
Anvisa proíbe a comercialização de produtos de cannabis e cogumelos
Hemp Vegan, Cannafy e De Volta às Raízes foram alvo de fiscalização
O consumo abusivo de bebida alcoólica pelo público feminino triplicou em 40 anos e praticamente dobrou nas últimas duas décadas
Quando foi lançada pela primeira vez, em 1988, a novela Vale Tudo trazia uma personagem que se tornou icônica: Heleninha Roitman, uma mulher dependente de álcool, em luta pela reabilitação. Na época, Heleninha era uma figura distante das famílias brasileiras: representava menos de 5% da população feminina no país. Na refilmagem do folhetim de 2025, quatro décadas depois, o cenário é bem diferente. O desafio enfrentado por Heleninha é hoje o mesmo de milhões de brasileiras.
Sem beber há cinco anos, Flávia Bettini hoje ajuda mulheres que enfrentam problemas com o álcool, por meio da associação que a acolheu Arquivo pessoal e Divulgação/Associação Alcoolismo Feminino (AAF)
O consumo abusivo de bebida alcoólica pelo público feminino triplicou em 40 anos e praticamente dobrou nas últimas duas décadas, passando de 7,8%, em 2006, para 15,2%, em 2023, com maior impacto entre as mulheres jovens e as negras. Entre os homens, o índice se manteve alto, mas com certa estabilidade, passando de 25% para 27,3%. Os dados são do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde.
Na opinião de especialistas, esse crescimento resulta de uma combinação de fatores. A presença feminina em espaços sociais antes ocupados apenas por homens ajuda a normalizar o consumo. O marketing do setor direcionado ao público feminino, com produtos atrativos para mulheres, glamoriza o ato de beber. E as vulnerabilidades de gênero, como sobrecarga do trabalho, responsabilidades financeiras e o trabalho doméstico, fazem com que as mulheres usem o álcool como suporte.
Há ainda questões psicológicas, como traumas e abusos, que desencadeiam transtornos mentais. Na novela, a personagem carregava a culpa por ter provocado um acidente de carro enquanto dirigia bêbada. A perda da guarda do filho em decorrência do alcoolismo agravava ainda mais seu sofrimento, e ela seguia recorrendo à bebida como válvula de escape.
— O álcool tem múltiplos rostos, desde a cantora pop famosa até a dona de casa, mãe de família — aponta Helena Moura, vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos em Álcool e Drogas (Abead) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
Ela reforça que a dependência e suas consequências atingem mulheres nos mais variados contextos, idades, etnias e profissões.
A advogada mineira Flávia Bettini, 45 anos, começou a beber regularmente aos 27, com a independência financeira.
— As minhas ressacas eram horríveis, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Eu ficava muito abalada, chateada de não ter conseguido interromper o uso na noite anterior, de não ter dito não.
Sintomas depressivos e a pandemia intensificaram o consumo. Trabalhando em casa, ela passou a beber cerveja durante atividades cotidianas, como cozinhar, e não conseguia parar até o fim do dia. Aos 35 anos, mãe de um menino de 5 anos, sentia que precisava de ajuda, mas não sabia a quem recorrer. Até que encontrou nas redes sociais a Associação Alcoolismo Feminino (AAF) e começou a participar das reuniões de partilha.
Em 22 de junho de 2020, cerca de dois anos após o nascimento da segunda filha, Flávia deu início a sua jornada sem álcool. Está sóbria há cinco anos e hoje é diretora jurídica da AAF, ajudando voluntariamente a associação, que já acolheu mais de 2,3 mil mulheres.
— A minha vida hoje é outra. Eu transformei as minhas relações com os meus filhos, principalmente com a minha família. Eu era vista como uma pessoa que era farrista, que não tinha vergonha, mas na verdade eu tinha. Fui entender que eu adoeci pelo uso frequente e constante do álcool gradualmente, ao longo de 13 anos de consumo — conta Flávia, que escolheu usar seu nome verdadeiro neste relato para encorajar mulheres que ainda sentem vergonha e são julgadas por estarem doentes.
A superação de Flávia, infelizmente, representa a de uma minoria no país. Apenas uma em cada 18 mulheres com diagnóstico de uso de substâncias psicoativas está em tratamento. Entre os homens a relação é de um a cada sete, de acordo com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC). Uma amostra da dificuldade das mulheres em buscar ajuda pode ser vista em uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), de 2021, em grupos de Alcóolicos Anônimos (AA) na capital paulista. O estudo revelou que as mulheres não se sentiam confortáveis em partilhar suas questões de dependência em grupos de atendimento mistos por serem frequentemente alvo de assédio e discriminação sexista.
— Para além dos sentimentos de culpa e vergonha devido ao estigma, as mulheres também possuem uma rede de apoio mais frágil que os homens, ou seja, sofrem com parceiros e familiares que desencorajam o tratamento. Muitas também ficam desconfortáveis em participar de programas mistos de gênero por histórico de violência ou abuso — explica Helena Moura, da Abead.
No Senado, a questão vem sendo tratada a partir de propostas que tentam prevenir o consumo e oferecer tratamento adequado às pacientes. Relatora do Projeto de Lei (PL) 2.880/2023, que cria um programa de saúde direcionado às mulheres alcoolistas, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) acredita que ações voltadas especificamente para o público feminino terão alcance maior.
— Precisamos lembrar que não existe tratamento de um dia. As mulheres ricas conseguem buscar ajuda, afinal elas têm condições financeiras favoráveis, o que permite inclusive conseguir quem cuide dos filhos dela. Mas a mulher pobre, que é chefe da família, não terá a mesma estrutura. Precisamos ter esse recorte muito especial para alcançar essa mulher que quer se livrar do vício em álcool, mas não tem condições de fazer isso sozinha.
Relatora do projeto que prevê assistência específica para mulheres alcoolistas, Damares Alves defende acolhimento humanizado às pacientes./Foto: Geraldo Magela/Agência Senado
Pronto para votação em Plenário, o PL 2.880/2023 inclui no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) estratégias de assistência multiprofissional e interdisciplinar para a população feminina. Apresentado pelo deputado federal Capitão Alberto Neto (PL-AM), o texto não define prazos ou metas, mas uma orientação geral a ser regulamentada por meio de normas do Ministério da Saúde ou de outros órgãos responsáveis assim que virar lei.
“A criação de programas especializados poderá fomentar redes de atenção que ofereçam desde acolhimento humanizado até estratégias de reinserção social e laboral, com foco na reconstrução de vínculos familiares, proteção dos filhos e promoção da autonomia. Essa abordagem integrada é essencial para romper ciclos de exclusão e violência, garantir o direito à saúde e promover uma sociedade mais justa e igualitária”, pontua Damares no relatório.
Diretor do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, o médico psiquiatra e professor universitário Marcelo Kimati concorda com a necessidade de atendimento especializado para as mulheres e campanhas educativas com recorte de gênero.
— Ao contrário do que a gente vê em outras áreas da saúde, em que a procura feminina é maior, no caso de álcool e outras drogas as mulheres tendem a procurar menos, por conta da questão de estigma. A gente chama isso de “barreira de acesso”, e esse é um fenômeno que tem que ser enfrentado. É um grande desafio tanto do ponto de vista de estigma quanto do ponto de vista de qualificação dos serviços de saúde — disse o médico em audiência pública sobre o tema promovida em setembro pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.
Mulheres enfrentam barreiras de acesso ao tratamento por álcool e outras drogas devido ao estigma, alerta Marcelo Kimati / Foto: Carlos Moura/Agência Senado
Também participante da audiência pública da CAS, a presidente da Associação Alcoolismo Feminino (AAF), Graziella Santoro, destaca a importância de um tratamento eficiente, uma vez que uso abusivo de álcool é uma condição mental que exige acompanhamento profissional por toda a vida.
— O alcoolismo não tem cura, mas tem tratamento com psiquiatra, de preferência que tenha especialização em dependência química e, além dele, vários outros profissionais. O tratamento deve ser multidisciplinar para que a pessoa se mantenha em recuperação, em abstinência a longo prazo.
Responsável por promover o debate no Senado, a senadora Leila Barros (PDT-DF) defende urgência na aprovação do PL 2.880/2023 e também do PL 2.502/2023, que regula a publicidade de bebidas alcóolicas.
— É fundamental ampliar o atendimento, criar protocolos específicos para gestantes e puérperas, apoiar o cuidado infantil no tratamento, investir em prevenção e proteger crianças e adolescentes do marketing de bebidas. Afinal, por trás de cada número há uma mulher que precisa de acolhimento e políticas públicas, não de julgamento — diz Leila, ressalvando que não existe nível seguro de consumo de álcool para a saúde.
Em comparação aos homens, as mulheres têm danos mais graves no organismo mesmo quando ingerem doses mais baixas. A diferença fisiológica no efeito das bebidas alcóolicas é reconhecida já na classificação do que é uso excessivo: para homens são consideradas cinco ou mais doses em uma mesma ocasião, para mulheres bastam quatro doses. Isso porque a metabolização do álcool é diferente no organismo feminino. Menor tamanho corporal, maior proporção de tecido gorduroso e variações hormonais fazem com que elas fiquem embriagadas mais rápido e o álcool permaneça mais tempo no sangue. Esse impacto acelerado é conhecido como “telescoping”, levando as mulheres a desenvolverem dependência e doenças associadas em um tempo menor.
As consequências incluem aumento no risco de câncer, em especial o de mama, e maior vulnerabilidade a doenças hepáticas, como cirrose e hepatite alcoólica. Transtornos por uso de álcool, como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, evoluem mais rápido no corpo feminino, como aponta a Organização Mundial da Saúde (OMS). O sistema cardiovascular também é afetado, podendo elevar as chances de hipertensão arterial e miocardiopatias. Na gravidez, o consumo de álcool pode causar a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) no bebê.
O excesso do uso de bebidas alcoólicas provoca cerca de 105 mil mortes por ano no Brasil, sendo 14% de mulheres. De 2010 a 2021, o número de mortes por abuso de álcool subiu 7,5% entre as mulheres, segundo dados do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), mas, entre os homens, houve queda de 8% no mesmo período.
Levantamento da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), disponível na página do Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (Obid), mostra que, em 2022, 1.438 mulheres morreram em decorrência de quadros de saúde agravados atribuíveis ao consumo de álcool. A diretora de Prevenção e Reinserção Social da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (Senad) do Ministério da Justiça, Nara Denilse de Araújo, destaca que esse número parece pequeno, mas a maioria dos casos foram de mulheres negras, em sua maioria chefes de família, o que revela o impacto dessas perdas na sociedade (veja vídeo abaixo).
A prevenção é outra frente de combate ao alcoolismo em análise no Senado. Em consonância com a recomendação da OMS de se reduzir o acesso e o consumo de álcool em todo o mundo, o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) apresentou o PL 2.502/2023, para ampliar a restrição de propaganda de bebidas alcóolicas. Hoje está em vigor a Lei 9.294, de 1996, que, entre outras medidas, proíbe comerciais de bebidas em rádio e TV entre 6h e 21h, e sua associação à prática de esportes ou à melhoria no desempenho social, pessoal ou sexual. A legislação, no entanto, apenas aplica essas regras a bebidas com teor alcoólico superior a 13%, deixando de fora aquelas com percentuais menores como a cerveja (4% a 6%) e o vinho (10% a 14%), mais populares. O projeto de Styvenson reduz o limite legal, incluindo qualquer bebida com teor acima de 0,5%.
— A lei também não leva em consideração a publicidade em mídias sociais, somos bombardeados com propagandas nesses meios. Por isso, é urgente que seja feita uma atualização — pede Juliana Ferreira, assessora de Advocacy para o Projeto do Álcool na ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua há 18 anos no controle do tabaco e do álcool.
Juliana afirma que é possível observar uma mudança gradual na representação feminina em comerciais de bebidas. As propagandas, que costumavam objetificar mulheres a partir de uma imagem estereotipada e sexualizada, passam, cada vez mais, a representá-las como consumidoras diretas. Ainda que o consumo seja menor que o público masculino, a indústria já as percebe como um público em crescimento.
A tendência é confirmada pelo psicólogo especialista no tratamento de transtornos por uso de substâncias e secretário da Abead, Lucas Cardoso. Ele explica que a mídia, desde videoclipes de músicas até comerciais, incentiva o uso exagerado do álcool, relacionando-o a um padrão de beleza elevado e um ideal de alegria.
— [As marcas] aproveitaram o empoderamento feminino e o perfil metabólico vulnerável para influenciar, explorar, adoecer e abandonar. As mulheres tendem à embriaguez com menor consumo de álcool. Por isso, o aumento do consumo abusivo de álcool entre elas deve ser analisado minuciosamente.
O PL 2.502/2023, que aguarda relator na Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização, Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), determina também a adoção de advertências sobre a proibição da venda de bebidas para menores de 18 anos e sobre os malefícios de seu consumo por gestantes.
“Especificamente em relação à gravidez, não existe quantidade segura ou tipo de bebida alcoólica que possa ser ingerido nesse período. Quando uma gestante ingere bebida alcoólica, o álcool no seu sangue passa pelo cordão umbilical para o feto. Assim, o alcoolismo durante a gravidez pode ser causa de aborto espontâneo, de parto prematuro, de feto natimorto e de graves transtornos físicos, intelectuais e comportamentais no recém-nascido”, lista o senador na apresentação do projeto.
Styvenson cita ainda o resultado das restrições à propaganda de cigarro já previstas na lei: a população fumante no Brasil caiu de 34% em 1989, antes das proibições legais, para 12,6% em 2019, segundo o IBGE.
— Acredito que essa é uma oportunidade que o Senado Federal tem para fazer a diferença nesse cenário de consumo de álcool entre mulheres — complementa Juliana.
Reportagem: Lúrya Rocha (sob supervisão de Paola Lima)
Fonte: Agência Senado
Hemp Vegan, Cannafy e De Volta às Raízes foram alvo de fiscalização
Porta de entrada para realização do procedimento são as Unidades Básicas de Saúde (UBS), distribuídas por todo o DF
Entre as oportunidades, há postos de diferentes níveis de escolaridade, com e sem experiência; cargo de mecânico de perfuratrizes, no Guará, oferece salário de R$ 4,1 mil
Encontro discutirá propostas e desafios relacionados às famílias no Distrito Federal