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Menos de 0,5% dos pacientes com bactérias resistentes no Brasil têm acesso ao tratamento adequado

6 de maio, 2025 | Por: Agência O Globo

Novo estudo aponta que percentual é inferior até mesmo ao de outros países de média e baixa renda, como Índia e Paquistão

Menos de 0,5% dos pacientes com bactérias multirresistentes no Brasil têm acesso ao tratamento com antibióticos adequados. O percentual é baixo até mesmo entre os países de média e baixa renda, cuja proporção foi de em média 6,9%. É o que mostra um novo estudo conduzido pela Parceria Global de Pesquisa e Desenvolvimento de Antibióticos (GARDP, na sigla em inglês), publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases.

A resistência antimicrobiana (RAM) é um fenômeno que acontece quando microrganismos, como fungos e bactérias, deixam de ser suscetíveis aos medicamentos existentes. Com isso, o risco de um desfecho mais grave, como um óbito, aumenta. A RAM é considerada uma das 10 principais ameaças de saúde pública pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Cultura de laboratório da bactéria Staphylococcus aureus — Foto: Pexels

Anualmente, uma análise publicada no periódico The Lancet mostrou que essas superbactérias foram responsáveis diretamente pela morte de 1,27 milhões em 2019, número maior do que o de óbitos ligados a doenças como malária e Aids. Indiretamente, a RAM foi associada a 4,95 milhões de vidas perdidas.

Nas próximas décadas, o problema deve piorar. O número de vítimas fatais diretas pode chegar a 1,9 milhão anualmente até 2050, um crescimento de 67% em relação a 2021. De acordo com os pesquisadores, ao todo, entre 2025 e 2050, mais de 39 milhões de pessoas no mundo podem morrer devido à RAM.

Neste contexto, um dos focos no debate tem sido o uso indevido e excessivo de antibióticos, por vezes devido à automedicação. A prática é considerada uma das causas para que as bactérias evoluam e desenvolvam a capacidade de sobreviver aos medicamentos.

No entanto, Jennifer Cohn, diretora de Acesso Global da GARDP e autora sênior do novo estudo, afirma que, no caso a infecção com as versões resistentes das bactérias, “a dura realidade é que muitas pessoas em países de baixa e média renda não têm acesso aos antibióticos de que precisam”.

Logo, o trabalho mostra que, embora o uso inadequado de antibióticos alimente o problema da RAM, aqueles que já sofrem com os microrganismos resistentes não conseguem acessar o tratamento adequado e morrem mais pela infecção. Os pesquisadores da GARDP defendem que esse também precisa ser um foco do combate à RAM.

No estudo, eles analisaram dados de oito países de média e baixa renda: Bangladesh, Brasil, Egito, Índia, Quênia, México, Paquistão e África do Sul. Os cientistas observaram, segundo dados de 2019, cerca de 1,5 milhão de infecções de um tipo específico de bactéria resistente, as gram-negativas resistentes a carbapenêmicos (uma classe de antibióticos).

Dentre eles, porém, somente 103,6 mil receberam o tratamento adequado (6.9%). Esse percentual foi maior no México e no Egito, onde chegou a 14,9%, e menor no Brasil e no Quênia, onde foi de, respectivamente, 0,36% e 0,25%. No Brasil, foram cerca de 101 mil casos, e apenas 363 com acesso aos remédios necessários. Além disso, o trabalho concluiu que 478,8 mil mortes ocorreram nos países analisados naquele ano, 32,3 mil entre os brasileiros.

Para a professora de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que pesquisa infecções em pacientes hospitalizados, o estudo dá uma nova dimensão ao problema da RAM no Brasil:

— Esse dado é inédito, a resistência microbiana é uma questão ainda muito negligenciada. Isso é muito importante, porque estamos falando de pessoas que provavelmente não estão recebendo o diagnóstico certo e, portanto, não têm acesso ao tratamento adequado. É fundamental entendermos por que isso está acontecendo e buscar responder às perguntas que o artigo levanta.

Ela explica que há algumas lacunas que precisam ser preenchidas, como o número de pessoas diagnosticadas adequadamente com a infecção resistente aos antibióticos convencionais e o porquê do tratamento não chegar até elas. O que é uma desafio devido à estrutura necessária e à diversidade dos microrganismos, pontua:

— Esses microrganismos vão se modificando em cada hospital e é preciso que as unidades tenham mecanismos de diagnóstico de ponta, que são caros, para identificá-los. E que consigam fazer esse diagnóstico rapidamente, a tempo de beneficiar o paciente.

Além disso, a especialista explica que outro desafio no combate à RAM é ter novos fármacos capazes de atacar as bactérias resistentes. Como os microrganismos passaram a se disseminar muito rapidamente, principalmente em unidades hospitalares, e com mecanismos de resistência diferentes, ficou mais difícil para as farmacêuticas desenvolverem moléculas eficazes a tempo, afirma:

— E como são remédios usados por pouco tempo, o retorno financeiro para as indústrias é menor, diferente do que acontece para medicamentos de doenças crônicas, como diabetes, obesidade, por exemplo. E enquanto pensamos em novos antimicrobianos, as bactérias já desenvolveram novos mecanismos de resistência, porque para elas é uma questão de sobrevivência.


BS20250506110024.1 – https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/05/06/menos-de-05percent-dos-pacientes-com-bacterias-resistentes-no-brasil-tem-acesso-ao-tratamento-adequado.ghtml

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