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Justiça tributária é possível mesmo sem reforma
10 de março, 2023O novo governo tem transmitido à nação a ideia de que somente será possível alcançar justiça na questão dos impostos mediante uma ampla reforma tributária. […]
O novo governo tem transmitido à nação a ideia de que somente será possível alcançar justiça na questão dos impostos mediante uma ampla reforma tributária. Soa como verdadeiro, entretanto é um discurso simplista e que não resiste a uma análise um pouco mais profunda sobre o tema.
A verdade é que existem instrumentos legais para propiciar justiça tributária, reduzir o volume de impostos que onera sobremaneira as classes C, D e E e parte da classe B, e iniciar um processo de maior respeito aos brasileiros das regiões Norte e Nordeste sem, obrigatoriamente, realizar a reforma tributária.
Se, de fato, tal reforma é necessária para corrigir antigas distorções, não é impeditivo para ações de efeito mais rápido para aliviar o peso de impostos e tributos no bolso dos brasileiros mais pobres. Esses instrumentos são portarias, decretos e leis ordinárias, dos quais o governo pode lançar mão imediatamente, sem necessidade de aprovação pelo Congresso.
Independentemente de qualquer alteração no arcabouço jurídico vigente seria possível, por exemplo, fazer a correção anual da tabela do Imposto de Renda Pessoa Física, cuja defasagem chega a 148%. Os efeitos dessa medida seriam de grande impacto positivo para a maioria da população.
Os números oficiais provam isso. Hoje, quem tem remuneração mensal acima de R$ 1.903,98 é obrigado a pagar IR. Ou seja, a maioria. Em 2022, 90% dos brasileiros tiveram remuneração mensal média inferior a R$ 3.600,00 – R$ 3.900,00. No ano anterior, 68,6% dos trabalhadores com carteira assinada tiveram remuneração bruta entre um e dois salários mínimos, enquanto 36,4% dos trabalhadores receberam menos de um salário-mínimo (R$ 1.214,00) por mês. A parcela de quem recebeu até três salários-mínimos mensais (R$ 3.642,00) chegou a 74,9% dos trabalhadores.
Se fosse feita a simples correção da tabela, a isenção do IR alcançaria quem ganha até R$ 4.723,77 por mês, e não quem recebe até R$ 1.903,98, como ocorre hoje. Isto é, 90% dos brasileiros estariam isentos do Imposto de Renda se os governos respeitassem as leis e a Constituição Federal. Seria, portanto, um enorme projeto social de distribuição de renda.
Representaria, ademais, a eliminação de um distorção perversa porque, de acordo com a Secretaria da Receita Federal, 79,4% dos trabalhadores com carteira assinada e remuneração mensal bruta de até R$ 3.640,00 respondem por mais de 48% do total da arrecadação tributária brasileira. Temos, então, um retrato cruel: as classes C, D e E – menos favorecidas economicamente – sustentam o Tesouro.
Ao manter o IR sem correção, o governo na verdade está tributando inflação. E isso não é legítimo, pois inflação não é renda e, dessa forma, o cidadão é punido duas vezes: na compra de produtos básicos com preços mais elevados e, ao mesmo tempo, pagando mais tributos pela defasagem na tabela do IR.
Tudo isso em contrariedade à Constituição, pela qual a tributação deve respeitar a capacidade economica do cidadão (Parágrafo 1°, do Art. 145, da CF/88) Não respeita, assim como imposto sobre inflação não consta da lista dos tributos de competência da União (art. 153). Além disso, a CF não permite exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (art. 150, inciso I) e tampouco permite utilizar tributo como forma de confisco (art. 150, inciso IV).
Também sem necessidade de reforma tributária, União e Estados poderiam reduzir as alíquotas de impostos dos gêneros e produtos de primeira necessidade, cujos custos impactam fortemente os cidadãos das classes C, D e E.
Atualmente, a tributação sobre o consumo representa de 43% a 46% do total da arrecadação tributária brasileira. É um castigo desmerecido para quem ganha menos e uma vergonha nacional, com a qual parecem não se importar os governantes.
Enquanto não é concluída uma reforma tributária ampla e simplificadora da vida dos contribuintes, processo que demanda aprovação pelo Congresso, (Emenda Constitucional) em tramitação presumivelmente demorada, essas duas medidas significariam um sensível e imediato alívio financeiro à população, especialmente a mais pobre.