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Negligência com déficit público compromete futuro do país
17 de novembro, 2023Samuel Hanan, engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia
Ao anunciar que o governo não conseguirá honrar o compromisso de reduzir a zero o déficit primário ao final de 2024 (2º ano de mandato), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, desmoralizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prometeu atingir essa meta. Ainda ignorou o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, enviada ao Congresso pelo próprio governo, peça da qual constava o déficit zero, agora relativizado pelo presidente.
Lula culpou o mercado, a quem tachou de “ganancioso demais”, e, além de desautorizar o ministro da Fazenda, que vem buscando incansavelmente adesões importantes para a meta do déficit zero, desrespeitou o Congresso Nacional, empenhado em dar suporte ao ministro, e arriscou perder a credibilidade junto a investidores, credores e sociedade civil. O resultado do posicionamento do presidente não contribui para a melhoria da credibilidade do país e poderá até mesmo causar redução na taxa de crescimento do PIB e dificultar o ritmo da redução da taxa de juros.
Trata-se de um péssimo sinal à nação por parte de quem assumiu com enorme benevolência do Congresso Nacional. Basta lembrar que, mesmo antes de empossado, o novo governo foi autorizado a gastar mais R$ 145 bilhões, por meio da Emenda Constitucional nº 126, artigo 3º, que flexibilizou o teto de gastos, pelo qual as despesas não podiam crescer acima da inflação.
A torneira foi aberta e, menos de um ano depois, o governo admite que não vai fechá-la. O arcabouço fiscal aprovado pelo Congresso já sinalizava que os gastos públicos sempre crescerão mais do que a inflação. Em momentos de recessão ou de baixo crescimento crescerão menos, é verdade, mas ainda assim, acima da inflação. Os números mostram que os gastos do governo federal em 2023 têm como limite o equivalente ao total de gastos do exercício de 2022, corrigido pela inflação de 7,20% (IPCA) e acrescido dos R$ 145 bilhões autorizados pelo Congresso.
É preciso lembrar também que o Orçamento 2023 acabou turbinado com dinheiro extra para o pagamento do Bolsa Família – R$ 600,00 por mês por família cadastrada, durante todo o ano –, para investimentos sociais e para investimentos em infraestrutura.
Ao final de 2023, a União terá gasto R$ 5,490 bilhões, o correspondente mais da metade (51,41%) do PIB (Produto Interno Bruto). Serão R$ 2,01 bilhões em pagamentos de juros e encargos das dívidas (somando 18,79% do PIB), R$ 3,0 bilhões em despesas compulsórias (28,03% do PIB) e R$ 191,0 bilhões em despesas discricionárias (1,79% do PIB). Restarão para investimentos o montante (pífio) de R$ 144 bilhões (1,35% do PIB). Além disso, há mais R$ 145,0 bilhões (1,36% do PIB) em investimentos extras concedidos pela Emenda Constitucional nº 126. Vale enfatizar que dos 51,31% do PIB comprometidos com esses gastos, apenas 2,71% terão sido aplicados em investimentos. Mais grave ainda é que metade disso é de caráter excepcional, garantido pela Emenda Constitucional.
Como se observa, há razões de sobra para o Brasil olhar com maior atenção os gastos da União. Somente a título de juros, em razão da dívida pública nacional atingir R$ 7,96 trilhões, o correspondente a 74,4% do PIB, o país paga anualmente R$ 955 bilhões, ou seja, 8,92% do PIB. É estarrecedor que o país comprometa 26,30% do total anual de suas receitas públicas apenas para financiar a dívida pública.
Passou da hora de o Brasil tratar a situação fiscal com mais seriedade. Em nome da transparência, deveria ser obrigatória a divulgação não apenas do déficit primário, mas também do déficit nominal, este sim o verdadeiro. Isso evitaria que as autoridades tratem com menosprezo a existência do déficit fiscal que hoje, no Brasil, é da ordem de 9,52% do PIB, considerando-se os juros das dívidas (8,92% do PIB) mais o déficit primário (0,6% do PIB). Um número totalizado que precisa ser revelado à nação.