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Nitazeno a droga até 40 vezes mais potente que o fentanil encontrada pela 1ª vez no Brasil

22 de julho, 2024 | Por: Agência O Globo

Pesquisadores da USP, da Unicamp e da Polícia Científica de São Paulo identificaram a presença do opioide em amostras coletadas entre julho de 2022 a abril de 2023

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Polícia Científica de São Paulo identificaram a presença do nitazeno, um opioide que pode ser até 40 vezes mais potente que o fentanil, em ervas e comprimidos apreendidos entre julho de 2022 a abril de 2023 no estado paulista.

O achado foi descrito em estudo publicado em junho na revista científica Forensic Science International: Reports, intitulado “Opioides sintéticos ilícitos no Brasil: A chegada dos nitazenos”. Nele, os responsáveis afirmam se tratar do “primeiro relato consistente de apreensões de nitazeno no Brasil”.

O nitazeno é um opioide, ou seja, uma substância com um alto efeito analgésico. A origem dos opioides é natural, principalmente da planta papoula. É o caso da morfina, muito utilizada em procedimentos médicos para aliviar a dor.

Com o tempo, cientistas passaram a criar versões semissintéticas ou totalmente sintéticas de opioides para aumentar o seu potencial, caso da heroína, do fentanil e do nitazeno. O fentanil é importante em ambiente hospitalar, porém seu desvio para uso ilegal e recreativo levou a substância a ser a principal causa de mortes nos Estados Unidos hoje.

Já os nitazenos foram desenvolvidos há cerca de 60 anos como uma alternativa à morfina, segundo informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), mas, devido ao seu alto potencial de overdose, nunca chegaram a ser liberados para uso, e foram diretamente para o mercado ilegal.

A preocupação agora é porque os opioides causaram, em 2023, cerca de 81 mil das 107,5 mil mortes por overdose nos EUA, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Esses casos são principalmente associados ao fentanil, que, segundo a Administração de Repressão às Drogas dos EUA (DEA), é cerca de 50 vezes mais potente que a heroína e 100 vezes mais do que a morfina.

Já o nitazeno eleva ainda mais esse potencial. De acordo com um artigo publicado no site The Conversation pelo professor de Medicina de Emergência da Universidade de Virgínia, nos EUA, Christopher P. Holstege, o nitazeno consegue ser de 10 a 40 vezes mais forte que o fentanil.

“Os pesquisadores têm relativamente pouca informação sobre como o corpo humano reage aos nitazenes porque as drogas nunca passaram por ensaios clínicos. Mas testes de laboratório mostram que certos nitazenes podem ser centenas a milhares de vezes mais potentes do que a morfina e 10 a 40 vezes mais forte que o fentanil”, escreveu.

Ele conta ainda que “o nitazeno apareceu pela primeira vez em 2019 no Centro-Oeste (dos EUA) como uma substância branca em pó semelhante à cocaína. Mais tarde, apareceu nas ruas de Washington, DC, como pós amarelos, marrons e brancos. Desde 2022, a DEA encontrou outros tipos de nitazenos em pó e em comprimidos azuis”.

Apreensão no Brasil

No novo estudo, os pesquisadores relatam que, no período de quase um ano, foram analisadas 140 amostras de opioides apreendidas pela polícia de São Paulo, de forma isolada ou misturada com outras drogas. Delas, 133 (95%) tinham a presença de nitazeno, e somente 5% continham outros opioides.

“Os nitazenos foram encontrados isolados em 28,6% e misturados em 71,4% das amostras, enquanto os opioides não nitazenos (como fentanil, heroína e morfina) foram encontrados em 27,1% e misturados em 72,9% das amostras”, escrevem no artigo. Eles destacam ainda que 99% dos casos de nitazeno foram encontrados em ervas, o que não era esperado.

“Não há estudos farmacológicos ou toxicológicos abrangentes disponíveis com relação a essa forma de ingestão de opioides (…) Até onde sabemos, este é o primeiro relato em que esses opioides sintéticos foram detectados na forma de fragmentos de ervas. O efeito de fumar um opioide potente junto com canabinoides sintéticos (drogas como K9, conhecidas como “zumbi”) é imprevisível e a maioria dos usuários não tem consciência do que está usando”, continuam.

Mesmo assim, os pesquisadores afirmam que o cenário no Brasil é ainda de números baixos de abuso de opioides, especialmente em comparação com lugares como EUA e Canadá. Para eles, alguns fatores que explicam isso é “a legislação altamente restritiva que vigora no Brasil, que não permite fácil acesso a medicamentos à base de opioides para a população em geral ou mesmo para os profissionais de saúde”.

“De fato, os opioides representam menos de 2% dos medicamentos prescritos para tratar a dor e são representados pela codeína e pelo tramadol, que são agonistas MOR leves. A associação desses fatores, além do medo de uma crise de opioides, tem impedido o maior abuso dessa classe de medicamentos pela população brasileira até o momento”, complementam.

No entanto, alertam que, com base nos novos dados de apreensão pela Polícia do Estado de São Paulo, “é evidente que o cenário de opioides no país mudou em relação aos anos anteriores”, e que eles “têm se tornado de forma sem precedentes cada vez mais relevantes no território brasileiro”.

“Há relativamente poucas apreensões de opioides quando comparadas a outras drogas apreendidas no país, mas tanto as autoridades policiais quanto os profissionais de saúde precisam permanecer vigilantes, pois a ameaça representada por esses novos compostos começa a se expandir no território brasileiro”, concluem.


BS20240722125310.1 – https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/07/22/nitazeno-o-que-e-a-droga-ate-40-vezes-mais-potente-que-o-fentanil-que-foi-encontrada-pela-1a-vez-no-brasil.ghtml

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