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POLÍTICA

‘Jogo Político’: Marçal, o dízimo e a guerra silenciosa contra as lideranças evangélicas

3 de setembro, 2024 / Por: Agência O Globo

Newsletter semanal do jornalista Thiago Prado também mostra como Tabata revoluciona sua imagem na campanha e indicação de documentário sobre o consultor de Trump

‘Jogo Político’: Marçal, o dízimo e a guerra silenciosa contra as lideranças evangélicas
Pablo Marçal: candidato é rejeitado por 34% dos eleitores — Foto: RS via Fotos Públicas

Bom dia, boa tarde, boa noite, a depender da hora em que você abriu esse e-mail. Sou o editor de Política e Brasil do Globo e nessa newsletter você encontra análises, bastidores e conteúdos relevantes do noticiário político.

Que Pablo Marçal (PRTB) embaralhou os rumos da direita brasileira, isso já ficou claro nas últimas semanas em dezenas de textos publicados na imprensa.

O que a nossa conversa pretende aprofundar hoje é como há um jogo muito maior sendo disputado nos últimos dois anos entre o discurso do ex-coach e o modelo de negócios das grandes igrejas evangélicas.

Segundo o último Datafolha, divulgado na quinta-feira passada, Marçal lidera no segmento com 30% das intenções de votos, seguido de Nunes (22%), Datena (14%) e Boulos (12%).

Ora, se o candidato do PRTB é o mais querido entre os evangélicos, por que o Apóstolo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo e organizador da Marcha para Jesus paulista, disparou mensagem de WhatsApp na semana passada dizendo “Vamos de 15!”, em referência a Ricardo Nunes (MDB)? Por que Silas Malafaia e Edir Macedo também preferem a vitória do emedebista?

Dois professores da FGV – Fundação Getúlio Vargas começaram a matar a charada do incômodo pentecostal no fim de semana, em artigo publicado no GLOBO. “Para acessar a verdade espiritual, agora não é necessária filiação religiosa. Marçal até fala de Deus, ensaia uma linguagem pastoral e encena atrapalhadas tentativas de curar os enfermos e ressuscitar os mortos, mas seu jogo é outro. Cada um pode ser o empreendedor de si próprio, desde que emule seus métodos e divulgue sua palavra”, escreveram Guilherme Casarões e Daniel Andrade.

Procurei o antropólogo Juliano Spyer, autor do livro “Povo de Deus”, para falar sobre como o modelo Marçal afronta as grandes lideranças brasileiras. “Ele é um crítico da igreja institucionalizada. E hoje o evangélico que mais cresce não é o das grandes denominações, mas sim aqueles de igrejas de garagem, dentro de casas. São locais para até 200 pessoas, independentes, que não devem nada para ninguém. O discurso do Marçal está pegando aí”, diz Spyer, que vem dedicando horas dos seus estudos para entender mais o ex-coach.

Hoje, Marçal afirma ser cristão, mas sem vínculo a nenhuma igreja específica. Diz ter tido formação na Assembleia de Deus e sempre enaltece a sua passagem pela igreja Videira, com sede em Goiânia. Na internet, há diversos vídeos do candidato do PRTB falando abertamente contra o dízimo em grupos que formou pelo Brasil chamados de “Quartel General do Reino”. Selecionei algumas das suas frases sobre o tema:

‘Às vezes vocês nunca levaram o seu cônjuge em um jantar de verdade, mas o dízimo você paga direitinho e não prospera tem vinte anos.’

‘Eu tinha uma crença terrível. Se eu não der o dízimo, eu não prospero. Aí eu parei de dar um ano, dois anos… Aquilo que você acha que te faz prosperar, faz você ficar com uma bola de ferro.’

Conversei com o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, sobre Marçal. Os dois tiveram uma briga pesada na internet há dois anos. Marçal depois pediu desculpas ao pastor, mas a verdade é que o “climão” entre os dois não foi superado até hoje. O ex-coach chegou a insinuar maus tratos de Malafaia com a sua esposa, além de conexões do líder evangélico com uma quadrilha de golpes via bitcoins. O pastor devolveu chamando-o de megalomaníaco e psicopata.

“Ele é muito sagaz. Está tendo como alvo gente que vai nos cultos, que gosta dos ambientes, mas que não tem compromisso com nenhuma denominação. Formou 20 mil núcleos do Quartel General do Reino, diz que as pessoas não precisam pagar dízimo, mas ao mesmo tempo pede para comprarem os cursos dele”.

Então Malafaia irá para cima de Marçal para impedir a sua eleição?

“Estou calado. Para que queimar coisa agora? Ele subiu em uma onda faltando 50 dias para a eleição. Ainda falta um mês e só na sexta-feira que a TV começou. Vamos aguardar.”

Ontem, no Roda Viva, a última pergunta da jornalista Vera Magalhães para Marçal expôs o que lideranças evangélicas usarão contra o candidato no futuro.

“Tem vídeos do senhor batizando pessoas em piscinas, outros em que tenta fazer cadeirantes se levantarem e depois culpa a pessoa por não conseguir… Também disse ao Flow que vai continuar indo a velórios tentando ressuscitar pessoas. O povo de Deus tem muito respeito por questões litúrgicas e de rito. O senhor não teme que eles achem que está fazendo chacota da religião para se promover?”

Tabata revoluciona sua imagem. Faz sentido?

“Menos Boss… Mais bitch”…

No primeiro semestre, um slide de PowerPoint com essa frase foi apresentado para Tabata Amaral (PSB) pelo marqueteiro Renato Pereira, que até então ainda não tinha fechado contrato com José Sarto (PDT), para a campanha pela reeleição em Fortaleza.

Pereira quis mostrar para Tabata que ela precisava tirar o ar elitista e patronal da sua imagem pública e focar em um estilo mais rebelde. O “bitch” do seu PPT não tinha relação com a conotação pejorativa que o termo tem historicamente nos Estados Unidos, mas sim com a ressignificação feita pelo feminismo nos últimos tempos: uma mulher emponderada, forte e assertiva, que faz o homem tradicional se sentir ameaçado.

A Tabata da eleição de São Paulo vai tentando buscar esse caminho com o marqueteiro Pedro Simões, que já trabalhou com Pereira no passado. A jovem antes só usava roupas claras, agora veste preto e até jaqueta de couro. Saíram os números decorados para falar de educação, entraram pancadas violentas contra Pablo Marçal, vinculando-o ao PCC. “Tive que mudar tudo que tinha planejado”, admite Simões, que deixou a comunicação de Eduardo Paes no Rio para fazer a campanha de São Paulo.

Nos últimos dias, Boulos, Nunes e Datena também foram para a guerra verbal nos debates e se igualaram a Tabata. Há, contudo, quem veja problemas nessa estratégia de pancadaria contra Marçal, como se viu no debate do último domingo.

“Eu entendo a circunstância e que a Tabata está buscando visibilidade. Agora, o fato é que a eleição deixou de ser sobre São Paulo e virou um grande referendo sobre o Marçal. Todo mundo caiu na cilada dele, inclusive vocês da imprensa”, diz o cientista político Antonio Lavareda.

RECOMENDO

Documentário “Get me Roger Stone”

Após o meu texto da semana passada refletindo sobre o papel de Pânico e CQC na eleição de Jair Bolsonaro, o colega Maurício Stycer me procurou lembrando do documentário no Netflix sobre o consultor político do ex-presidente Donald Trump.

Aqui algumas das frases de Roger Stone no filme para seguirmos na reflexão sobre o papel da mídia em tempos de candidatos influenciadores digitais:

“A mídia é maligna ou preguiçosa. Ou as duas coisas. E se você entender isso, você pode fazer o que quiser.”

“A atual política de desmoralização é essencial hoje para ser notado. Você tem que ser ultrajante.”

“Política é show business para pessoas feias. Você acha que os eleitores não sofisticados sabem diferenciar entretenimento de política?”


BS20240903170616.1 – https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2024/09/03/jogo-politico-marcal-o-dizimo-e-a-guerra-silenciosa-contra-as-liderancas-evangelicas.ghtml