma das modalidades para compras públicas, vem sendo explorado por “corretores” que forjam valores para obter vantagens indevidas. Reportagem do “Fantástico”, da TV Globo, flagrou dois empresários negociando a realização de compras direcionadas, com base em atas vinculadas ao esquema. Sem saber que estavam sendo gravados, eles admitiram o recolhimento de “comissões” após as licitações fraudulentas.
Um desses “corretores” é o ex-deputado federal Evandro Roman, do Paraná, que tem empresas de representação comercial. Segundo a reportagem do “Fantástico”, Roman apresentou atas de material cirúrgico e também sugeriu a abertura de uma licitação para compra de sistemas educacionais para escolas municipais.
Na gravação, ele relata que o esquema poderia dar um “retorno” de até 30% do valor da compra. O recurso seria desviado dos cofres públicos e dividido entre os “corretores” e os funcionários de prefeituras que viabilizassem o esquema.
“Sugestão é a seguinte: pegar um produto que tenha uma margem boa. Que tem margem na Saúde aí de 10, 12%”, orienta Roman ao repórter, que havia se apresentado como assessor de prefeitos.
As atas de registro de preços são uma espécie de cadastro de referência do custo de determinados serviços ou produtos, usado para balizar futuras compras públicas. Uma prefeitura do Sul do país pode utilizar, por exemplo, uma ata registrada em um estado do Nordeste, mas precisa para isso comprovar a chamada “vantajosidade” da adesão — isto é, mostrar que é viável e econômico fazer a compra pelos valores estipulados.
Os chamados “corretores”, mostrou a reportagem, fazem um “portfólio” de atas para simular valores competitivos e, assim, direcionar as compras de prefeituras. É o caso de Jaqueson Espíndola, outro “corretor” gravado pela reportagem, que afirma atuar nos 26 estados e no Distrito Federal, com um total de 220 mil atas.
“Hoje nós temos desde o alfinete até o foguete, então é muito difícil que um órgão público não precise de nós”, disse Espíndola na gravação.
Segundo o relato do “corretor”, ele indica a representantes de prefeituras determinados produtos com os quais trabalha, para que seja gerada uma licitação. Em seguida, ele envia à prefeitura “outras atas com o mesmo produto, de valor maior”, para simular uma concorrência de preços. Outra estratégia é criar editais com especificações técnicas que só sejam atendidas pelas empresas participantes do esquema. Em um dos casos, Espíndola oferece uma “tela interativa”.
“Por exemplo assim: a nossa tela interativa, só ela tem selo da Anatel no Brasil. Daí eu boto ‘tela interativa com o selo da Anatel’, eu já elimino a concorrência”.
Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), 51 prefeituras gaúchas compraram telas da empresa em questão entre 2019 e 2022, a maioria por adesão a atas, totalizando R$ 150 milhões. Em ao menos uma cidade, São Leopoldo, uma investigação da Polícia Federal encontrou indícios de que um agente público pode ter recebido “comissão” para fazer a compra.
A adesão a atas de forma não criteriosa já gerou transtornos para prefeituras. Em Farroupilha (RS), por exemplo, a reportagem do “Fantástico” mostrou que ambulâncias compradas com base em uma ata registrada no Tocantins não tinham espaço para maca. O veículo teve que ser devolvido à fábrica para adaptações.
Em nota, Espíndola afirmou que não trabalha “com propina” e negou que participe de fraudes. Roman afirmou que suas empresas não têm contratos com órgãos públicos.