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Não vejo a hora

3 de março, 2023

Nunca tinha prestado atenção naquele prédio. Mentira, tinha sim. Era uma floricultura que ocupava a loja do térreo inteiro. Nem sei se dá pra chamar […]

Não vejo a hora

Nunca tinha prestado atenção naquele prédio. Mentira, tinha sim. Era uma floricultura que ocupava a loja do térreo inteiro. Nem sei se dá pra chamar de floricultura porque não tinha flor. Eu falava mal dos preços, mas morria de vontade de comprar os jarros, os penduradores, as plantas, quase joias de tão lindas. Uma coisa meio de mentira, meio enfeite, nunca vi uma única folha seca, nem pareciam vivas. Fecharam na pandemia e desde então a placa da imobiliária segue lá. 

Reconheci o endereço no google e fui, no início da semana passada, em busca de Gulherme. A recepção era pequenininha, duas cadeiras e a mesa da moça de cabelo até a cintura. Quando cheguei ela fez o que fazem as moças de mesa de recepção, pediu o RG, o endereço, o telefone e  licença para me fotografar. 

Autorizaram minha subida no décimo quarto andar. Havia uma grade agressiva que antecedia a porta com duas fechadura tetra e câmera. Fiquei tão tensa com o protocolo pra entrar, que errei o RG na hora de confirmar a informação no interfone. Pelo nível de segurança, Guilherme conserta boa parte dos Rolexes e Patek Philippes do bairro. Eu vinha com um reloginho tranquilíssimo. Tranquilíssimo pra ele, pra mim, paquero esse danado há um ano. 

Quando minha mãe me perguntou se eu queria escolher meu presente de aniversário, foi dele que lembrei. Mostrei a foto para a doadora e ela prontamente mandou um “e é antiguidade mesmo?”, “e se essa mulher tiver uns dez desse?”. Mas eu só queria um e, na verdade, não importava muito de quando era. Gostei do desenho, do tamanho, é minúsculo, tão delicadinho, sei lá. Gostei do relógio. Compramos. 

Guilherme, com a lupinha enganchada no olho, deu notícias do achado lamentando pela dona do brechó. “É uma peça rara dos anos 20, folheada a ouro, que ouro lindo”. “Quanto você pagou?” “Não acredito.” “Dobro, tem interesse em vender”. Mil e um elogios ao meu bebê reloginho. Vendi nada. Ele fez revisão, pôs o bichinho embaixo de uma lupa enorme, luz focada, me ensinou a dar corda, descreveu detalhes dos encaixes, da pulseira, da caixa. Saí tão sabida do prédio, tão negociadora de leilão de filme. Até entrar no elevador pra conferir o horário. Minha gente, não enxergo nada, nem número, nem ponteiro, nem com o óculos, nem sem. Será como as plantas da floricultura, uma joia de enfeite. Ou como as fotos de cadastro, estão lá, mas nunca temos a chace de vê-las. Era isso só. Boa semana, queridos.

 

Roberta D’Albuquerque é psicanalista, autora de Quemmandaaquisoueu – Verdadesinconfessàveissobre a maternidade e criadora do portal A Verdade é Que…
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