BRASIL

‘Não faltam médicos no Brasil, nosso problema é de distribuição’, afirma oncologista Paulo Hoff

31 de janeiro, 2025 | Por: Agência O Globo

Especialista avalia a formação de medicina no país e aponta gargalos para atendimento adequado

Não falta médico no Brasil; o que o país precisa é melhorar a cobertura do atendimento, criando atrativos para que jovens profissionais se estabeleçam desde a sua formação em regiões com carências assistenciais. O caminho é desenvolver programas de residência robustos nessas áreas, com infraestrutura e remuneração adequadas, defende o médico Paulo Hoff, professor titular de Oncologia da Faculdade de Medicina da USP e diretor de oncologia da Rede D’Or.

Oncologista Paulo Hoff, professor da USP
Oncologista Paulo Hoff, professor da USP — Foto: Bernardo Coelho/Divulgação

Em entrevista ao Globo, o especialista, aos 34 anos de experiência profissional, externa preocupação quanto à criação de muitos novos cursos de Medicina no país e à necessária aferição da qualidade da formação dos alunos. Ele também analisa os avanços tecnológicos aplicados à promoção da saúde e ao atendimento dos pacientes.

Qual a sua avaliação da formação médica oferecida no Brasil atualmente?

O Brasil tem excelentes médicos, e muitas das nossas faculdades têm reconhecimento internacional quanto à qualidade dos profissionais nelas formados. No entanto, preocupa o grande aumento no número de escolas médicas pelo país. Isso traz desafios na formação e na garantia de que todos os profissionais tenham o mesmo grau de qualidade assistencial.

Afinal, falta médico no Brasil ou não? A média atual é de 2,8 profissionais por mil habitantes, mas existe concentração no Sudeste e no Sul e nos grandes centros.

É uma falácia dizer que no Brasil existe carência de profissionais médicos. Não falta, mas precisamos distribuir melhor e nos concentrar na qualidade dos médicos que estão sendo formados. Devemos terminar esta década com algo próximo a um milhão de médicos, um índice por habitante igual ou superior ao da maior parte dos países. Nos Estados Unidos e Canadá, a média é essa, 2,6 (a cada mil habitantes), 2,7… Aumentar o número de médicos não resolverá o problema do acesso.

O desafio, há décadas, tem sido justamente atrair médicos às áreas que mais precisam de atendimento…

É preciso levar programas de residência bem planejados para as regiões onde há necessidade de se ter mais profissionais. Os médicos têm um período de formação muito longo, então quando ele começa a trabalhar efetivamente, já passou pelo período de formação da família. Dessa forma, é muito comum que se estabeleça e continue sua trajetória onde passou grande parte da sua vida adulta, onde tem familiares, amigos etc. Além disso, para que o profissional seja atraído, é muito importante que haja remuneração e condições de trabalho adequadas. Outra questão é a infraestrutura. Alguém que fez uma boa faculdade e bom treinamento e que acaba deslocado para uma região do interior que não tem um ambulatório vai desanimar e querer voltar. A sociedade precisa participar dessas discussões; não adianta simplesmente aumentar o número de faculdades.

Os programas de residência representam outro gargalo. Qual o déficit de vagas?

Hoje temos vagas de residência apenas para metade dos formandos, o que é grave: são cerca de 40 mil novos médicos por ano e temos 18 mil vagas de residência. E vai piorar, porque grande parte das faculdades novas, que foram criadas recentemente, ainda não formaram a primeira turma. O país está formando médicos até demais. Muita gente diz “é sempre melhor ter mais médico”. Mas não basta ter o médico. Alguém que não está bem formado aumenta os custos, vai pedir mais exames, por exemplo, sem que isso traga benefício.

Está em debate no Senado o projeto do Exame Nacional de Proficiência em Medicina, que, se implementado, vai se tornar um instrumento para certificar a qualidade da formação médica no Brasil. Qual sua opinião sobre isso?

Sou muito a favor de algum tipo de prova padronizada para a área, como a Ordem dos Advogados do Brasil tem para os advogados. Talvez a cada dois anos de faculdade. A vasta maioria dos professores é a favor deste modelo. Hoje, a faculdade de Medicina é um grande negócio, e a gente tem que pensar nisso. O intuito das provas não seria evitar a aprovação, eliminar pessoas, e sim assegurar que os programas estão preparados, o conhecimento foi adquirido e que a pessoa está apta a assumir uma das profissões mais importantes que existem.

Como avalia os currículos das faculdades?

Acredito que o currículo deve estar adequado à infraestrutura e aos objetivos de ensino que aquela escola se propõe a fazer. Ou seja, o currículo tem que corresponder ao tipo de profissional que se gostaria de formar. Creio que a maior parte delas tenha currículos adequados, embora, certamente, pequenas modificações possam ser interessantes. Por exemplo, uma inclusão maior de oncologia na graduação, já que é um tipo de doença que está se tornando a principal causa de morte em diversos municípios e estados brasileiros.

Estima-se que já em 2030 o câncer passe a ser a doença que mais mata no Brasil, o que pode aumentar a demanda por oncologistas. Como está o ensino da oncologia hoje?

O aluno pode ter contato com a oncologia como disciplina isolada ou como parte da clínica médica; neste caso, entra em outras disciplinas, como pneumologia ou gastroenterologia, por exemplo. Mas pela relevância do assunto, seria interessante expor um pouco mais os alunos a isso. Dado o número esperado de casos, mesmo quem não vai seguir carreira na oncologia terá que necessariamente estar preparado para reconhecer um caso, saber como encaminhar. Algumas faculdades, como a USP, já têm a presença desse conteúdo desde os anos 1990. Outras ainda precisam incorporá-lo entre suas disciplinas.

Aumentou o interesse dos futuros médicos pela oncologia com os avanços terapêuticos contra o câncer?

Sim, melhorou muito a percepção do aluno sobre a doença, está menos negativa. Quando o presidente da República ou um ator famoso tem um tumor, se trata e está aí, bem, curado, reforçamos que o câncer não é uma sentença de morte. Surge aí um senso de propósito, por ser uma doença potencialmente curável. A taxa de cura é, em média, de 60%.

A tecnologia traz um cenário que seria inimaginável 34 anos atrás, quando o senhor iniciou sua carreira. As novas gerações de médicos vão lidar com uma prática muito diferente da sua geração? Por exemplo, como a inteligência artificial pode auxiliar os futuros profissionais?

Assim como a telemedicina, a inteligência artificial é algo que veio para ficar. Mas nós ainda não temos, na minha opinião, uma noção exata de qual extensão terá no atendimento futuro. Os prontuários eletrônicos deveriam ter, de preferência, um ferramenta de interoperabilidade, que permitisse que dados coletados de um paciente em uma localidade pudessem estar acessíveis se este paciente procurar auxílio médico em outra. E esses prontuários eletrônicos, num futuro muito próximo, poderiam ou deveriam estar conectados a ferramentas de IA, que ajudassem a conduzir melhor os casos, seja no diagnóstico, seja no tratamento.

Quais seriam os principais ganhos com essa inovação?

Tudo isso pode gerar uma enorme quantidade de novos dados, o que permitiria uma análise constante de resultados e desfechos. Isso não só para a pesquisa científica, mas também para o acompanhamento da qualidade do atendimento nas diversas regiões do país. Tanto o prontuário eletrônico quanto a telemedicina e a IA melhoram a eficiência do atendimento médico. Teremos cada vez mais o uso dessas ferramentas no dia a dia dos nossos consultórios.


BS20250131073017.1 – https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/01/31/nao-faltam-medicos-no-brasil-nosso-problema-e-de-distribuicao-afirma-oncologista-paulo-hoff.ghtml

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